O futuro é verde

Os trabalhadores e os movimentos sociais convenceram o planeta de que a agenda sustentável passa pela erradicação da pobreza e da fome. Falta agora convencer os ricos.

Povos em ação Marcha realizada pelos movimentos sociais durante a Rio+20 (Foto:Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

E hora de ação. O calendário está definido, os jogadores são velhos conhecidos e tem-se total consciência dos limites do campo, já bastante castigado, cheio de buracos, mas ainda bom para uso. Avançar em definitivo rumo a um modelo de desenvolvimento que respeite o ambiente e, sobretudo, a vida humana é, daqui em diante, questão de vontade. E se essa vontade faltou em muitos momentos até aqui, alguns fatores levam a crer que empurrar com a barriga não é mais uma solução viável.

Em primeiro lugar, os efeitos da mudança climática estão aí: secas e inundações mais severas, degelo de glaciares que provoca falta de água para consumo e para irrigação, mais gente passando fome ou morrendo por temperaturas extremas. Além disso, nunca houve tanta consciência da necessidade de mudanças e tantos insatisfeitos com os rumos da prosa, dispostos a pressionar governos e, se necessário, ajudá-los a entender o problema, por bem ou por mal. “Temos falta de liderança, o que é preocupante. A democracia precisa entregar o que promete. Se não nos derem ouvidos, vamos tirá-los das cadeiras”, disse a ex-presidenta da Irlanda Mary Robinson.

A sensação de que o planeta e seus recursos naturais não vão bem não é exclusividade daqueles que nasceram no século 21. Quem, na década de 1970, ouviu falar sobre a Conferência de Estocolmo, a primeira das Nações Unidas sobre o desenvolvimento, lembra-se dos primeiros indícios de que o planeta ia mal das pernas: chuva ácida e inversão térmica ilustravam alguns dos assuntos discutidos e, por alguns, recebidos com surpresa.

Passados 20 anos, o Rio de Janeiro foi palco de outro debate a respeito das condições ambientais encontradas no início da década de 1990. O ano era 1992 e ali ouvia-se como nunca a expressão “desenvolvimento sustentável”, enfatizando que os países desenvolvidos eram os responsáveis por mudar os rumos. À época, o sistema capitalista se fortalecia e as políticas neoliberais transferiam a seus cidadãos outras perspectivas de relações políticas e econômicas. “Em 1992 se discutia o Estado mínimo. Se discutia a agenda social como uma agenda de custo”, recordou a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.

Apesar da crescente conscientização, ficava um vácuo na busca pelo equilíbrio entre ambiente, sociedade e desenvolvimento econômico. Entre muitos compromissos, metas foram traçadas, resultando em um conjunto de itens delineados pela ONU que, obrigatoriamente, os países deveriam seguir: os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). São oito, da redução da pobreza à universalização do acesso à educação, da redução da mortalidade infantil e materna ao estabelecimento de uma parceria mundial em prol do desenvolvimento. O documento, assinado em 2000 por cerca de 190 chefes de Estado e de governo, traz metas a serem alcançadas até 2015, com base nos dados de 1990 de cada país. ­

Em âmbito mundial, os avanços obtidos nos primeiros anos foram postos a perder pela crise econômica iniciada em 2008, e calcula-se que uma das metas mais ambiciosas, a redução da pobreza, chegará a 2015 piorada. Ao mesmo tempo, a agenda criada pelos ODM levou várias nações a buscar soluções criativas na tentativa de cumprir seu papel no mundo.

Em 2012, à medida que velhos problemas ganharam nova face, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no mesmo palco, de novo no Rio de Janeiro, concentrou a expectativa de que se somassem limites ambientais e sociais. A principal resolução do encontro de 193 países foi o lançamento de um processo para a definição de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Trata-se de um conjunto de metas que tem como horizonte ampliar os ODM a partir de 2015, incorporando critérios socioambientais. 

“Precisamos chegar às escolas. Essa tem de ser a geração do desenvolvimento sustentável. Não há escolha. Ou vocês podem ser a última geração”, disse Jeffrey Sachs, conselheiro especial do secretário-geral da ONU para os ODM, durante palestra a jovens no Riocentro, onde se concentrou boa parte dos compromissos da Rio+20. “Os desafios da mudança climática requerem imaginação, um novo jeito de fazer as coisas que não podemos, infelizmente, esperar de diplomatas aqui e daqui por diante.” Os ODS serão debatidos ao longo dos próximos dois anos, definidos em 2014 e implementados a partir de 2015. Se, em termos globais, estão longe de ser atingidos, os ODM valeram para que alguns países buscassem iniciativas voltadas à erradicação de problemas sociais, como a pobreza e a desigualdade.

O movimento Rio de Paz, filiado ao Departamento de Informação Pública da ONU, realiza o evento Favela na Praia, durante a Rio+20: combate à desigualdade, à fome e à miséria (Foto:Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)Sem maquiagem

Se não foi o texto dos sonhos da sociedade civil e de acadêmicos, o documento O Futuro Que Queremos afastou alguns fantasmas que rondaram os meses prévios à conferência. A primeira questão, básica porém importante, é a reafirmação de tudo aquilo que havia sido aprovado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92. Isso significa que houve, não sem relutância, o reconhecimento de que todos os países partilham de responsabilidades comuns, mas diferenciadas de acordo com o tamanho da economia – ou seja, quem tem mais deve assumir um papel mais forte na transição a um novo sistema.

O segundo ponto é a economia verde. A confusão em torno do conceito de um modelo econômico que tenha respeito às questões sociais e ambientais como um fator premente foi tamanha que se expressou no texto final, que não indica de que se trata, afinal, a economia verde. Havia certo receio de países em desenvolvimento de que as nações mais ricas tentassem se valer desse aspecto para impor barreiras comerciais a produtos fabricados sem pleno respeito a determinadas condições – como têm menor acesso a tecnologia e inovação, os mais pobres se veriam praticamente impedidos de comerciar com o exterior caso a iniciativa fosse levada adiante.

No fim, o documento teve jeitinho de Brasil, no bom sentido. Logo no segundo parágrafo se afirma a erradicação da pobreza como conceito fundamental para alcançar o desenvolvimento sustentável. Nos demais 282 parágrafos o tom social predomina, de certo modo indicando ao mundo que não há sustentabilidade possível enquanto pessoas passam fome e não têm acesso a água, educação, saúde, emprego e outros elementos básicos para uma vida decente.
“Políticas de ajuste atingem a parte mais frágil da sociedade: os trabalhadores, as mulheres, as crianças, o imigrante, o aposentado, o desempregado, sobretudo quando se trata de jovens. São modelos de desenvolvimento que esgotaram sua capacidade de responder aos desafios contemporâneos”, disse na abertura do encontro a presidenta Dilma Rousseff, lamentando que a crise que assola especialmente a Europa leve a uma posição egoísta, na qual prevalecem interesses nacionais de curto prazo em detrimento dos interesses globais, que, no papel, são de toda a humanidade.

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foram as ausências sentidas do encontro. Obama, ocupado na campanha pela reeleição, foi representado pela secretária de Estado, Hillary Clinton, que passou seis horas no Rio de Janeiro. Merkel comandou, no dia anterior à conferência no Rio, uma reunião que concordou em elevar a € 750 bilhões o caixa disponível para ajudar nações europeias em dificuldades. 
Nem Estados Unidos, nem Alemanha concordaram em firmar já na capital fluminense um acordo para criar um fundo de desenvolvimento sustentável que consumiria US$ 30 bilhões ao ano, menos do que qualquer um dos dois produz em um dia. “Aplaudo em especial os países em desenvolvimento que assumiram compromissos concretos com o desenvolvimento sustentável, compromisso esse firmado mesmo na ausência da necessária contrapartida de financiamento prometida pelos países desenvolvidos”, voltou a cutucar Dilma no encerramento.

Antes dela, o negociador-chefe do Brasil para a Rio+20, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, havia sido um pouco mais direto frente à insistência da União Europeia em criticar o resultado do encontro. “Não se pode exigir ambição de ação se não existe ambição de financiamento. Quem exige ambição de ação e não põe dinheiro sobre a mesa está sendo, pelo menos, incoerente”, disse. “A crise que se abate com força sobre países do Norte provocou uma retração em áreas importantes, que têm a ver com solidariedade, com cooperação internacional. Por conta disso, o nível de financiamento foi seguramente afetado.” 

______________________________________________

Achim Steiner (Foto:Maria Elisa Franco/UN Photo)O meio ambiente para a ONU

Grande expectativa que poderia representar uma notável conquista da Rio+20 não foi contemplada. Especulou-se que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que atual­mente conta com 97% de seu orçamento vindo de contribuições voluntárias, fosse transformado à condição de agência da ONU, o que representaria um peso maior em suas decisões, além de contar com orçamento fixo da organização.

Ao final da conferência, o Pnuma foi mantido nos moldes que já se encontrava. No entanto, seu diretor-executivo, Achim Steiner, não lamentou o tratamento – ou a falta dele – à entidade e considerou “ricos” os avanços. “Comprometeram-se também em aumentar o orçamento do Pnuma, atualmente minúsculo se comparado a outras agências das Nações Unidas”, disse. Steiner enfatizou que a conversa não está finalizada, assim como nada do que saiu da Rio+20. “As discussões para o fortalecimento do Pnuma ainda não acabaram. O que queremos é dar aos ministros do meio ambiente melhores condições para discutir os desafios que estamos vivendo. O que está sendo discutido é a governança ambiental, embora as pessoas quisessem que tudo isso fosse além”, sublinhou.

O futuro do programa não está fechado. A ONU transferiu para sua assembleia geral, marcada para o mês desetembro, novas discussões sobre o Pnuma. 

 
______________________________________
 

“Nem do Estado, nem da Igreja. Meu corpo é meu” (Foto:Marcello Casal Jr./Agência Brasil)Discriminação é insustentável

Nas 49 páginas do documento final da conferência, a palavra “gênero” foi citada 26 vezes, incluindo um item especial para tratar do assunto. A importância das discussões a respeito do papel que a mulher exerce na sociedade atualmente lançou luz sobre o indispensável tratamento dado ao tema na conferência. A infelicidade, porém, foi que a polêmica sobre os direitos da mulher não foi secundária.

O potencial das mulheres para o desenvolvimento sustentável, seu poder de liderança e a importância em destruir, em definitivo, as barreiras que impedem o pé de igualdade entre homens e mulheres tiveram destaque nos debates. A presidenta Dilma Rousseff defendeu o papel da mulher como centralizador e incentivador de uma economia mais verde. “As mulheres são guardiãs dos conhecimentos tradicionais, mas também são capazes de aplicar práticas sustentáveis”, considerou.

No entanto, um dia antes do início da Rio+20, ainda durante a costura do documento a ser negociado, a expressão “direitos reprodutivos” foi retirada do texto após pressão de países com forte tradição religiosa. Apesar do esforço do governo brasileiro em mantê-la, a expressão nem sequer foi debatida. Dilma, que já enfrentou percalços por manter posição liberal sobre direitos reprodutivos femininos, principalmente durante o período eleitoral de 2010, não comprou a briga.

Na conferência, a presidenta preferiu manter a diplomacia, fazendo breve citação acerca do assunto: “Aqui, a palavra-chave para todos é acesso, sobretudo das mulheres. No Brasil, estamos investindo para superar dificuldades e precariedades no acesso aos serviços públicos de saúde, com pleno exercício dos direito sexuais e reprodutivos, inclusive o planejamento familiar, a gestação, o parto e o puerpério, com assistência de qualidade”, disse.

O documento final da Rio+20 mostrou o tom ameno: “Nos comprometemos a promover a igualdade do acesso das mulheres à educação, aos serviços básicos, às oportunidades econômicas e aos serviços de saúde, incluída a atenção à saúde sexual e reprodutiva das mulheres”.

Colaborarou Maurício Thuwhol

Riqueza x desenvolvimento