saúde pública

Barreiras dificultam atuação de médico brasileiro formado em Cuba

Critério para revalidação de diplomas é considerado 'abusivo' e 'ideológico' por dirigente do PT ligado ao tema; para o CFM, problema estaria na 'má formação' recebida pelo profissional no exterior

Para Pomar, brasileiros formados em Cuba são barrados por razões ideológicas (Foto: PT/Divulgação)

São Paulo – O acordo entre os governos brasileiro e cubano para a vinda de 6 mil médicos daquele país para atuarem nas regiões mais carentes do Brasil reacende o debate em torno dos processos de revalidação do diploma de brasileiros que se formam em medicina em Cuba. Submetidos a provas consideradas excessivamente difíceis, com índice de aprovação inferior a 10%, estes profissionais enfrentam a resistência de entidades corporativas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM).

Até 1999, o Brasil era signatário de um acordo de cooperação acadêmica que fazia com que o diplomas de instituições de países da América Latina e Caribe fosse reconhecido automaticamente no país. Depois disso, a revalidação passou a ser realizada por universidades públicas, cada uma com critérios e cronograma próprios. Para corrigir essa situação, o governo criou em 2011 o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida).

Realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o exame foi adotado por 38 escolas médicas públicas – outras mantiveram seus procedimentos próprios.

No entanto, após dois anos de avaliações, os resultados indicam que a exigência do exame esteja acima do razoável. Em 2011, 140 estudantes com diplomas de origem cubana tentaram a revalidação, mas apenas 15 (10,71%) foram aprovados. No total, 687 médicos tentaram aprova e apenas 65 passaram. Em 2012, foram 182 cubanos inscritos e 20 aprovados (10,99%), em um total de 884 profissionais formados em diversos países, com apenas 77 aprovados (8,7%).

Defensor dos brasileiros formados em Cuba e membro do diretório nacional do PT, Valter Pomar lembra que anteriormente o processo de revalidação incluía impeditivos burocráticos, como tradução juramentada do diploma, taxas de inscrição elevadas e outros obstáculos financeiros e materiais. A criação do Revalida visava unificar o processo e diminuir essas barreiras.

“No entanto, permanece uma barreira pedagógica, com provas mais exigentes do que as aplicadas para os formados nas faculdades brasileiras”, afirma. “As exigências para revalidação são um obstáculo proposital. Ninguém está pedindo que haja revalidação automática. O que questionamos são os critérios abusivos, que visam impedir o acesso de determinadas pessoas por razoes ideológicas.”, defende.

O Ministério da Educação cogitou modificar o exame, mas conta com forte oposição de entidades ligadas aos médicos, como o CFM. “O Revalida foi bem estudado pelas autoridades competentes, é bem elaborado para avaliar o conhecimento do médico que está chegando”, afirma o secretário-geral do conselho, Henrique Silva. “Para mim, como houve percentual muito grande de reprovação, isso indica que os médicos formados fora não estão preparados para exercer a medicina. Um médico brasileiro com formação adequada reponde tranquilamente 60% ou 70% da prova”, defende.

Seleção social

A busca de formação no exterior é fruto das dificuldades enfrentadas por muitos brasileiros para ter acesso a cursos de medicina. Os estudantes vão para o exterior fugindo de mensalidades proibitivas, que em São Paulo não raro ultrapassam R$ 5 mil por mês, e da enorme concorrência dos vestibulares. Na USP, por exemplo, o curso teve a nota de corte mais alta do vestibular, com 73 pontos – e isso garante apenas a passagem para a segunda fase do processo seletivo.

“Há um processo de seleção social na profissão. São escolas muito caras ou em que é mais fácil entrar se tiver feito uma escola particular, tiver recursos para pagar cursinho, estudar por anos seguidos sem outra ocupação profissional, comprar livros”, afirma Pomar.

Nesse contexto, Cuba reúne condições para ser um dos principais destinos. Mundialmente reconhecida como referência na área de saúde, com índices expressivos como uma mortalidade infantil de 6 a cada mil nascidos vivos (a do Brasil é de 16 a cada mil), a ilha criou uma escola visando exatamente oferecer formação gratuita em medicina para estudantes da América Latina e de outros países: a Escola Latino Americana de Medicina (Elam). Entre 2005, quando foi criada, e 2012, cerca de 15 mil médicos se formaram na Elam em 25 especialidades distintas.

Além de gratuita, a formação oferecida em Cuba segue um modelo diferente da brasileira, que privilegia a formação de especialistas. No modelo cubano, há grande valorização de médicos generalistas, voltados para a medicina familiar e preventiva – adotada no SUS a partir da Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Para o dirigente petista, o modelo brasileiro influencia na falta crônica de profissionais de saúde fora dos grandes centros – exatamente o problema que o governo quer atacar com os acordos internacionais.

“Vários governos estaduais e prefeituras já fizeram projetos com remuneração acima da média para que médicos atuem nessas regiões, mas não funcionou. Faltam médicos motivados ideologicamente e capacitados tecnicamente para atender na ponta”, afirma.

O secretário-geral do CFM discorda. “Não basta somente remuneração alta, é preciso garantir também outras condições, como vínculo trabalhista e boas condições de trabalho. Falta uma política de saúde eficiente no campo da atenção básica. Entendemos que é preciso criar uma carreira de Estado para os médicos, para que ele possa trabalhar nesses locais sabendo que tem todo um apoio”, afirma Henrique Silva.

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