Ativistas querem que Haddad assuma a gestão direta da saúde em São Paulo

Além do fim da gestão do setor pelas OSs, eles defendem o efetivo controle social por meio do conselho municipal. Na gestão Kassab, a instância nunca pode exercer seu papel

A saúde é a maior preocupação dos paulistanos, conforme pesquisas. Para os movimentos sociais, o atendimento piorou depois que a OSs passaram a gerir o setor. (Foto: Elza Fiúza/ABr)

São Paulo – Militantes dos movimentos sociais, integrantes do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, usuários do sistema público e trabalhadores do setor reafirmam que o prefeito eleito, Fernando Haddad (PT), deve elaborar um plano para retomar a gestão dos equipamentos municipais hoje administrados por Organizações Sociais de Saúde, mais conhecidas como OSs. E que passe a realizar concursos públicos para a contratação de médicos, enfermeiros e demais profissionais técnicos e administrativos que atuam em postos de saúde, hospitais e demais centros de atendimento.

Em seminário realizado na última quarta-feira (28), na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), para discutir o papel dessas entidades na gestão do SUS na capital paulista, soou mais forte a voz dos críticos. Mas o modelo foi defendido por representantes da Associação Saúde da Família, do Hospital Albert Einstein e do Sírio Libanês, entre outras organizações. Eles chegaram a admitir a falta de transparência nos mecanismos de controle, mas enfatizaram a necessidade de diversos mecanismos de gestão numa cidade grande como São Paulo. 

A prefeitura paulistana tem em vigor 29 contratos com essas organizações, sendo que a maioria deles termina em 2014 e 2015. Juntas, custam aos cofres R$ 1,3 bilhões. Em fevereiro expira o contrato com o Santa Marcelina, o mais caro, no valor de R$ 109 milhões, para administrar 34 equipamentos espalhados pela Cidade Tiradentes, Guaianases e Lajeado, na zona leste. São UBS, AMAs e CAPS, os centros de atenção psicossocial. Muitos desses contratos são reprovados pelo Tribunal de Contas do Município, entre eles um com o Hospital Albert Einstein. 

Durante a campanha eleitoral na TV, Haddad negou a rescisão dos contratos com as OS e se posicionou favorável às parcerias e, mais recentemente, por sua assessoria, afirmou que renovaria os contratos com as entidades que estão trabalhando bem. 

Trabalhador do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Água Funda e integrante do Fórum Popular de Saúde do Estado de São Paulo, o educador físico Paulo Spina reafirmou suas críticas às OS durante toda a sua participação. Segundo ele, não faltam dados que comprovem as falhas desse sistema na garantia de um atendimento de qualidade à população. “Antes da recente disputa eleitoral, uma pesquisa apontou que para 29% da população paulistana a saúde é a principal preocupação. Oito anos antes, quando a gestão pelas OSs ainda não era hegemônica na cidade como hoje, o percentual era de 16%”, disse.

Segundo Spina, a insatisfação da população reflete as falhas de um modelo que, com o argumento de permitir maior agilidade na contratação de serviços e de trabalhadores, melhorando assim o uso do dinheiro público e o atendimento, foi ganhando cada vez mais espaço. “Agilidade só se for para contratar e demitir trabalhadores, haja vista a rotatividade de trabalhadores”, provocou. “Na gestão Kassab foi prometida a construção de 50 Amas Sorriso [unidades de atendimento em urgências e emergências odontológicas]. Como o gestor da OS que iria administrar as unidades acabou denunciado por ligações com a prefeitura, o contrato não foi efetivado e esses centros não saíram do papel”, lembrou.

Ele ainda questionou o interesse dessas organizações na gestão da saúde pública, as quais estariam apenas em busca de lucro, bem como a falta de transparência em contratos volumosos. E destacou os prejuízos à qualidade do atendimento à saúde num sistema em que a falta de estabilidade dos trabalhadores impede a formação de vínculos entre pacientes e as equipes profissionais, sem deixar de mencionar a divisão criada em unidades que reúnem trabalhadores contratados pela União, estado, municípios e por essas empresas, o que cria conflitos permanentes.

“É claro que não se acaba com esse modelo de gestão de uma hora para outra, mas o prefeito Haddad deve retomar a adminstração direta, num caminho contrário ao das OSs, que foram ganhando espaço na cidade”, disse.

Maria Cícera Salles, integrante do Conselho Estadual de Saúde e militante dos movimentos sociais na capital, também é contrária à gestão dos serviços públicos por essas entidades. No entanto, não acredita que o modelo seja facilmente extinto da administração paulistana com uma canetada. “Há mais de 36 mil trabalhadores da saúde vinculados a essas entidades, muito mais que na administração direta. Ninguém é louco de jogar na rua todos esses profissionais. Mas o que não pode é empresas como essas continuarem a se apoderar dos equipamentos púbicos e a população continuar desassistida. Afinal, o que está em jogo? A saúde das pessoas ou das OSs?”, questionou. Cícera destacou a falta de diálogo da gestão Kassab com os conselhos, lembrando que “tudo que tudo que se aprovou no CMS está na Justiça”, e que espera que Haddad ouça seus conselheiros. “Não vai ser brincadeira colocar o trenzinho de volta no trilho”.

O fim da gestão da saúde por organizações sociais não é defendido por todos os que atuam nos movimentos sociais da saúde. Há quem admita a continuidade desde, é claro, que com total transparência e controle social. É o caso de Cícero Rodrigues, coordenador do Conselho Municipal de Saúde. “Precisamos intensificar a fiscalização dessas parcerias público-privadas. Nunca houve prestação de contas dessas entidades, que se dirigem diretamente à secretaria de Saúde”, disse.

Conforme Rodrigues, o efetivo controle depende diretamente da capacitação dos conselheiros.”A atual gestão ampliou a composição do Conselho, mas não deu condições para a capacitação desses conselheiros. Como discutir e aprovar recursos se falta formação para isso? Como entender planilhas que chegam ao Tribunal de Contas e não batem? “, questionou. Ainda segundo o coordenador, após as eleições, a prefeitura cortou todo tipo de verba para o CMS. Não foram liberados recursos nem mesmo para um encontro de conselheiros para o planejamento do trabalho.

Apesar do convite da FSP e da Associação Paulista de Saúde Pública, que organizaram o evento, o atual prefeito, Gilberto Kassab (PSD), e Haddad, nem foram nem mandaram quem os representassem.