Governo vai indenizar vítimas da talidomida

Cinquenta anos após a comprovação de que a droga causa deformações congênitas e outros graves problemas, portadores brasileiros da síndrome finalmente serão indenizados. A droga ainda está no mercado

São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou na quarta (13), a lei 12.190, que concede indenização por dano moral às pessoas com deficiência física por causa da talidomida. O projeto de lei original, apresentado pelo senador Tião Viana (PT-Acre), sancionado sem vetos,  prevê o pagamento, ainda em 2010, de valores que variam entre R$ 50 mil e R$ 400 mil. O cálculo, feito pelo Instituto Nacional do Seguro Social, leva em conta a gravidade da deformidade e o grau da dependência imposta ao portador da síndrome causada pelo medicamento. A indenização está isenta do imposto de renda.

Para Claudia Marques Maximino, presidente da Associação Brasileira de Portadores da Síndrome da Talidomida (ABPST), as limitações, privações e sofrimento impostos às vítimas não têm preço. “Não há dinheiro que pague pelo que sofremos na infância, quando não podíamos freqüentar a escola devido à inacessibilidade; pelas brincadeiras que não brincamos por falta de pernas ou braços; ou pelas oportunidades que não tivemos mais tarde, como o acesso ao trabalho, aos relacionamentos e à constituição de nossas próprias famílias por causa do preconceito”, explica.

No entanto, segundo ela, a indenização – que é uma luta antiga da ABPST – é o reconhecimento, pelo poder público, da omissão que produziu tantas deficiências e também uma forma de compensar os gastos principalmente com a saúde, que aumentam com o passar do tempo. “A idade vai agravando as conseqüências da deficiência, o que requer mais medicamentos, terapias e cuidados”, diz Claudia.

A talidomida (ou amida nftálica do ácido glutâmico) é um medicamento desenvolvido em 1954,  na Alemanha, para uso como sedativo. Como se mostrou eficaz também contra náuseas comuns no início da gravidez, passou a ser largamente utilizado por gestantes nos 146 países a partir de 1957. Desde então, começaram a surgir milhares de casos de focomelia – uma síndrome caracterizada pela aproximação ou encurtamento dos membros junto ao tronco, tornando o portador semelhante a uma foca. Isso acontece porque a droga é capaz de atravessar a placenta e interferir na formação do feto, podendo causar ainda graves defeitos visuais, auditivos, na coluna vertebral e, em casos mais raros, do tubo digestivo e problemas cardíacos.

O aparecimento das deformações congênitas, que coincidia com a entrada da droga no mercado, levantou suspeitas e levou a diversos estudos que comprovaram a relação. Os pesquisadores descobriram ainda que um único comprimido ingerido nos três primeiros meses de gestação é suficiente para causar a focomelia. Por isso, em 1961, a droga foi proibida. Todos os países a retiraram imediatamente das farmácias, menos o Brasil.

Por aqui, só foi proibida em 1965. No entanto, no mesmo ano, um médico israelense descobriu que a substância era eficaz  também para tratar os sintomas da hanseníase – e não a doença. “Na prática, nunca deixou de ser consumida indiscriminadamente. Por causa de desinformação, descontrole da distribuição, omissão do Estado, automedicação e o poder econômico dos laboratórios, gestantes portadoras de hanseníase tomaram talidomida e nasceu assim a segunda geração de vítimas”, explica a presidente da ABPST.

Posteriormente foram descobertas inúmeras utilizações para a droga, que inclui tratamento da aids, lúpus, tuberculose e alguns casos de câncer e outras doenças. Ainda não existem pesquisas sobre o tempo que o organismo necessita para eliminar totalmente a droga. Por isso, a mulher deverá esperar pelo menos um ano após o término do tratamento com talidomida para engravidar.

Enquanto em outros países os processos indenizatórios contra os governos e laboratórios começaram em 1961, no Brasil isso só aconteceu em 1976. A partir de então aconteceram manifestações que pressionaram o governo brasileiro a sancionar a Lei 7.070, de 20 de dezembro de 1982. Esta lei concede pensão alimentícia vitalícia, que varia 1 a 4 salários mínimos, de acordo com o grau de deformação. A pontuação considera a capacidade que o portador tem de se alimentar, cuidar da própria higiene, se locomover e trabalhar.

Segundo a presidente da ABPST, o Instituto Nacional do Seguro Social paga atualmente benefícios a 650 vítimas da talidomida. O número não bate com estimativas da Organização Mundial da Saúde, que estima em 1000 os brasileiros portadores. As últimas vítimas da Talidomida no Brasil nasceram em 2006. São cinco crianças no total, nascidas no Maranhão, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo.

Para se ter uma ideia do atraso do país quanto à assistência dos deficientes gerados pela própria omissão do Estado, só em 1994 é que foi publicada a primeira Portaria, de número 63, que proíbe o uso da Talidomida para mulheres em idade fértil. Dois anos depois houve a formação do grupo de trabalho para elaboração da primeira portaria de controle do registro, produção, fabricação, comercialização, prescrição e dispensação dos produtos à base da droga – que foi publicada em 1997. Em 2003, quando já completava 43 anos da descoberta dos efeitos causados pelo medicamento, é que o país sancionou a Lei nº 10.651, dispõe sobre o controle do uso da droga responsável pela maior tragédia na medicina em todos os tempos.

Para saber mais: www.talidomida.org.br e www.thalidomide.org (com informações em português)

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