Contra privatização de hospital em SP, sindicato aciona Ministério Público

Servidores e usuários do Complexo Hospitalar do Juquery, em Franco da Rocha (SP), protestam contra o desmonte. População teme a piora do serviço

São Paulo – No começo da próxima semana, o Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde) vai denunciar o processo de desmonte e privatização do Complexo Hospitalar do Juquery ao Ministério Público de São Paulo e ao Conselho Estadual de Saúde.

Na manhã de quarta-feira (8), a entidade coordenou um ato público no centro de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, em protesto contra a ação promovida pela secretaria estadual de Saúde.

Participaram trabalhadores e usuários do complexo, além de sindicalistas e políticos. Na ocasião, começaram a ser colhidas assinaturas em defesa da manutenção, pelo estado, da oferta do serviço de saúde na cidade, além de melhorias e restauração do antigo conjunto arquitetônico. Até agora, já foram colhidas mais de 3 mil assinaturas.

Raquel Alves Massinelli, da direção regional do Sindsaúde em Franco da Rocha, explica que a população carente do município conta hoje apenas com um pronto socorro mal equipado, além de uma Unidade Básica de Saúde (UBS).

Segundo a atendente de enfermagem, que há 25 anos trabalha no Juquery, o atendimento com especialistas em ortopedia, dermatologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, traumatologia buco-maxilo-facial, reumatologia e urologia é feito no complexo que está prestes a ser desmontado.

“Há pouco mais de um ano, o serviço de ginecologia e obstetrícia deixou de ser oferecido, e as pacientes têm de ir para Caieiras (a oito quilômetros de distância)”, diz Raquel. “Já houve caso de mulher que deu à luz no trem, a caminho da maternidade.”

Mais recentemente, o complexo deixou de oferecer atendimento pediátrico. E a chamada praça da saúde, um pronto atendimento construído pela prefeitura – com clínico geral, pediatra e dentista –, ainda não  funciona plenamente por falta de profissionais, como médicos e enfermeiros.

Para complicar, segundo a dirigente, o estado construiu um prédio que abrigará um hospital regional referenciado, administrado pela organização social (OS) Santa Casa de Misericórdia. “É bom que haja um hospital novo e equipado, que atenda o município e também toda a região. O problema é que, para ser atendido ali, o usuário precisará de encaminhamento. E onde o morador de Franco da Rocha irá para obter a guia se não houver um pronto socorro na cidade?”, lamenta. Segundo Raquel, os cidadãos terão de recorrer a serviços já sobrecarregados de cidades vizinhas.

Lindair Ferreira da Silva sabe bem o que é isso. Em agosto passado, seu filho mais velho sofreu um acidente de moto e foi levado para um hospital na vizinha Francisco Morato. “Três dias depois de operado ficou largado num canto, sem receber remédio, nem cuidado. Não aguentou e assinou um termo de responsabilidade. Disse que ‘preferia morrer em casa do que lá’, onde era mal cuidado por  não ser da cidade”, diz.  Agora, ele deverá passar por consulta no complexo (do Juquery). “A gente tem que lutar pelo nosso direito”, completa.

Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual da Saúde não deu entrevista. Apenas divulgou uma nota na qual afirma que “o novo prédio abrigará um amplo centro de especialidades, onde serão feitas cirurgias e atendimentos de alta complexidade, como cardiologia ou politraumas. E o Hospital de Clínicas (onde atualmente funcionam os ambulatórios de especialidades) será transformado em hospital de referência”.

Sem sangue

Até as 18h30 desta quinta-feira (9), a secretaria não havia respondido se o hospital será aberto à população sem necessidade de guia de encaminhamento para a consulta ou se receberá pacientes encaminhados por outras unidades. Os enfermeiros qualificam esse tipo de serviço de “hospital sem sangue”.

Outra preocupação é a transferência dos 2.400 funcionários do complexo, já que apenas 250 permanecerão no hospital que será terceirizado e “quarteirizará” a mão de obra. “O medo de muitos é de que sejam transferidos para lugares distantes, como Casa Branca ou Santa Rita do Passa Quatro”, diz Raquel. “Sem contar o assédio moral aos que se recusarem a sair”. Segundo ela, do jeito que o Estado está privatizando a rede, não sobrará lugar para absorver os funcionários.

Ainda conforme a nota da secretaria, os servidores que atuam no Juquery e que “não quiserem continuar trabalhando na nova unidade serão remanejados para outras unidades do Estado e não haverá demissões, já que esses trabalhadores são concursados”.

Pouca gente na cidade sabe sobre as mudanças apontadas pelo Sindsaúde e que o governo estadual paulista desconversa. Os usuários, ao saberem da notícia, ficam indignados. É o caso de Michelle Santos de Santana. Ela conta que no final do ano passado, seu filho de 10 anos fraturou o braço e foi levado a um ambulatório de um convênio, onde sequer fez exames. Com o passar dos dias, a mão do menino ficou cada vez mais inchada e ele passou a sentir muita dor.

“Levei então no ortopedista do Juquery. Ele foi grosso, mas competente. Localizou a fratura e tratou com cuidado. Dia sim, dia não, queria ver o menino para acompanhar se estava melhorando. Se não fosse ele, o caso tinha complicado e precisaria cirurgia e colocação de pino”, conta Michelle, que tem inúmeras histórias sobre o atendimento do complexo hospitalar público de Franco da Rocha.

“Uma amiga, aos seis meses de gravidez, foi para lá porque estava com dores. A criança nasceu logo que ela chegou”, lembra. “O medo de que o bebê não sobrevivesse era grande. Mas os médicos de lá prometeram fazer de tudo e fizeram mesmo. Hoje a menina tem dois anos, é forte e perfeita.”

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