Vida e trabalho

Assédio moral: tortura em evidência

Livro reforça importância de ações contra a humilhação do assédio moral

Tema tabu na sociedade e geralmente associado a problemas pessoais, o suicídio foi alvo de estudos que delinearam outra causa importante, decorrente de condições do ambiente de trabalho. O livro Do Assédio Moral à Morte de Si – Significados Sociais do Suicídio no Trabalho resultou da análise de situações relacionadas às agruras do trabalhador que culminaram nesse ato extremo ou em tentativas. Os organizadores são Margarida Barreto, médica do Trabalho e pesquisadora do Núcleo de Estudos Psicossociais de Exclusão e Inclusão Social (Nexin PUC-SP), Lourival Batista Pereira, coordenador da Secretaria de Saúde e Meio Ambiente do Sindicato dos Químicos de São Paulo, e o psicólogo Nilson Berenchtein Netto, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP.

A obra, que reúne ainda outros 11 autores de diferentes nacionalidades e formações, originalmente trataria do suicídio em sua essência, mas passou a tomar outra forma depois que o sindicato preparou uma cartilha sobre o tema. Os autores identificaram ali a necessidade de ampliar a discussão. O suicídio ocasionado por relações de trabalho, para Berenchtein, é a quebra do silêncio imposto pelo setor patronal. “Percebemos que era importante incluir questões ligadas ao assédio moral e à violência em um âmbito geral e, mais especificamente, no trabalho”, diz.

Abrir o debate

Um dos capítulos faz um resgate histórico da questão. A violência é analisada nas relações sociais em geral, associada à hierárquica entre patrões e subordinados. “Não dá para pensar em um capitalismo sem violência, ela é inerente a esse modo de produção. A exploração do homem pelo homem não está apartada dela”, ressalta Berenchtein. O pesquisador observa que a exposição forçada da pessoa a um ambiente nocivo potencializa pensamentos suicidas: “O cara vai para casa exausto fisicamente e também entristecido, e muitas vezes com raiva e impotência frente à violência que vem sofrendo”.

Para Margarida Barreto, as formas como as relações de trabalho se organizaram nos últimos anos não eliminaram um caráter opressor. E, sobrecarregadas, as pessoas chegam a perder sensações positivas fundamentais à vida delas, o que pode levar a atos suicidas classificados como “assassinato corporativo”, pois não foi cometido individualmente, e sim resultado da condição indigna vivida dentro da empresa. “Normalmente, os casos parecem relacionados a questões de família, a grandes perdas e mesmo à depressão. Mas qual é a causa dessa depressão no ambiente de trabalho? Quando comparamos nas estatísticas da Previdência Social o número de doenças com status de acidente do trabalho ao número de mortes, identificamos uma situação grave”, alerta.

A importância da publicação é manter o tema em alta nas discussões sobre saúde e condições de trabalho e nas negociações coletivas entre patrões e trabalhadores. “Para nós foi muito impactante constatar que o trabalho nos últimos anos esteja sendo tão duro, exigindo tanto, e que as pessoas estejam tão sobrecarregadas a ponto de, além dar o sangue e o suor, dar a vida em determinados casos”, afirma Margarida, para quem um dos passos principais para a compreensão do trabalhador e prevenção desses casos é o diálogo.

Pensamento suicida

“Falta um pouco de amor, de respeito e de fraternidade”, diz a médica. E não apenas no ambiente propriamente de produção laboral, mas até dentro dos espaços sindicais, das ONGs, entre outros relacionados ao mundo do trabalho. “Falta também o indivíduo ver o outro como um igual em direitos.”

Para Berenchtein, as empresas ainda não adotam políticas de prevenção eficientes, mesmo com os diversos alertas emitidos e estatísticas crescentes de casos de suicídio em local de trabalho ou ocasionados por ele.

“Algumas companhias já os têm, e a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu uma cartilha sobre o assunto. O problema é que a cartilha é para orientar os patrões a impedir o ato suicida no local de trabalho. A gente procura discutir e criar formas de o trabalhador se sentir apoiado e seguro em seu emprego”, ressalta.

De acordo com pesquisa realizada pelos autores com 400 associados (316 mulheres e 84 homens) do Sindicato dos Trabalhadores Químicos e Plásticos de São Paulo em 2010, cerca de 71% dos entrevistados declararam já não sentir prazer no exercício do trabalho como antes e 27% disseram ter ideias suicidas relacionadas ao trabalho. Ou seja, a constatação do estudo, de que quase três em cada dez trabalhadores­ já pensaram em dar fim à vida motivados por condições a que são submetidos, é um grande alerta sobre os riscos do pensamento suicida.

Melhores condições

A luta por um ambiente de trabalho mais sadio deve partir do engajamento sindical, segundo Berenchtein. “Na minha opinião, os sindicatos são um dos principais agentes nessa questão da prevenção do suicídio. O patrão tem de fazer o que lhe cabe, a responsabilidade dele dentro da empresa. O que estou querendo dizer é que os trabalhadores não podem largar sua vida na mão dos patrões. A atuação sindical é essencial para a discussão da saúde no trabalho.”

Lourival Batista, da Secretaria de Saúde do Sindicato dos Químicos, considera que, apesar da incidência de tentativas de suicídio e mesmo dessa tendência apontada na pesquisa, igualmente alarmante, os empregadores ainda escondem o problema da sociedade. “A decisão de publicar o livro vem da expectativa de que trabalhadores, e especialistas em RH, comecem a conhecer mais a fundo o problema, a questionar e a reivindicar melhores condições.”


Do Assédio Moral à Morte de Si – Significados Sociais do Suicídio no Trabalho (304 páginas, R$ 10). Organizadores: Margarida Barreto, Nilson Berenchtein Netto e Lourival Batista Pereira. Edição: Sindicato dos Químicos de São Paulo. Pedidos: (11) 3209-3811, ramal 216


Lourival espera que as discussões ocupem o chão de fábrica, as reuniões de centro acadêmico e, também, o meio sindical. “Hoje é notório que esse modelo de desenvolvimento, em que as empresas priorizam o ritmo de produção em detrimento de seu impacto para o trabalhador, está ultrapassado. É preciso modificá-lo. E o trabalho decente passa por aí.”

A abordagem do tema pelo movimento sindical já surte alguns efeitos no setor financeiro. A necessidade de identificar os impactos do assédio moral no trabalho vem ocupando muito espaço nas negociações da convenção coletiva nacional da categoria nos últimos anos. No ano passado, foi finalmente estabelecido um programa de combate ao assédio, ao qual aderiram nove dos maiores bancos do país, por meio de acordo assinado em fevereiro.

Pelo acordo, profissionais que se sentirem vítimas dessa prática em seu local de trabalho devem comunicar, sob garantia de sigilo, ao sindicato dos bancários de sua base. O de São Paulo, por exemplo, já recebeu cerca de 160 denúncias. Todas são encaminhadas aos bancos, que têm até 60 dias para apurar e responder que medidas adotaram. O programa prevê ainda divulgação – a cada seis meses – de números e informações que, numa etapa seguinte, subsidiarão a formulação de políticas mais objetivas de combate ao assédio moral.