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Na reta final da campanha, Santa Casa voltou a ser centro de embate político

Hospital chegou a fechar as portas em julho devido uma dívida com fornecedores. Prejuízo da instituição passou de R$ 12,8 milhões em 2009 para R$ 167,9 milhões em 2013

Santa Casa/ Divulgaçã

Para o Ministério da Saúde, divulgação do resultado de auditoria pelo governo Alckmin foi eleitoreira

São Paulo – Maior hospital filantrópico da América Latina e vítima da falta de verba, dívidas milionárias e sucateamento, a Santa Casa de São Paulo é também centro de embates políticos na disputa pelo governo do estado. Há um dia das eleições, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB), que busca reeleição, e o Ministério da Saúde, que teve o comando do candidato Alexandre Padilha (PT) por três anos, não chegam a um consenso sobre o resultado de uma auditoria nas contas da instituição e trocam acusações sobre o tema.

O hospital chegou a fechar as portas em 22 de julho devido uma dívida de R$ 50 milhões com fornecedores. No dia seguinte foram suspensos exames e cirurgias não urgentes. A Santa Casa só reabriu dois dias depois, após a Secretaria Estadual de Saúde anunciar a liberação imediata de R$ 3 milhões e uma auditoria nas contas da entidade.

O Ministério da Saúde acusava o governo estadual de não repassar a verba federal para a Santa Casa. Em nota, o órgão afirmou que solicitou informações à secretaria e verificou que, em 2013, R$ 54,1 milhões de recursos do governo federal deveriam ter sido repassados, mas não chegaram ao hospital. “Em 2014, o montante chega a R$ 20,6 milhões.”

Segundo o ministério, em 2013 foram transferidos R$ 291.390.567,11 de recursos federais para a Santa Casa, porém, a instituição só recebeu R$ 237.265.012. Em 2014, os valores são R$ 126.375.127 e R$ 105.761.932, respectivamente. Assim, o governo do estado deixou de transferir para o hospital R$ 74,7 milhões desde o ano passado. Em campanha, Padilha afirmou que se a Santa Casa fechou a porta é porque tem dinheiro que foi repassado pelo Ministério da Saúde e está no governo do estado. “O governador tem que explicar”, cobrou.

A partir daí, foi instalada a auditoria independente, composta por uma comissão técnica com representantes da Secretaria de Estado da Saúde, Ministério da Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde e do Conselho Estadual de Saúde. Na segunda-feira (29), a secretaria estadual convocou uma entrevista coletiva para divulgar os resultados sem que o relatório final estivesse concluído e sem a participação dos representantes do Ministério da Saúde, em uma atitude considerada eleitoreira.

O relatório aponta que a dívida estava em R$ 433,5 milhões até dezembro de 2013, sendo que em 2009 era de R$ 146,1 milhões. O patrimônio líquido da Santa Casa – que não inclui os imóveis – caiu 98,5% em quatro anos, passando de R$ 220,3 milhões em 2009 para R$ 323 mil em 2013. Já o prejuízo da instituição passou de R$ 12,8 milhões em 2009 para R$ 167,9 milhões em 2013. Entre 2009 e 2013, os empréstimos e financiamentos da instituição cresceram 256%, indo de R$ 101,5 milhões para R$ 361,6 milhões.

Na apresentação do relatório, o secretário de estado da Saúde, David Uip, informou que a partir de terça (30) uma comissão passaria a acompanhar a gestão da Santa Casa diariamente e que o estado também assumirá os custos da instituição com insumos e medicamentos e com pessoal. Não foram informados, no entanto, valores desses repasses.

No entendimento do secretário, o relatório comprova que todos os repasses federais foram feitos. “Foi de absoluta irresponsabilidade o que o Ministério da Saúde e a Santa Casa vieram a público apresentar, que o estado deixaria de repassar R$ 74 milhões. Nós entendemos que foi de total irresponsabilidade por conta que os dados estão claros, agora auditados, inclusive por representantes de todos os poderes”, disse a jornalistas.

Na noite do mesmo dia, o Ministério da Saúde emitiu uma nota na qual rechaça a postura da Secretaria de Saúde. “A secretaria, novamente, ou demonstra desconhecimento e falta de preparo técnico ou busca iludir a opinião pública. Trata-se de uma desnecessária e inoportuna politização do debate que em nada ajuda a buscar soluções adequadas para o atendimento à população.”

No dia seguinte, outra nota do órgão avaliava que as informações divulgadas pela Secretaria de Saúde são unilaterais e parciais e resultam de um relatório prévio, recebido no sábado (27), que não havia sido aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

Por considerar o relatório incompleto e inconsistente e por avaliar que as declarações do novo superintendente da Santa Casa, Irineu Massaia, são divergentes dos dados inicialmente cedidos pela instituição, o ministério determinou a instalação de uma nova auditoria, desta vez realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus).

“O relatório mostra claramente que todo o valor mensal repassado para a Santa Casa de São Paulo, incluindo estadual e da União, é R$ 5 milhões inferior ao destinado pelo Ministério da Saúde para a instituição (R$ 25 milhões). A partir de 2010, o estado de São Paulo deixou de repassar cerca de R$ 100 milhões anuais de recursos federais para a Santa Casa de São Paulo e não dá informações sobre o destino desse valor”, diz a nota. “O Ministério da Saúde considera inaceitável o pedido de retratação solicitado pelo secretário David Uip, e considera uma ação eleitoreira.”

Na terça-feira, Padilha foi questionado no debate da Rede Globo sobre a Santa Casa. Ele lembrou que quando era ministro da Saúde adotou uma nova forma de financiar os hospitais filantrópicos, com aumento de repasse para aqueles que atendessem mais rápido e de forma mais humanizada.

“Eu fiz uma mudança importante, que se tivesse tido mais apoio do governo do estado estaria sendo sentida com mais velocidade pela população: historicamente, o Ministério da Saúde só repassava para os estados e municípios os recursos a partir da tabela SUS. Eu imaginava que não era correto pagar o mesmo valor para uma cirurgia feita em uma semana e para uma cirurgia feita em seis meses. Então criei um incentivo de qualidade: recebe mais a Santa Casa que atender mais rápido. Eu quero ser governador para fazer com que cada real que o ministério colocar chegue de fato à Santa Casa”, disse.

Em agosto, o candidato do PMDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf, havia culpado o governador Geraldo Alckmin pelo fechamento do pronto-socorro da Santa Casa. Ele afirmou que Alckmin foi omisso porque conseguiria prever a crise. “A Santa Casa é diretamente ligada ao governo de São Paulo e a responsabilidade é do governo do estado de São Paulo”, afirmou à época. Para Skaf, a responsabilidade sobre as finanças da instituição virou um “jogo de empurra-empurra”. “Tudo dentro do estado é de responsabilidade do governador”, disse.

“O Ministério da Saúde reitera que não pode ser responsabilizado pela crise financeira da Santa Casa de São Paulo, como indicou o governador Geraldo Alckmin, em 23 de junho de 2014. A pasta mantém os repasses em dia e em um valor maior do que está sendo repassado para a entidade”, informou o órgão à RBA em nota.

“A decisão sobre o uso do recurso financeiro é de autonomia do gestor local, desde que com transparência e que garanta o adequado atendimento à população. Não está sendo discutida fraude ou ilegalidade na gestão dos recursos, mas cabe à secretaria de Saúde, portanto, assumir a responsabilidade de suas deliberações, como a não utilização do recurso integral da União destinado à Santa Casa”, completa o texto.

A Secretaria Estadual de Saúde não atendeu à reportagem.