Em algum momento agudo de crise você chegou a pensar em atitudes extremas em relação a sua própria vida?

Não, nunca pensei. A vida para mim é um valor fundamental. Por exemplo, quando você fica de cabeça para baixo num pau de arara, você… Eu comecei a fumar porque um companheiro meu de cadeia dizia “vou te mandar cigarro”, e eu era contra cigarro. Vivia treinando a condição.[MM3]  “Pô, isso não existe”, ele dizia. “Nós vamos morrer, fuma um cigarrinho.” Eu nunca pensei, nunca passou pela minha cabeça, nem na prisão, nem agora. Tem perplexidade. E decepção? Tem, porque somos humanos. Mas em qualquer circunstância eu vou lutar. Primeiro porque eu tenho uma vida realizada, tudo que me propus eu fiz com intensidade. Segundo, eu não me arrependo. Terceiro, não culpo ninguém. Quarto, estou com a minha cabeça em ordem.

E como você se sente quando é hostilizado, quando parte da opinião pública fica contra você?

Comigo especificamente só houve uma manifestação. Eu estava num restaurante e os garçons vieram me cumprimentar. Havia um casal incomodado, eu notei, e quando eu ia saindo o cara disse pra mim: “A casa está caindo, não é, deputado?”. E eu disse: “A minha ou a sua? Olha, não adianta esbravejar, eu não tenho medo. Eu já fui cinco anos preso por este país e não tenho riqueza”. Ele ficou meio assim, quando outro perguntou: “Eu posso ir aí, deputado?” Eu pensei que ia feder. E o outro chegou e disse: “Eu quero te dar um abraço pelo que vocês têm feito pelo país”.

Rioco – A gente percebe que as pessoas que têm alguma coisa contra ele nunca têm coragem de falar na frente, às vezes falam por trás, ouvimos que ficam murmurando, mas não têm coragem de falar para ele.

Genoino – Como eu tinha uma unanimidade, visibilidade pela minha atuação, isso foi também uma lição pra mim. O PT teve muita ilusão com a mídia. Achávamos que fazendo um governo meio ao centro a mídia e as elites iam nos engolir facilmente. Sem enfrentamento a gente não muda o país.

E como tem sido a rotina de vocês depois do julgamento? Quais os próximos passos?

Genoino – Eu estou lutando pelo menos pior, mas eu vivo bem, não tem cabeça pesada. A Miruna tem sido muito importante na minha vida. A Rioco tem muita força, a gente tem uma cumplicidade muito grande. Quando nos reencontramos na cadeia eu não sabia que ela estava presa, nos reencontramos através de espelho na sala de tortura, dava para você ver e não ser visto. Ficávamos com muita dúvida no que cada um podia estar dizendo. Então começamos a trocar cartas de amor e tal, resolvemos morar juntos. O meu filho Ronan dá muita força. Assim como a Mariana, que é não é da Rioco – e também administramos isso, porque não foi fácil. Ela mora em Brasília, é amiga da gente.

Como foi a sensação de ser apresentada a uma irmã aos 14 anos?

Miruna – Eu tinha acabado de passar no vestibular, que era uma coisa que eu queria muito, passar em uma universidade pública. Meus pais sempre financiaram uma educação privada, e eu achava que era minha obrigação passar. Quando veio essa situação foi muito difícil. Mas a Mariana é um ser humano que me emociona, é sensacional, e soube ter paciência para entrar na nossa vida.

Por que demorou tanto tempo para apresentar a Mariana?

Genoino – Eu tinha medo, eu estava esperando que ela crescesse, que eles crescessem. Mas desde quando nasceu foi minha filha, com todos os direitos, prerrogativas legais. Nunca escondi que era pai dela para ela.

Rioco – Por isso que eu acho que a vida ensina muito, e o que você acha que pode ser uma tragédia se transforma em uma coisa muito boa, se a gente souber lidar. Durante dois anos a situação foi dramática. Tem o fato de nós quatro não termos fugido do problema. E tem o mérito dela mesma, que conquistou cada um de nós. Foi um ganho, meus filhos ganharam uma irmã, eu ganhei uma enteada, meus netos ganharam uma tia maravilhosa.

O que a inspirou na carta que escreveu após a condenação?

Miruna – Escrever é uma forma de lidar com meus problemas interiores. Enquanto ele ditava a carta dele de pedido de demissão do Ministério da Defesa, ele respondia à minha carta, minha mãe percebeu. Eu não fiz pensando na reação que causou. Fiz para os amigos, minha família. O ápice foi a leitura do Suplicy, na tribuna do Senado, que me deixou emocionada. Enfim, ganhou espaço, mas não foi escrita com esse fim. Quando meu pai estava no auge, era muito bom falar que era nosso amigo. Agora é preciso ser muito corajoso, e nem todo mundo foi. Para mim o que importa é ter sido uma coisa boa para ele.

E foi?

Genoino – Foi! Foi muito forte. Miruna e eu temos uma relação telepática. O que acontece com ela reflete em mim. Às vezes acontecia alguma coisa com ela na Espanha – ela morou quatro anos lá –, e me vinha algum sinal. Para mim foi muito importante ela fazer a carta, teve mais repercussão que a minha. A gente se alimenta dessa substância.

Miruna – Para o meu irmão e para mim sempre foi diferente (da Mariana, que vive em Brasília). A gente sofreu muito. E tinha de me resignar com a ausência, porque era a causa dele. Quando eu ia sair da escola onde hoje dou aula, a Escola da Vila, foi muito difícil, acabou, não teria mais. Então foi uma formatura cheia de significados, e ele não veio.

Genoino – Eu estava fazendo a obstrução de uma votação na Câmara dos Deputados. Fiz a obstrução e disse que ia embora pra formatura da minha filha. E me disseram: “Se você sai eles convocam sessão extraordinária e passam o rodo”.

Miruna – Viagem de fim ano? Na última hora ele dizia “não vai dar pra ir porque tenho de ir ao programa x”. Então tem isso também: o quanto ele se dedicou a uma causa e o quanto sacrificou a ele e a nossa vida para atender imprensa.

Rioco – E nós vimos muito mais sangue do que poesia na relação com a imprensa.

Genoino – E eu aprendi que você não pode ter ressentimento, nem raiva, nem ódio. Mas ficou outra lição: a mão que bate esquece, a cara que apanha não.

Rioco – O que a gente passou com o Pânico e o CQC foi muito, muito difícil, eu não desejo aquilo pra ninguém. O que a gente passou aqui nessa rua foi de uma crueldade, de uma barbaridade.

Com foi o momento em que vocês souberam da pena, 6 anos e 11 meses?

Rioco – O momento de maior impacto foi o da condenação. Não vou dizer que ficamos tranquilos com o anúncio da pena, ficamos indignados, chocados, mas não mais do que quando ele recebeu a condenação. Quando vi que o Genoino estava tranquilo, também fiquei. A gente se mantém assim porque estamos muito juntos, e o que vai acontecer daqui pra frente a gente não sabe. Cedo ou tarde a verdade vai aparecer. Aprendi na vida que a gente sempre precisa ter muita paciência e acreditar na verdade interior que nos sustenta.

Miruna – Mas eu fiquei pior com a dosimetria do que quando ele foi condenado. Uma das piores coisas foi a surpresa. Eu estava subindo a escada no meu prédio, que estava sem energia naquele dia, e meu pai me telefonou e perguntou: “Você já viu o que aconteceu hoje?” Eu não quero falar do STF, mas existem pessoas por trás das decisões, precisa ter respeito, para que as pessoas se preparem (a aplicação da pena pelo relator Joaquim Barbosa foi antecipada em uma semana sem aviso prévio e sem a presença da defesa). No dia em que houve a condenação, pelo andar da carruagem, a gente estava preparada. Tinha um esquema montado pra eu estar com meus filhos pequenos, que a gente tenta preservar. E no dia da dosimetria não tinha. Recebi a notícia sozinha com meus dois filhos e entrei em choque. Tirou-me do eixo, foi de uma crueldade enorme.

E daqui pra frente?

Miruna – Do lado dele, sempre. Meus filhos, de 4 e 5 anos, o idolatram. Por incrível que pareça a gente conseguiu protegê-los dessa situação. Teve um dia muito emblemático. A gente nem estava falando nesse assunto e, do nada, meu filho pergunta: “Vovô, por que estão querendo te matar?” Eu tive até de sair da sala, meu marido que segurou a onda. “Não estão querendo me matar”, explicou meu pai. “É que estão dizendo que eu fiz uma coisa que eu não fiz.” E o menino continuou. “Por que você não mata eles também?” E meu pai: “Não. Eu vou conversar”.

Colaborou Talita Galli, da TVT
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