‘Há grupos que querem manter status satanizado da maconha’, diz pesquisador

Professor da Universidade de Brasília defende uso medicinal da maconha e argumenta que proibição do Estado a essa aplicação é autoritária

Os organizadores da Marcha da Maconha no Rio conseguiram um habeas corpus preventivo para garantir que ninguém seria preso durante a manifestação (Foto: Alessandro Buzas. Folhapress)

São Paulo – “A sociedade precisa ter acesso ao remédio que quiser. E o Estado não pode privar ninguém disso. As pessoas que acreditam que a maconha é um remédio já são consideradas criminosas por este mesmo Estado. Isso é inaceitável.” A posição é do neurocientista e professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB), Renato Malcher Lopes.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, o pesquisador explica os estudos que comprovam os efeitos medicinais da planta, seu uso histórico e o porquê da polêmica discussão que o uso e a legalização da planta causa na sociedade.

Nos próximos meses, 17 cidades participam de um movimento pedindo o fim da proibição do plantio e do consumo da planta. Os organizadores da Marcha da Maconha reivindicam a abertura de um debate público que discuta a lei antidrogas no que envolve a maconha. No sábado, no Rio de Janeiro, uma caminhada pela orla reuniu algumas centenas de pessoas que veem vantagens em regulamentar o mercado da substância.

Confira a entrevista com o pesquisador da UnB.

RBA – O que a planta pode trazer de benefício à sociedade se liberado seu uso?

Em minha opinião,  já há um crime cometido pelo Estado ao impedir que pessoas façam o uso do remédio que elas quiserem. Se as pessoas encontram na planta o alívio para o sofrimento e o Estado impede que ela tenha esse alívio, ele está sendo criminoso por impedir uma pessoa de cuidar do seu próprio bem estar. A gente não se dá conta de que ainda se tem essa mentalidade da época da Inquisição até hoje, que é essa suposição de que o Estado pode controlar o que as pessoas colocam dentro do seu corpo.

Além do dano causado por impedir o uso, tem a questão do constrangimento de ser acusado de um crime. É uma coisa absurda, que daqui alguns anos quando as pessoas olharem vão ficar  perplexas de ver como a gente chegou a esse ponto.

RBA – Já se sabe que o uso da planta é milenar. Por que essa discussão ainda causa polêmica na sociedade? 

Já há 5 mil anos que se tem informação do uso medicinal da maconha e só de menos de um século para cá é que, de fato, a maconha começou a criar polêmica, tudo isso por causa da proibição do uso.

Muito mais premente do que lidar com a questão de que se é ou não válido legalizar o uso recreacional, o que pode até reduzir a violência urbana, me interessa nesse momento chamar a atenção para as pessoas que estão sofrendo e que têm de se submeter a diversas condições em busca da planta.

RBA – Hoje em dia ainda é muito frequente o uso da planta para fim medicinal, mesmo sendo proibido?

Sempre foi. Inclusive muitas pessoas usam sem perceber que estão se automedicando, porque não se discute o fato de que estresse e depressão são condições tratáveis. E muita gente que usa a maconha regularmente, mesmo sem se dar conta, sente um alívio da depressão ou do estresse. O uso medicinal da maconha nunca foi esquecido, é histórico, não é uma discussão. A discussão existe só na esfera do moralismo, da propaganda.

RBA –  Como vê a distinção entre remédios de farmácia e a maconha? 

Quando um remédio que altera o estado de consciência vem de uma firma farmacêutica rica, ninguém questiona. Se você for nas prateleiras das farmácias, a quantidade de remédio que causa uma dependência que a maconha não causa é enorme. A própria morfina, que é um remédio usado para a dor, é como a heroína, pode levar à morte.

Uma vez descobriram em uma cidade do interior do Rio Grande do Norte que tinha maconha plantada em uma praça central. Perguntaram aos moradores e ninguém sabia que aquilo se tratava da maconha, para eles era apenas uma planta medicinal e que, tradicionalmente, sempre foi usada lá, quer dizer, aí precisa vir um estado estúpido colocar a sabedoria popular como um crime que não tem cabimento nenhum na filosofia ética.

RBA – Esses casos de estudos que foram feitos com a maconha para provar o uso benéfico são brasileiros? Como isso é levado em conta?

No Brasil não dá para fazer pesquisa porque você precisa ter uma fonte de planta para estudar. E nada disso pode ser pesquisado porque não existe uma agência que regule o produto para este fim.

Existe no Brasil um grupo de pessoas, principalmente vinculadas a instituições, que têm interesse em manter o status satanizado da maconha. Valorizando o lado minoritário da planta. Tem muita gente que quer manter tudo como esta e adota um discurso obscurantista de que a maconha é uma ameaça à família e ou à vida das pessoas. Uma coisa completamente sem lógica comparada com o álcool, que é muito mais danoso.

 

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