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Febre chikungunya tem rápida expansão e preocupa Ministério da Saúde

Transmitida pelo mesmo mosquito da dengue, a chikungunya tem sintomas semelhantes, porém mais agudos. No Haiti, passou a ser chamada de 'quebra-ossos', devido à intensidade das dores que causa

CC /Jorge Benolli Jr / Wikicommons

Doença que ameaça se espalhar pelo Brasil é transmitida pelo mesmo mosquito da dengue

Rio de Janeiro – Realizado no sábado (7), o já tradicional “Dia D Contra a Dengue”, evento anual promovido em todo o Brasil pelo Ministério da Saúde, mudou de nome e passou a se chamar “Dia D Contra a Dengue e a Febre Chikungunya”. A mudança faz sentido, já que a doença com nome esquisito – uma “prima” da dengue vinda da África – tornou-se a maior preocupação sanitária do país e de todo o continente latinoamericano nos últimos doze meses. Sua propagação acelerada faz com que uma epidemia no Brasil ainda este ano não esteja descartada.

De acordo com um relatório divulgado no início deste mês pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de casos de chikungunya nas Américas passou de 111 em janeiro de 2014 para 1,16 milhão em janeiro deste ano, com 172 óbitos. O impressionante avanço tem como principais causas a inexistência de uma vacina e a baixa imunidade da população do continente contra o vírus causador da doença.

Os países da América Central e do Caribe foram os mais atingidos pela chikungunya nestes doze meses. A República Dominicana, com 539 mil casos, lidera a lista, seguida por El Salvador (135 mil casos), Guadalupe (81 mil), Martinica (72 mil) e Haiti (64 mil). A exceção no grupo é a Colômbia, com 112 mil casos. No Brasil, onde a doença provavelmente chegou trazida por militares que retornavam do Haiti, foram registrados 2,9 mil casos no período, sem nenhuma morte. Até julho de 2014, somente 17 casos haviam sido registrados no país.

A primeira ocorrência de febre chikungunya foi detectada em 1952 na Tanzânia, em uma aldeia próxima à fronteira com Moçambique. Desde então, a doença se espalhou por quase toda a África Subsaariana, além de diversos países da Ásia, e hoje tem surtos cíclicos em 40 países dos dois continentes.

Nas Américas, o primeiro registro aconteceu somente em dezembro de 2013, na ilha caribenha de Saint Martin, o que torna particularmente grave sua acelerada expansão. Enquanto América Central e Caribe dão indícios de já terem passado pelo pico do primeiro ciclo de contaminações, na América do Sul é quase certo que a doença avance em 2015.

Antropólogo que trabalha na organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), o francês Jean-François Véran viu de perto o estrago causado pela chikungunya no Haiti: “Fui fazer em maio de 2014 um trabalho sobre a visibilidade da dengue e quando cheguei lá vi que a chikungunya, que mal havia se instalado, já adquirira uma proporção bastante grande na região onde trabalhei”, diz.

Também transmitida pelo Aedes aegypti, assim como a dengue, a chikungunya tem sintomas semelhantes, porém mais agudos, e seu nome, no dialeto local tanzaniano, significa “andar curvado”, em referência às fortes dores na coluna e nas articulações que causadas. Segundo a OMS, além da “dor nas juntas”, os principais sintomas da chikungunya são febre, náusea, dor de cabeça, fadiga, irritação na pele, ânsia de vômito e dor muscular. Outra importante diferença em relação à dengue é que os sintomas da chikungunya podem perdurar por vários meses.

Dor intensa

A intensidade das dores impactou até mesmo quem já está “acostumado” a adoecer: “A população do Haiti enfrenta uma epidemia atrás da outra. Em 2010 e 2011 sofreram com a cólera, que depois teve um ciclo endêmico no país. Há também forte incidência de dengue, apesar de ser pouco visível pela saúde pública, da malária e de outras infecções febris. E as pessoas diziam que as dores da chikungunya eram mais fortes do que qualquer coisa que já haviam experimentado. A doença passou a ser chamada de ‘quebra-ossos’ pelo povo. Eu fiz uma pesquisa com quarenta e duas famílias e o relato era sempre o mesmo: uma sensação de dor ímpar”, conta Véran.

O integrante do MSF ressalta que muito pouco se sabe sobre a chikungunya e que existe “incredulidade e dúvidas” sobre a letalidade e a morbidade da doença: “A grande epidemia ocorrida em 2006 na Ilha de Reunião teve poucas centenas de casos de morte atribuídas diretamente ao chikungunya, mas o que os relatórios da época apontaram é que não houve pesquisa operacional sobre a letalidade indireta ou associada”, diz Véran.

“Há muitas indagações e poucas soluções”, continua o antropólogo: “Sabe-se que a chikungunya não apresenta uma forma hemorrágica grave como a da dengue, mas o impacto sobre a expectativa de vida das pessoas não está bem medido. O impacto sobre a saúde se dá em médio prazo. A chikungunya mata menos que a dengue, mas tem uma sintomatologia mais prolongada e consequências em médio prazo que podem ser nulas ou irreversíveis, por exemplo, em pessoas que têm artrite crônica ou reumatismo”, diz Véran.

O francês fala por experiência própria: “Eu peguei chikungunya três dias após a minha chegada ao Haiti, tive sintomas muito fortes durante quatro dias e outros sintomas – secundários, porém reais, como dores articulares e dores na coluna – duraram três ou quatro meses”, recorda.

Combate

O tratamento da doença também é semelhante ao aplicado contra a dengue, ou seja, praticamente nenhum, já que não existem remédios específicos. Os médicos se limitam a combater e aliviar os principais sintomas com substâncias como paracetamol, além de manter os pacientes hidratados. No que diz respeito à prevenção, as medidas também são similares, como manter tapados espaços e recipientes que possam acumular água e servir como criadouros para os mosquitos – a espécie Aedes albopictu também transmite a febre chikungunya.

Com o objetivo de combater a dengue e a chikungunya no Brasil, o governo federal distribuiu R$ 150 milhões para que estados e municípios intensifiquem suas ações de controle contra a proliferação do mosquito transmissor. Apesar da nova ameaça, o maior alvo continua sendo a dengue, já que apenas em janeiro deste ano foram notificados 41 mil novos casos da doença no país, um aumento de 57,3% em relação a janeiro do ano passado. Seis óbitos por dengue já foram confirmados em 2015. Segundo o Ministério da Saúde, o quadro é mais preocupante nos estados do Acre, Amapá, São Paulo, Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Sergipe.

“As medidas de enfrentamento e prevenção da dengue e chikungunya são as mesmas, uma vez que o mosquito Aedes aegypti é o transmissor das duas doenças. Então, temos de intensificar as ações de prevenção. Não podemos abrir mão da tarefa de fazer o controle das larvas e dos mosquitos”, diz o ministro da Saúde, Arthur Chioro, por intermédio de sua assessoria.

Mórbida convivência

Jean-François Véran aponta outro problema da convivência entre as duas doenças: a necessidade de garantir precisão aos diagnósticos feitos no sistema de saúde pública: “A diferença com a dengue somente pode ser detectada com teste laboratorial, e a chikungunya pode esconder a dengue hemorrágica, que apresenta um índice mais elevado de mortes. Isso pode ocorrer em locais de dengue endêmica, como é o caso do Brasil. É preciso melhorar as ferramentas de promoção da saúde e avisar à população que o mesmo mosquito transmite duas doenças e que é preciso saber a diferença”, diz.

Divulgado no fim do ano passado pelo governo, o Levantamento Rápido do Índice de Infestação pelo Aedes aegypti (LIRAa) apontou que 137 municípios brasileiros apresentam situação de risco para a ocorrência de epidemias das duas doenças. No levantamento, os 1.824 municípios analisados foram divididos em três categorias: situação de risco, quando possuíam número de domicílios com foco do mosquito acima de 4%; situação de alerta, quando o número estava entre 1% e 3,9%; e situação satisfatória quando o índice estava abaixo de 1%. Até o momento da divulgação, 659 municípios brasileiros estavam com índice de alerta e 1.028 apresentavam condições satisfatórias.

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