Rebeldes com causas

Vovôs e netos, ombro a ombro, contra o capitalismo

Porcos bilionários: americanos marcham rumo a Wall Street (foto: © Andrew Burton/Reuters)

De repente eles estão em todo lugar: os jovens “retornaram” à cena política. Estão no Chile, nos Estados Unidos, nas capitais europeias e da Liga Árabe, além de outras cidades. Estavam também em protestos em Tel Aviv e no Japão.

De repente, “jovem” voltou a ser um “rótulo” midiático, uma grife política, a marca de um momento. Como se diz em alemão, a palavra “jovem” vai fazer parte do Zeitgeist, do “espírito do tempo” deste começo do século 21, como já fez de outros momentos.

Sua participação foi uma das marcas da eleição de um presidente negro nos Estados Unidos, coisa até então inédita. A maioria das revoltas nos países da Liga Árabe, a começar pelas da Tunísia e do Egito, teve nos jovens seu começo e seu esteio. Em Berlim, foram os responsáveis pela surpreendente eleição dos também jovens do Partido Pirata (PP) para o Parlamento da cidade-estado, capital da Alemanha. Segundo as pesquisas, além de roubarem votos de jovens de todos os partidos do espectro político alemão, inclusive os conservadores, os piratas trouxeram para as urnas 21 mil que nunca tinham votado, embora já pudessem fazê-lo.

No Chile, até hoje menina dos olhos do saudosismo neoliberal, os jovens defendem a educação pública. Em Atenas e em Londres lutam contra os cortes nos investimentos sociais. Em Madri, por empregos. O mesmo aconteceu na Praça Tahrir, no Cairo, e em Roma, Paris, Lisboa e tantas outras cidades.

Além de Berlim, com o PP, o “voto jovem” deixou marcas em vários outros momentos. Certamente foi um dos esteios da histórica reeleição de Cristina Kirchner na Argentina (leia mais na pág. 24). Foi um dos impulsionadores da expressiva votação obtida por Marina Silva no ano passado, que depois convergiu em sua maioria para Dilma Rousseff. Já antes, na Suécia, esse voto elegera, pela primeira vez na história, um candidato do Partido Pirata para o Parlamento Europeu.

Com o movimento Occupy Wall Street, essa “participação” jovem deu um salto de qualidade em matéria de politização. Adquiriu uma coloração anticapitalista, contra o sistema financeiro, para dizer o mínimo. Não adiantou a repressão sobre eles, como também não adiantaram as tentativas de desqualificação, que foram desde a ideia de chamá-los de “desocupados” (afinal, muitos eram mesmo desempregados…), “maconheiros”, “desordeiros”, até a maluca ideia de taxá-los de antissemitas (afinal, em Wall Street há muitos judeus, era a raiz do argumento).

O movimento cativou o mundo e por ele se espalhou, provocando a primeira manifestação do gênero neste século em escala mundial, no dia 15 de outubro passado, inclusive em cidades brasileiras, em que se nota o esforço de evitar a partidarização do movimento – ainda incipiente e menos numeroso que em outros países. E também a busca de um foco em bandeiras que os unifiquem, como a oposição ao poder do sistema financeiro, o investimento em educação pública e a ampliação da democracia participativa, já que a representativa não tem dado conta de assegurar poder às maiorias.

Hiato geracional

15 de outubro, em São Paulo: partidos também são questionados (foto: © Danilo Ramos)

Esse fenômeno, o ativismo global, recupera mas vai além das manifestações de Seattle e Gênova, uma década atrás, que coincidiram com a criação do Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Occupy Wall Street trouxe relevo a uma questão já presente em várias outras ocasiões.

Lá na Praça Zuccoti (rebatizada Praça Liberdade) se acotovelavam ombro a ombro netos e vovôs históricos. Os jovens de 2011 lado a lado com os veteranos jovens de 1968. Não poucos declararam que não iam a algo assim desde as manifestações contra a Guerra do Vietnã. É claro que havia pessoas de todas as idades e todos os quadrantes ideológicos (exceto, certamente, do Tea Party). Mas, ao olhar os grupos ali, fica claro que, predominantemente, há um hiato geracional. A geração que amadureceu ao mesmo tempo em que o Muro de Berlim e os regimes comunistas caíram se faz menos presente.

Talvez se possa dizer, provocativamente, que é uma geração entre Margaret Thatcher e Tony Blair, Ronald Reagan e Bill Clinton, João Paulo II e Mikhail Gorbachev. Não marcada por João XXIII e a Teologia da Libertação, os Beatles e Bob Dylan, ou, mais recentemente, pelo Fórum Social Mundial e pelos protestos contra as reuniões do G-8. Aliás, em Rostock, na Alemanha, lugar de concentração anti-G-8 em 2007, tive o primeiro link para esse encontro de gerações distintas, saltando sobre a geração intermediária. Também lá me chamou a atenção o número de muito jovens e de veteranos sessentões. Entrevistei dois deles, avô e neto espanhóis, que lá estavam e iam juntos a essas manifestações (tinham estado no FSM, em Porto Alegre), enquanto os pais de um e filhos do outro ficavam placidamente (tempos atrás se usava uma  palavra menos educada) em casa.

Tradicionalmente há uma tendência a atribuir hoje esse impulso jovem ao uso da moderna tecnologia de comunicação: celulares, internet, iPads, iPods, Blackberries, tablets, essas coisas. É claro, são elementos inseparáveis das manifestações atuais, assim como o mimeógrafo (grande inovação!) o foi das de 1968. Sabe-se, por exemplo, que em 2002 o golpe contra Hugo Chávez em Caracas foi sustado graças à gigantesca massa popular em frente ao Palácio Miraflores, chamada por celulares, uma vez que a velha mídia era favorável ao golpe e nada noticiava contra ele. Ferramentas de comunicação sempre foram importantes: em 1954 as grandes manifestações contra os partidos de direita depois do suicídio de Vargas aconteceram devido à repetida leitura de sua carta-testamento no rádio. Em 1961 a Rede da Legalidade, pelo rádio, foi fundamental para sustar o golpe contra a posse de João Goulart.

Mas não se deve cair na falácia de tudo atribuir à magia comunicativa, tampouco a mecanismos sociais e econômicos que funcionariam com a certeza de um relógio suíço. Afinal, a vida e a história não são relógios suíços. Existem causas sociais determinadas (o alto desemprego internacional de jovens é uma), assim como econômicas (os cortes de investimentos públicos é outra, a diminuição do poder aquisitivo), e existe uma intensa e cada vez maior formação de redes comunicativas incontroláveis em todos os níveis.

Mas o traço comum a toda essa série de manifestações mundo afora é o desejo de recuperar o futuro enquanto futuro, por assim dizer, não enquanto estagnação do presente ou repetição do passado. Recuperar as chaves do próprio destino, e dos próprios sonhos. Nesse sentido, o sonho de uma comunicação cada vez mais livre, sem limites, pode ajudar a neutralizar o pesadelo do universo repressivo de boa parte da mídia, que se concentra em dizer: você não precisa sonhar, nós sonhamos por você, basta comprar o nosso produto.

Esse desejo está presente em todas as camadas, segmentos ou grupos sociais. Mas, por sua própria natureza, traz embutido o chamado aos jovens – sejam os de agora, sejam os de 1968.