Gestão Alckmin

Secretário-adjunto de Saúde de SP tem sócio ligado a organização indiciada por fraude

Adjunto de David Uip divide empresa com médico ligado à SAS, alvo do MP na operação Atenas por suspeita de fraudar hospital público em Itapetininga; OS atuava em diversas cidades de SP e outros estados

AL São Paulo

Pollara (centro) e Uip, que comandam a Saúde em encontro com o deputado Dr. Ulysses (PV): liberação de recursos

São Paulo – A participação num esquema fraudulento que teria desviado R$ 7,5 milhões apenas no Hospital Regional de Itapetininga levou ao indiciamento de 61 pessoas. O pedido foi feito em dezembro passado pelos promotores do núcleo Sorocaba do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público paulista. Concluída há dois meses, a chamada Operação Atenas investigou irregularidades praticadas pelo Sistema de Assistência Social e Saúde (SAS) e pelo o Instituto SAS – ambas empresas com status de Organização Social (OS) – na gestão do principal hospital da cidade, localizada a 170 quilômetros da capital. Uma verdadeira sangria de recursos, segundo os promotores.

As investigações começaram a partir das denúncias de Geraldo Miguel de Macedo, então secretário de Saúde de Itapetininga, sobre irregularidades na execução do contrato firmado entre o SAS e a prefeitura. Segundo o Ministério Público, embora sejam empresas separadas, ambas se confundem em uma única organização criminosa, que é administrada e comandada por Fábio Berti Carone.

Ainda conforme o Gaeco, a quadrilha tinha como objetivo a apropriação de recursos públicos destinados à área da saúde a partir da ação de lobistas, ao financiamento de campanhas de agentes políticos e ao pagamento de propina a funcionários públicos para direcionar contratos fraudulentos ao SAS.

O dinheiro seria desviado para os integrantes da quadrilha por meio de pagamento de notas fiscais “frias” ou superfaturadas, emitidas contra o SAS por empresas, na maioria das vezes registradas em nome dos integrantes do bando ou de seus parentes. As organizações atuavam ainda nos municípios paulistas de São Miguel Arcanjo, São Paulo, Araçariguama e Vargem Grande Paulista. Em Americana, outro município vítima dos supostos fraudadores, segundo o órgão investigador, o prefeito Diego de Nadai (PSDB) teria recebido R$ 100 mil de propinas.

Tudo isso seria mais um caso de exploração privada do dinheiro público. No entanto, a imoralidade do esquema pode ser ainda mais grave caso se confirme o envolvimento não apenas de gestores, políticos e empresários, como é comum nessas redes criminosas, mas também de empresas e pessoas com ligações na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo – órgão governamental executivo responsável por buscar a qualidade de um serviço essencial e garantir atendimento digno à população.

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Sobrado no bairro paulistano da Aclimação abriga as empresas Cubatão Serviços Médicos, Guarujá Serviços Médicos, Praia Grande Serviços Médicos e São Vicente Serviços Médicos, todas, além dos nomes litorâneos, estão na lista de prestadoras de uma OS que atendia em Itapetininga

Embora o nome dos envolvidos ainda não tenha sido divulgado pela Justiça, há indícios de que as empresas Cubatão Serviços Médicos Ltda., Guarujá Serviços Médicos Ltda., Praia Grande Serviços Médicos Ltda. e São Vicente Serviços Médicos Ltda. estejam envolvidas com a OS acusada de irregularidades.

As quatro fazem parte de uma lista de prestadores de serviços da OS no Hospital de Itapetininga, encaminhada pela própria SAS, em atendimento a um requerimento da Câmara Municipal local. Todas estão ativas, conforme a Receita Federal, e têm o mesmo endereço: Rua Albina Barbosa, 330, Aclimação, São Paulo. Em vez de um prédio comercial, com escritórios, há ali um sobradinho simples, com porta para a rua, que não deve medir mais que 5 metros de frente. As fichas de situação cadastral informam que, no caso da Guarujá e da São Vicente, no ramo principal estão “atividades de atenção à saúde humana não especificadas anteriormente”. Já a Praia Grande e a Cubatão aparecem como planos de saúde.

Outro indício está na reportagem de 21 de dezembro de 2012 do jornal Correio de Itapetininga, segundo a qual o Tribunal de Contas do Estado (TCE), que apurava supostas irregularidades na SAS, apontava evidências de direcionamento de recursos e que as notas fiscais emitidas por essas quatro empresas de serviços médicos tinham a mesma caligrafia e a mesma agência bancária para pagamentos. E que as coincidências incluíam a impressão dos blocos de notas na mesma gráfica e a prestação de serviços praticamente exclusiva para a SAS.

De acordo com editais publicados no Diário Oficial de São Paulo, convocando sócios para uma assembleia, essas empresas têm como sócio-administrador o médico Mauro Hamilton Bignardi.

Sócio do secretário-adjunto

Mauro Hamilton Bignardi é também sócio de uma outra empresa, a BP Consultoria e Gestão Empresarial Ltda. Pelo contrato social, registrado em 1º de agosto de 2012 no 4° Tabelião de Notas de São Bernardo do Campo e em 10 de agosto de 2012 na Junta Comercial de São Paulo, ele detêm 50% do capital social. Os outros 50% são de seu sócio Wilson Modesto Pollara, que ocupa atualmente o cargo de secretário-adjunto da Secretaria de Estado da Saúde, o segundo posto mais importante da pasta, que tem como titular o secretário David Uip.

A BP Consultoria e Gestão Empresarial tem sede em São Bernardo do Campo, pode criar, manter, extinguir filiais ou sucursais em qualquer ponto do território nacional e tem como objeto social as atividades de assessoria e consultoria na área de saúde, orientação e assistência operacional para a gestão do negócio em matéria de planejamento, organização, reengenharia e controle orçamentário.

As ligações Pollara-Bignardi – ou Bignardi-Pollara, iniciais que batizam a empresa – se estendem ao litoral paulista. Ali eles já foram vistos em festas, como as do Iate Clube de Santos-Guarujá, retratadas pelo colunista social da imprensa local Welinton Andrade – da TV Unisantos e TV Guarujá. Segundo o colunista, ambos atuam no conselho administrativo do Hospital Santo Amaro.

Em 7 de janeiro passado, saiu no Diário Oficial do Guarujá que a prefeita Maria Antonieta de Brito (PMDB) nomeou Bignardi, que ocupa o posto de assessor técnico da Associação Santamarense de Beneficência do Guarujá (ASBG), mantenedora do hospital, como representante da entidade no Grupo de Trabalho Técnico de Revisão do Plano Operativo de Contratualização dos Serviços SUS com a prefeitura.

Em outubro de 2012, o Hospital Santo Amaro comprou o antigo Hospital Ana Costa, no distrito de Vicente de Carvalho, para instalar ali a unidade Santos Dumont. O negócio, segundo o HSA, foi viabilizado graças à participação de um grupo de empresários. Em entrevista à TV, conforme mostra o vídeo abaixo, falando em nome do HSA, Bignardi afirmou que a compra do antigo Ana Costa permitiria a oferta de 100 novos leitos para o SUS, que deveriam estar disponíveis a partir do primeiro trimestre de 2013. Mas, até agora, não há sequer sinais do início das obras.

Em novembro passado, o presidente da Câmara dos Vereadores do Guarujá, Marcelo Squassoni (PRB), assinou repasse de R$ 1,5 milhão proveniente do próprio orçamento da Casa para custear a conclusão da reforma da UTI e da maternidade do Hospital Santo Amaro, que vive em crise financeira. Squassoni argumentou que “trata-se de uma verba economizada ao longo do ano e que seria revertida em favor da população”. Segundo informe da Câmara, a decisão tinha sido tomada “durante reunião com o secretário-adjunto da Saúde do Estado, Wilson Pollara, e a prefeita Maria Antonieta de Brito”. Na ocasião, a chefe do Executivo e outros vereadores presentes haviam pedido “ajuda do estado para melhorar a estrutura do HSA, assim como para garantir a reabertura do Hospital Santos Dumont (antigo Hospital Ana Costa), em Vicente de Carvalho”.

No último dia 26 de janeiro, um domingo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou a liberação extra de R$ 108 mil mensais ao HSA, para custeio, o que corresponde a R$ 11,5 milhões por ano. Segundo o governo, o montante corresponde a 70% a mais que o repassado pelo SUS e a ajuda financeira integra o programa de auxílio às santas casas e hospitais filantrópicos do Estado de São Paulo.

Interesses privados

Não é de hoje que a Secretaria Estadual da Saúde de Alckmin tem à frente nomes ligados a interesses privados (da iniciativa privada) e particulares (nesse caso aos próprios interesses). Em agosto do ano passado, o blog O Escrevinhador, do jornalista Rodrigo Vianna, publicou o artigo “Sai Cerri, entra Uip: a saúde de Alckmin. O autor do texto, o editor da Revista Adusp (da Associação dos Docentes da USP, a Adusp), Pedro Pomar, alertava sobre os conflitos de interesses envolvendo os ocupantes da pasta. Dois meses depois, Pomar acabou interpelado judicialmente por calúnia pelo secretário, David Uip.

Segundo o artigo, há dúvidas sobre a destinação de recursos angariados em prol do Instituto Emílio Ribas, quando Uip era diretor, e a denúncia de atuação de médico de uma de suas empresas, a Sociedade de Consultoria e Assistência Médica David Everson Uip Ltda, que teria inclusive cobrado por serviços prestados no Instituto do Coração, na época em que era dirigido por Uip.

O suposto uso do hospital público para fins particulares acabou investigado pelo TCU. Um relatório do órgão fiscalizador, publicado em 2012, não é claro quanto à comprovação dos desvios. Mas, como elenca diversas irregularidades, pode ser prato cheio para uma ação civil pública, na visão de alguns advogados ouvidos pela reportagem.

Como Bignardi, o sócio de Pollara, Uip tem algumas empresas registradas no mesmo endereço, conforme a Receita Federal. É o caso da David Uip Prestserv s/C Ltda – ME, uma microempresa que tem como ramo principal atividade médica ambulatorial restrita a consultas e amplas atividades secundárias, como realização de procedimentos cirúrgicos, exames complementares, clínicas e residências geriátricas, assistência a deficientes físicos, a imunodeprimidos e convalescentes, apoio a pacientes com câncer e aids, fornecimento de infraestrutura de apoio e assistência a pacientes no domicílio e assistência psicossocial, entre outras.

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A casa da Rua Vitor Costa, 275, Jd. da Saúde, na capital, é o endereço da Uip Indústria, Comércio e Prestação de Serviços em Construção Civil e Transportes e da Transportes Uip Ltda, entre outras empresas

O registro na Receita aponta que a Prestserv está localizada à Rua Vitor Costa, 275, sala 2, no Jardim da Saúde, São Paulo capital. A casa de alto padrão, como as da vizinhança, tem muros altos e uma grande janela voltada para a rua. Nada que lembre uma empresa ou escritório, exceto por um vidro preto ao lado do portão para entrada de carros, semelhante a uma guarita. O imóvel é também sede da Uip Indústria, Comércio e Prestação de Serviços em Construção Civil e Transportes Ltda e a Transportes Uip Ltda.

Outra do setor de cargas, a Transuip Transportes, Logística e Serviços Ltda, com sede em Itamarati de Minas (MG), terceiriza serviços. A empresa – que não tem site na internet, como as demais do médico-empresário – foi notícia em 19 de janeiro de 2012. Segundo a edição daquele dia do Jornal de Muriaé, 50 motoristas que prestavam serviço para a firma de São Paulo, transportando bauxita da mineradora CBA, decidiram paralisar suas atividades em Muriaé (MG), reivindicando melhorias no pagamento do frete.

O secretário tem ainda a empresa Uip Patrimonial S.A., sediada, como consta na Receita, à Rua Joel Jorge de Melo, 609, na Vila Mariana, zona sul da capital paulista. Como as demais, também não tem site na internet. Entre os objetivos da empresa está o apoio à pecuária, em especial o serviço de pulverização e controle de pragas agrícolas.

A reportagem encaminhou mensagem solicitando que o secretário de Estado da Saúde e seu adjunto se pronunciassem a respeito de informações e dúvidas aqui apontadas. Até o momento, a resposta encaminhada por meio da assessoria de imprensa é “que as denúncias são absolutamente falsas e serão respondidas na esfera judicial”.


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