Resistência

Entidade de classe ameaça agora levar médico cubano a delegacia

Governo explica que profissionais terão previdência, salário e jornada de trabalho definida, mas conselhos de medicina mantêm discurso de que se trata de trabalho escravo e de atividade ilegal

Valter Campanato/ABr

Médicos brasileiros dão sequência aos protestos em resistência à vinda de profissionais de Cuba

São Paulo – O Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) informou que pretende levar médicos cubanos que atuem no estado à Polícia Civil para denunciá-los por exercício ilegal da profissão, infração prevista no Código Penal e que pode levar a prisão de 15 dias a três meses. A nova ameaça visa a se valer do que as entidades de classe consideram uma ilegalidade cometida pelo governo federal ao trazer profissionais de outros países sem revalidação de diploma.

“Se ouvir dizer que existe um médico cubano atuando em Nova Lima, por exemplo, mando uma equipe do CRM-MG fiscalizar. Chegando lá, será verificado se ele tem o diploma revalidado no Brasil e a carteirinha do CRM-MG. Se não tiver, vamos à delegacia de polícia e o denunciamos por exercício ilegal da profissão, da mesma forma que fazemos com um charlatão ou com curandeiro”, disse o presidente da entidade, João Batista Gomes Soares, em entrevista ao jornal O Estado de Minas.

Esta semana o governo anunciou a vinda de até 4 mil médicos cubanos até o fim deste ano. Já na próxima semana chegarão 400 profissionais, que passarão por três semanas de treinamento. O acordo firmado entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde visa a garantir atendimento aos 701 municípios que não despertaram o interesse de nenhum profissional inscrito no Mais Médicos.

A maioria das cidades (68%) apresenta os piores índices de desenvolvimento humano do país (IDH muito baixo e baixo) e 84% estão no interior do Norte e Nordeste em regiões com 20% ou mais de sua população vivendo em situação de extrema pobreza. Os demais 358 estrangeiros cadastrados no Mais Médicos vão para as cidades escolhidas no processo de inscrição no programa.

O fato de o pagamento do salário dos médicos cubanos não ser feito diretamente aos profissionais, mas ao governo da ilha, é o principal ponto no qual se apegam as entidades médicas para criticar o convênio. A bolsa de R$ 10 mil mensais será repassada apenas em parte aos cubanos, em uma fatia que o governo federal não sabe precisar.
“Esse programa do governo federal é conversa e conversa não é superior à lei vigente no país”, diz o presidente do CRM-MG. Ele critica a decisão do governo de contratar os cubanos pela Medida Provisória 621, de 2013.

Durante o dia chegou a ser noticiado que o Ministério Público do Trabalho pretende criar dificuldades à chegada dos cubanos. O procurador José de Lima Ramos Pereira, que comanda no órgão a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, considera que a forma de contratação fere a legislação trabalhista e a Constituição. “A relação de emprego tem de ser travada diretamente entre empregador e empregado. O governo será empregador na hora de contratar e dirigir esses médicos, mas, na hora de assalariar, a remuneração é feita por Cuba ou por meio de acordos. Isso fere a legislação trabalhista”, disse, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

O Ministério da Saúde respondeu que quer discutir a questão com clareza. “Mantemos o nosso pensamento de que o que o Brasil faz hoje é uma coisa que vem sendo feita por vários países. Temos uma novidade e vamos trabalhar para que isso ocorra bem”, disse o secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Fernando Menezes.

A investigação do Ministério Público foi motivada pela preocupação expressa pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) de que a contratação desses profissionais desrespeitaria a legislação do Trabalho e os direitos humanos.

No entanto, no final da tarde, o procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, informou que o Ministério Público do Trabalho (MPT) não tem ainda informações suficientes sobre as condições em que os médicos vão trabalhar. Por isso, é impossível dizer de maneira conclusiva se há algum tipo de irregularidade na contratação desses profissionais.  Segundo ele, o ministério não teve acesso ao convênio firmado entre o governo brasileiro e o cubano e nem aos termos do acordo. Camargo disse que vai entrar em contato com a Advocacia-Geral da União para solicitar mais informações nesta segunda-feira.

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, rebateu as desconfianças do CFM e informou que o regime de trabalho dos médicos não fere os direitos dos profissionais ou dos pacientes brasileiros. “Todos esses médicos estão vindo voluntariamente. Terão previdência paga pelo ministério. Alimentação e moradia paga pelo município. Dificilmente isso se assemelha a qualquer coisa parecida com escravidão”, informou Barbosa.