Mal de Parkinson

Estudo liderado por Nicolelis confirma eficácia da estimulação elétrica da medula espinhal

Em testes com saguis, equipe liderada pelo neurocientista brasileiro abre a possibilidade para tratamentos mais baratos e menos invasivos

Miguel Nicolelis/Divulgação Facebook

As pesquisas sobre Parkinson do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis estão entre as mais avançadas do mundo

São Paulo – A revista americana Neuron publicou hoje (30) artigo a partir dos estudos liderados pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e o chileno Romulo Fuentes, que demonstram a eficácia de uma nova neuroprótese no tratamento da doença de Parkinson. A nova terapia, chamada estimulação epidural da medula espinhal (EEMS), é menos invasiva e pode, no futuro, ser realizada sem a necessidade de internação hospitalar.

A pesquisa foi realizada no Centro de Primatas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), localizado em Macaíba (RN), que testou a técnica em saguis.

De acordo com os cientistas, os resultados abrem a possibilidade de um tratamento alternativo ao método tradicional – a estimulação cerebral profunda (DBS) –, que envolve procedimento cirúrgico complexo, demorado e que não é indicado para todos os pacientes justamente pelos riscos associados.

A EEMS foi inicialmente usada no tratamento de dor crônica, que não responde a medicamentos. “Como alguns desses pacientes também desenvolveram a doença de Parkinson, o uso contínuo da técnica também se mostrou eficaz no tratamento de sintomas motores produzidos por essa doença neurodegenerativa, principalmente aqueles relacionados a marcha e a postura”, disse Fuentes.

Apesar do sucesso inicial, nenhum estudo em animais ou pacientes havia até hoje
investigado os possíveis mecanismos por meio dos quais a EEMM produz seu efeito terapêutico em pacientes parkinsonianos.

No estudo publicado hoje, foi usada uma toxina química, chamada 6-OHDA, para induzir a degeneração de neurônios produtores de dopamina em cinco saguis. Essa lesão química reproduziu, em todos os animais, as mesmas observadas no cérebro de pacientes com Parkinson. Como consequência, todos os saguis apresentaram sintomas motores como “congelamento de movimentos”, distúrbios de locomoção, tremores, e falta de coordenação motora.

Como o estudo foi feito

Para estudar os mecanismos neurofisiológicos envolvidos na doença de Parkinson
induzida nesses animais, foram implantadas matrizes de microeletrodos em
múltiplas estruturas cerebrais que definem o sistema motor desses primatas. A seguir, eletrodos para estimulação foram implantados nos primeiros segmentos toráxicos da medula espinhal dos mesmos animais. Imediatamente após o início da estimulação elétrica da medula espinhal, todos animais apresentaram uma melhora significativa dos seus déficits motores.

Os efeitos dessa terapia foram avaliados de duas formas: a primeira, realizada de forma manual, foi executada por observadores que não sabiam se os animais estavam recebendo ou não a estimulação medular.

Os cientistas usaram uma escala para avaliar os sinais clínicos motores expressos por cada animal. Essa escala incluiu a avaliação do grau de “congelamento motor”, grau da redução de movimentos, coordenação motora, marcha, postura e capacidade de realizar movimentos motores finos.

A segunda avaliação foi feita de forma automática, através da análise computacional de registros de vídeo que gravaram a movimentação dos animais. Essa análise automática revelou que a EEMS praticamente dobrou a produção de movimentos nos saguis parkinsonianos.

Segundo Fuentes, o nível de melhora variou de animal para animal, mas todos
eles demonstraram um alívio significativo do deficit motor. Em um desses animais, que não era capaz de realizar nenhum movimento, o uso da EEMS fez com que o macaco voltasse a se movimentar normalmente. Enquanto a EEMS perdurou, esse animal foi capaz de usar as mãos para apanhar pedaços de alimentos e deglutir normalmente.

Conforme Nicolelis, esses dois métodos de avaliação revelaram uma melhora
signficativa na capacidade de locomoção que se assemelha aos resultados obtidos em nossos estudos com roedores e numa série de estudos em que a EEMS foi testada em pacientes parkinsonianos.

“Os saguis tratados com a EEMS demonstraram melhora importante em sintomas motores que normalmente são difíceis de ser revertidos com o método da estimulação cerebral profunda, como por exemplo os distúrbios de postura, marcha e velocidade de movimento”, explicou o brasileiro.

Ao analisar os resultados obtidos com os registros neurofisiológicos, os
neurocientistas do IINNELS observaram que os sinais clínicos da doença de Parkinson eram acompanhados por padrões oscilatórios patológicos da atividade elétrica neural em múltiplas estruturas do sistema motor.

Essas oscilações neurais patológicas foram corrigidas com o uso da EEMS, fazendo com que o sistema motor voltasse a apresentar padrões normais de atividade neural. Em uma outra série de experimentos, observou-se que o uso da droga L-DOPA, normalmente usada no tratamento inicial da doença de Parkinson, produziu o mesmo efeito de eliminar as oscilações patológicas neurais do sistema motor.

“Foi realmente surpreendente observar que a EEMS produziu efeitos muito similares
aqueles induzidos pelo uso da L-DOPA”, disse Fuentes.

Para Nicolelis, “esses experimentos foram fundamentais para estabelecer quais são os efeitos fisiológicos da EEMS num sistema nervoso que é muito mais semelhante ao cérebro humano”.

“Esses estudos em primatas vão nos permitir selecionar parâmetros de estimulação que
podem gerar os melhores resultados possíveis em pacientes parkinsonianos”, acrescentou
Fuentes.

Segundo os neurocientistas, o fato de a EEMS ser realizada por meio de um processo muito menos invasivo e mais barato do que outras alternativas cirúrgicas, bem como o sucesso do uso desse método em macacos, vai contribuir para a realização de mais testes clínicos num futuro próximo, já que a EEMS não requer a invasão do tecido nervoso, uma vez que os eletrodos de estimulação são implantados sobre a membrana que recobre a medula espinhal.

Nicolelis também enfatizou que, como a EEMS requer um procedimento cirúrgico muito
simples, os pacientes, no futuro, poderão se submeter ao procedimento pela manhã e deixar o ambulatório no começo da tarde.

Leia também

Últimas notícias