Hormonoterapia

Hospital das Clínicas já faz tratamento hormonal de jovem transexual

Unidade em São Paulo oferece tratamento desde os 12 anos. Enquanto isso, Ministério da Saúde publicou e suspendeu, no mesmo dia, portaria que ampliava diretrizes do SUS

Marlene Bergamo/Folhapress

HC, em São Paulo, é o primeiro a implementar tratamento que bloqueia hormônios

São Paulo – O Hospital das Clínicas, em São Paulo, é o primeiro no país a implementar tratamento hormonal a adolescentes transgêneros. O Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) pertence ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e funciona desde 2010 atendendo a jovens transgêneros, mas sem concessão de hormonoterapia. O atendimento é voltado para acompanhamentos e orientações psicoterápicas desenvolvidas por uma equipe de 13 profissionais de saúde capacitados.

Desde o começo de julho, o Amtigos começou o tratamento hormonal com um jovem transexual, homem de nascença. “Já estamos com o primeiro adolescente encaminhado, fechamos o diagnóstico, fizemos a psicoterapia, o acompanhamento. O jovem é abrigado, então tem todo um trabalho de orientação na escola, no abrigo”, afirma o psiquiatra e coordenador do Amtigos, Alexandre Saadeh.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) passou, desde março, a recomendar a aplicação da hormoterapia a partir dos 12 anos, quando começam os sinais da puberdade. O tratamento inicial bloquearia justamente a puberdade de gênero de nascimento. A partir dos 16 anos os hormônios que induzem à aparição de características do gênero desejado podem começar, segundo o CFM, a serem tomados pelos jovens.

Desde 2008, como instituído pela Portaria 1.707, do Ministério da Saúde (MS), o Sistema Único de Saúde (SUS) conta com o “Processo Transexualizador”, que prevê a instalação de atendimento e profissionais capacitados para atender a transexuais por meio do atendimento psiquiátrico, médico endocrinológico – hormonal – e cirurgicamente. Apesar de não especificar a idade dos transexuais que podem usufruir dos tratamentos, as redes do SUS, atualmente, não oferecem tratamento hormonal a menores de 18 anos.

O parecer do CFM não é normativo, isto é, não institui como norma suas observações técnicas, que são consideradas apenas como sugestões às entidades e redes de saúde pública. No entanto, historicamente, o poder público leva em consideração os pareceres na orientação da política de saúde. Por isso, o parecer publicado em março foi encarado como “marco” pela diretoria do CRT.

Volta atrás

Foi publicada ontem (31) no Diário Oficial da União a Portaria 859, que amplia as diretrizes do processo transexualizador pelo SUS, que determinava que as redes de saúde pública atendessem, com tratamento hormonal, jovens a partir dos 16 anos, e que a cirurgia para a mudança de sexo fosse realizada, pelo SUS, a partir dos 18 anos. O último parecer do Conselho Federal de Medicina que dispõe sobre a cirurgia de mudança de sexo é de 2010, e define que o paciente seja maior de 21 anos.

Porém, ontem mesmo, na parte da tarde, o Ministerio da Saúde informou, por nota, que a portaria que definia as novas medidas para o processo transexualizador, assinada pelo secretário de Atenção Primária do ministério, Helvécio Magalhães, seria suspensa.

Em nota, a pasta alegou que “suspendeu os efeitos da portaria até que sejam definidos os protocolos clínicos e de atendimento no âmbito do processo transexualizador”, e que convidará representantes do serviço público que realizam os serviços para definir os “critérios de avaliação do indivíduo, de obtenção da autorização dos pais e responsáveis, e de acompanhamento multidisciplinar ao paciente e aos familiares.”

Segundo Saadeh, que, junto com outros especialistas e representantes do Ministério da Saúde, participou das reuniões para a elaboração da nova portaria, as medidas são debatidas há dois anos, e a “volta atrás” do ministério representa “amadorismo”, e um compromisso com a bancada evangélica do Congresso Nacional.

“Acho que é uma questão dos aliados evangélicos. Não vejo outro motivo que o medo do governo de brigar com a base aliada, de ofender. E enquanto isso se brinca com a saúde das pessoas e com as expectativas das pessoas.”

Ele disse também considerar a ação do MS um retrocesso, já que unidades de saúde que integram o SUS não poderão começar o tratamento nos jovens. “No HC nada muda, pois há verba própria. Mas as unidades que dependem das verbas do SUS perdem muito com isso.”