HPV e outras DSTs demandam mais do que campanha de prevenção

Especialista em educação sexual avalia papel da escola para orientar crianças e adolescentes sobre o tema. Discutir sexualidade não é estímulo, por questão já ser presente

Segundo especialista, apesar de informado, o jovem brasileiro ainda resiste às medidas preventivas das DST (Foto: Irineu Degasperi / Sxc.hu)

São Paulo – Família de vírus responsáveis por mais de 90% dos casos de câncer do colo uterino, um dos mais letais entre as brasileiras, o HPV é transmitido sexualmente. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que 25% das brasileiras estejam infectadas com algum dos subtipos do vírus. As mais jovens, que iniciam a vida sexual precocemente, são as mais suscetíveis. No homem, o HPV causa verrugas genitais.

Essas e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) recebem pouca atenção no Brasil, segundo o psicólogo, sociólogo e educador Antonio Carlos Egypto, fundador do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS). Nesta entrevista à Rede Brasil Atual, o especialista fala sobre saúde, critica a mídia e defende um trabalho mais sistemático em educação sexual para resultados mais efeitos.

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Por que o HPV não recebe a mesma atenção que a Aids do ponto de vista da saúde pública?

A Aids está em primeiro plano porque ainda é incurável. Mas as DSTs em geral, como HPV, sífilis e tantas outras são portas de entrada para diversos vírus, entre eles o próprio HIV (causador da Aids). Por isso deveriam ser mais discutidas, não só esporadicamente em campanhas, mas de maneira sistemática, na escola. E a abordagem não deve ser baseada em algo negativo, como a exibição de imagens fortes, fotos da doença em estado avançado… Esse tipo de recurso assusta o adolescente e geralmente é ineficaz. Como eles estão descobrindo o mundo, se acham muito poderosos e não imaginam que haja limites. Quando se é jovem não se leva em conta as perdas que a idade trará. A tendência é sempre a negação. Por isso, quanto mais as campanhas ficarem restritas, por exemplo, a dizer apenas que a droga mata, menos eficientes serão. Elas têm de reconhecer que a droga traz prazer, mas que oferece riscos. A verdade, a conversa e a reflexão são sempre mais eficientes.

Como o senhor avalia as campanhas relacionadas às DSTs?

De maneira geral são boas, mas deveriam ser mais frequentes e diversificadas, com maior amplitude de ação – o que requer investimentos, claro. Só que campanhas, sozinhas, não resolvem. Necessitam de um trabalho educativo sistemático, com projetos organizados, preferencialmente envolvendo TV e internet.

Qual é o limite dessas campanhas?

Elas ajudam. Mais importante é um trabalho sistemático no processo educacional. Eu participei da elaboração dos parâmetros curriculares nacionais em 1997 e 1998 e desde então a orientação sexual é um tema transversal proposto a todas as escolas do país. Mas não existe esse trabalho de maneira sistemática em muitos lugares. Ainda é difícil capacitar educadores, vencer tabus e preconceitos para se trabalhar a sexualidade na escola, um espaço regular, contínuo, sistemático, onde o jovem poderia ter um espaço de reflexão, que faz falta. As campanhas dão um toque, ajudam, mas não constituem um espaço para se pensar e discutir o tema com profundidade, com mais seriedade.

Muitos jovens ainda fazem sexo sem proteção?

A verdade é que eles se previnem contra doenças sexualmente transmissíveis mais do que a gente normalmente julga, mas nem sempre se lembram da camisinha. Mas isso passa por muitas outras questões, como o envolvimento amoroso. Por se sentirem protegidos por uma relação estável, baseada no amor e na confiança, acham que podem dispensar a camisinha. Acredito que mais adolescentes e jovens usariam a camisinha se houvesse um espaço maior de reflexão e discussão sobre a questão. É claro que eles sabem que precisam usar. As campanhas estão aí, a informação chega por vários meios. Tem revistas, televisão, internet. Mas isso tudo exige uma constante renovação na discussão do problema. Chega uma hora que eles acham que estão protegidos, ou que têm dificuldade para negociar o uso do preservativo em algum relacionamento que mantêm.

As meninas têm vergonha de tirar a camisinha da bolsa e exigir que o parceiro use?

Embora isso seja menos comum, muitas ainda têm medo de que os pais descubram a camisinha na bolsa. Muitas vezes, as mulheres não conseguem se impor na relação, sobretudo as mais jovens, que temem perder o companheiro se forem muito exigentes. Por isso acabam se expondo ao risco.

E as mulheres mais velhas e estabilizadas financeiramente?

A mulher na faixa dos 30, 40 anos se impõe um pouco mais. Já as mulheres com 50, 60 anos, com relações estáveis, usam muito menos a camisinha e se expõem mais aos riscos. Por isso acho que essa é uma faixa etária preocupante. Elas nunca adquiriram o hábito, ao contrário dos jovens, da geração Aids. Embora até falhem, os mais jovens usam com freqüência maior que os mais velhos. Vejo as mulheres muito mais ativas, conquistaram mais espaço na economia, mas não quer dizer que não falhem nessas horas também.

Camisinha deve ser distribuída na escola?

Sim, embora só isso não resolva o problema. Insisto que falta discussão, debate e o trabalho educativo, tudo junto. A escola e o posto de saúde devem se articular para facilitar o acesso, oferecer orientação sobre contracepção e até sobre o uso da camisinha e tudo o mais. Seria bom que a escola pública tivesse esse vínculo com a comunidade de saúde e discutisse em sala de aula o comportamento sexual. A mera distribuição da camisinha é insuficiente e pode dar margem a essa interpretação de que a escola está estimulando o sexo. Aliás, é bom que se diga que, ao fazer isso, não está.

Qual é o papel da escola na orientação sobre DSTs? Seria a “continuação” da casa?

Não, porque em muitas casas não se fala sobre o assunto. Seria, na verdade, o único lugar além das rodinhas de adolescentes. Mas quando os pais são abertos, discutem o tema em casa e orientam – que é papel deles – a escola pode ampliar a abordagem e a dimensão da reflexão e da informação. A família deve falar sobre suas crenças, valores. No trabalho educacional é preciso ir além, para que eles conheçam outros valores também, façam escolhas, comparações, entendam as diferenças. As políticas públicas deveriam estar mais voltadas para esse lado. Mas é claro que isso não dispensa campanhas para discutir doenças sexualmente transmissíveis, a importância de usar camisinha. Campanhas, aliás, que devem ser feitas com freqüência e não em algumas épocas, como no Carnaval, como se só tivéssemos problema nessa época embora esta seja o pico.

Precocidade sexual pressupõe descuido no uso da camisinha?

Sim, porque não há preparo para a vida sexual. Por isso é muito importante discutir a sexualidade desde a infância, na escola, com conversa, historinhas, bonecos e brincadeiras que preparem a meninada para entender o que significa essa responsabilidade na vida sexual já que começa cada vez mais cedo.

Que países são exemplos em educação sexual?

O Brasil é um dos mais avançados. Na Inglaterra houve uma cartilha dirigida a crianças que contava a história de um príncipe que gostava de outro príncipe, para abordar o aspecto homossexual. Isso provocou grande celeuma, mas não significa que o trabalho deles seja mais sistemático do que o nosso. Existem alguns pontos de avanço, mas são pontuais. Nos países nórdicos a discussão é mais aberta, porém os materiais educativos não têm afeto, desejo. Explicam como corpo funciona muito mais que as nossas aulas de ciências, mostram claramente como se coloca a camisinha, o esperma saindo. Mas falta mostrar o envolvimento, o desejo, o prazer. Nos outros países da América Latina é pior. Nos Estados Unidos há alguns trabalhos, mas não há modelos a serem seguidos.

No Brasil o que falta então é só o espaço para a reflexão?

Isso. A conversa entre iguais é fundamental, ainda mais quando tem um adulto preparado junto para formular questões, problematizar o tema, aprofundar a conversa. O professor não deve pregar o que é certo ou errado, mas abrir espaço para discussões sobre o envolvimento dessas escolhas. Eu escrevi um livro chamado “Sexo, prazeres e risco”. Pus esse título porque, quando se discute sexualidade, é preciso discutir o prazer e os riscos envolvidos. Geralmente a tendência é falar só dos problemas, das doenças, da gravidez. Mas e o prazer? E a descoberta? Essa coisa tão bonita da vida afetiva, sexual?

Isso ocorre por que sexo ainda é um tabu?

É um meio de vender coisas, inclusive comportamento, atitudes, serviços. Bem como o corpo e tudo que está associado: a figura da magreza, a barriga tanquinho… Mas se usa a sexualidade como meio para vender esses produtos e serviços, muito mais do que esclarecer coisas. E também para alcançar celebridade, fama, projeção, essas coisas todas.

A religião atrapalha a educação sexual?

Muitas vezes. Em algumas situações eu encontrei barreiras muito claras. Eu estava fazendo trabalho de capacitação para o pessoal da saúde em Jundiaí (SP, a 70 quilômetros da capital) e tinha um grupo de apoio mantido pela Igreja Católica. Eu não podia levar camisinha, mostrar como se coloca. Como é que você pode fazer um trabalho efetivo se não pode tratar do tema de um modo minimamente concreto? Dentro de todas as igrejas tem gente muito aberta que entende e que está antenada com o mundo, e que faz a negociação. Mas em geral é uma barreira muitas vezes intransponível.

Os pais ainda se negam a admitir que os filhos cresceram e não querem falar sobre sexo?

Pais de adolescentes têm clareza maior de que é preciso discutir o assunto; de pré-adolescentes, nem tanto. O que ainda é um grande tabu é falar de sexualidade na infância. E aquela história “com minha filha não vai ser assim”. Aí você tem que dizer que tem muita menina com 12 anos engravidando no Brasil e que não dá para esperar até os 14 anos ou 15 para começar a conversar sobre sexo. Pode ser tarde demais (para que elas entendam a responsabilidade da vida sexual). Há também pais que já querem pensar no futuro, pais de crianças que querem saber como será na adolescência. Tem todo tipo de gente, com a cabeça mais ou menos aberta. Uma vez um casal que me contou que a filha queria saber o que é gay e homossexual. Como era na época da parada (do orgulho) gay em São Paulo, resolveram levá-la. Tudo bem que visualiza, mas continuou faltando a explicação.

Os pais acham que vão estimular os filhos se falarem sobre sexo?

Acham. Mas isso não tem fundamento: o que está tão presente como a sexualidade não precisa de estímulo. A educação sexual faz com que a criança e o adolescente tenham mais cuidado nas suas escolhas, tendem a retardar o início da vida sexual. Se há trabalho com o grupo, há mais reflexão e conscientização. E essa pressão (por parte dos colegas sexualmente ativos) poderia ser mitigada. Quando há mais informação, há mais questionamento. O jovem menos informado pode pensar “se todo mundo faz, eu também posso fazer”. Mas o diálogo mostra que existem várias possibilidades e o adolescente vai pensar “não, eu quero na hora em que eu quiser, como eu quiser”. Aliás, as meninas têm muito esse discurso: “vou começar quando eu encontrar a pessoa certa”. Hoje, com a história do ficar, tudo ficou mais aberto e livre. Mas tudo tem limite. E aí entra a importância do trabalho educativo, de mostrar também que o vínculo é que traz uma coisa mais profunda. Se há busca do amor, não adianta dizer “hoje eu beijei 11”. Aí a quantidade não vai levar a nada. Será preciso aprender a conviver de uma forma mais profunda, o que implica em compromisso, aquele papo que adolescente não quer. Mas a educação tem que mostrar que sem compromisso nada se faz.

Colaborou Cida de Oliveira

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