Polêmica

Câmara deve votar hoje projeto ‘retrógrado’ sobre drogas

Profissionais de saúde atacam projeto de deputado peemedebista, que não distingue traficante de usuário e beneficiaria clínicas privadas de 'recuperação'

Osmar Terra quer que a polícia defina quem é traficante e quem é dependente (Foto: Antonio Cruz/ABr)

São Paulo – O polêmico projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) sobre o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas – alvo de críticas de profissionais da saúde, especialistas no tema e do governo federal – pode ir à votação na Câmara dos Deputados ainda hoje (15).

Para a professora Andrea Gallassi, da Universidade de Brasília, a proposta é “um retrocesso”, se comparada a políticas de outros países e até mesmo em relação à política atual, estabelecida pela Lei nº 11.343, de 2006.

“Alguns países, como Uruguai, estão num debate bem mais progressista, no sentido de entender que a política de drogas tem de prever cuidados de saúde para os usuários”, diz Andrea, que é Coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, mantido pela UnB.

Segundo a pesquisadora, um dos aspectos mais negativos do PL é não observar a situação do dependente num contexto adequado. “Essas pessoas precisam de cuidados no Sistema Único de Saúde. Além de não avançar, com esse projeto a gente volta para trás em relação à lei atual, de 2006, pois ele coloca como lugar de tratamento e acolhimento as comunidades terapêuticas, que não são equipamento de saúde”.

O problema se agrava, segundo avalia a professora, com o caráter dessas comunidades terapêuticas. “São entidades privadas e a maioria delas tem orientação religiosa. Boa parte da bancada evangélica do Congresso é formada por proprietários de comunidades terapêuticas”, diz. “Portanto, é interesse próprio em detrimento de um interesse social. O Estado é laico e a gente não tem de financiar com dinheiro público instituições que não são de saúde para pessoas que precisam de cuidados de saúde.”

A professora da UnB chama as comunidades terapêuticas de “milícia” do sistema de saúde. “É um sistema paralelo ao de saúde, é privado, quer receber recurso público e não quer ser fiscalizado”.

O autor do projeto rebate. “Nosso projeto tem aval da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Todo mundo é especialista e chuta para todo lado. Fizemos 60 audiências públicas, todos os especialistas tiveram oportunidade de se manifestar, não estamos fazendo nada escondido”, afirma Terra, que atribui opiniões como a da professora da UnB como sendo de quem é “a favor da liberação das drogas”.

O deputado diz que os evangélicos prestam um serviço: “Quantas pessoas eles tiram da dependência química? Eles estão atuando no vácuo do Estado brasileiro, que nunca fez nada, nenhuma política pública abrangente de enfrentamento a drogas no Brasil”. E avalia que o programa Crack, é Possível Vencer, apresentado na gestão da presidenta Dilma Rousseff (PT), é uma primeira proposta concreta na área, mas ainda não saiu do papel.

Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, diretor de Políticas do Álcool e Drogas do Conselho Nacional para o Progresso da Ciência (CNPq), professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e associado da ABP, o PL 7663 é o melhor projeto produzido pela Câmara dos Deputados sobre álcool e drogas.

Na opinião de Laranjeira, a proposta facilita as iniciativas de recuperação de dependentes, leva em consideração experiências internacionais e foi bem discutido em audiências públicas. Além disso, segundo ele, o projeto define os papéis dos municípios, dos estados e do governo federal na área.

Usuário e traficante

A proposta do peemedebista insere na legislação um aumento de pena de cinco para oito anos para traficante, sem previsão de pena para usuário.

Uma das críticas de Andrea Gallassi diz respeito ao fato de que, embora não preveja pena para usuário, ele não faz uma distinção entre o que é usuário e traficante. “Fica a cargo do policial e do delegado. O problema que tivemos desde a lei de 2006 é um maciço encarceramento de supostos traficantes. E quem é preso é o pobre da favela.”

“Não tem como fazer essa diferenciação”, alega o deputado. “Está cheio de especialista de gabinete que nunca saiu da universidade para ver como é o mundo e está tentando ditar regras”, ataca. “O cara pode estar com 300 pedras no bolso e ser um usuário. O outro tem uma pedra no bolso direito e no outro está com não sei quantos mil reais. Ele é um traficante. Não é porque só tem uma pedra que é um usuário”, diz. “Se for pela quantidade de drogas não se prende mais ninguém, se legaliza as drogas no Brasil. Nenhum traficante vai andar com mais do que é permitido.”

Andrea Gallassi não demonstra otimismo quanto à votação no Congresso. “Acho provável que seja aprovado. A menos que o Executivo consiga alguma interlocução com o parlamento”. O que, de acordo com Osmar Terra, não vai adiantar: “Mudamos a lei em 33 pontos, abrimos para o governo sugerir, e não vai ser o governo que vai dizer como vai ser o nosso projeto. O primeiro escalão do governo tem uma posição muito próxima à nossa: a presidente Dilma, a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça). Já o segundo escalão é contra. São opiniões filosóficas, não têm nada a ver com a realidade”.

A reportagem procurou o Ministério da Justiça, mas não obteve retorno.

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