Quem tem medo de injeção?

Defendidas no Brasil até por homeopatas, no exterior as vacinas, tidas como causadoras de reações muito adversas, chegam a ser combatidas. O assunto é polêmico e pouco discutido

Enquanto a estratégia de vacinação contra a gripe H1N1 era traçada no país, circulavam na internet mensagens de alerta sobre perigos atribuídos à vacina: autismo, câncer, paralisia, choque anafilático, distúrbios no sistema imunológico e morte. A repercussão foi tal que o Ministério da Saúde chegou a rebatê-las, assegurando a eficácia e a segurança da vacinação. O alarme era feito num momento em que o movimento anti-vacina sofria um duro golpe. No início do ano, o gastroenterologista britânico Andrew Wakefield teve sua licença médica cassada no Reino Unido e sua pesquisa, que responsabilizou a vacina tríplice pelo autismo nas 12 crianças estudadas, foi invalidada. O jornal especializado The Lancet, que havia publicado a pesquisa de Wakefield em 1998, se retratou.

O trabalho era uma das referências para pais de autistas que creem que o transtorno do desenvolvimento cerebral é desencadeado por um componente da vacina, o timerosal. Após críticas de cientistas, o conselho de medicina do Reino Unido iniciou uma investigação que durou três anos e acusou o pesquisador de irresponsável e antiético.

O episódio não enfraqueceu as manifestações em apoio a Wakefield em sites e blogs. Para Boyd Haley, pesquisador do Departamento de Química da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, a desconfiança de que a vacina pode causar autismo só vai ter fim quando o governo americano bancar um estudo independente que compare crianças autistas americanas vacinadas e que não receberam imunizantes. “Foram gastos milhões de dólares em pesquisas genéticas e nenhum gene associado ao distúrbio foi encontrado. Resta encontrar a causa, que pode ser a exposição tóxica”, afirma.

A falta de respostas move pesquisadores. A biomédica Mariel Mendes, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Associação em Defesa do Autista, de Niterói (RJ), diz que não há estudos suficientes. “A pessoa só desenvolveria o transtorno pela exposição tóxica se fosse geneticamente predisposta”, argumenta. Junto a uma equipe multidisciplinar da UFF, ela está prestes a começar pesquisa sobre as causas do distúrbio.

Diretor-técnico da Casa da Esperança, que atende a autistas carentes no Pará e no Ceará por meio de convênio com o SUS, o psicólogo Alexandre Costa e Silva diz que vincular o autismo à vacina é tentar simplificar um transtorno com diversas causas. Ele aponta os conflitos de interesse ocultados pelo que chama de pseudocientista. “Pai de autista, Wakefield formulou uma vacina para concorrer com a que seu estudo condenava. Além disso, era contratado por advogados de pais de autistas interessados em processar os laboratórios. Para sua pesquisa, submeteu as crianças a procedimentos dolorosos que em nada beneficiaram a saúde delas”, afirma.

Mãe de autista, a americana Lisa Jillani relata no livreto Investigar as Imunizações – Um Dever dos Pais que desde 1988, quando foi criado nos Estados Unidos um programa de indenização por danos causados por vacinas, houve registro de mais de 6.200 casos. O mais conhecido deles é de Hannah Poling. Em 2007, o governo americano admitiu que a vacinação pode ter causado o autismo na criança e, no ano seguinte, pagou a indenização pleiteada na Justiça para custear o tratamento médico. Para a família e para a Associação Americana de Autismo, a decisão governamental deu às pessoas motivos de sobra para serem mais cautelosas antes de vacinar seus filhos. O governo negou mais uma vez a suposta ligação.

Ainda segundo o texto de Jillani, há suspeitas de que a vacinação em massa seria responsável por problemas como síndrome da morte súbita infantil, danos cerebrais mínimos e graves, hiperatividade, diabete, epilepsia, síndrome da fadiga crônica, síndrome da Guerra do Golfo, câncer, aids e até pelo aumento da criminalidade na sociedade moderna. A autora recomenda aos leitores examinar os fatos apresentados pelos pesquisadores e saber das contra-indicações e possíveis reações antes de tirar conclusões.

Foi o que fez a publicitária Martha Oettinger, de Florianópolis. O estudo das plantas e dos princípios de diversas terapias influenciou suas escolhas. As filhas de seu marido, hoje com 11 e 14 anos, e sua filha Akira, de 18, não foram vacinadas contra as doenças infantis. As meninas receberam apenas uma dose da Sabin, contra poliomielite. “Akira teve catapora, sarampo e caxumba, com sintomas leves, que foram tratados pela medicina antroposófica. O corpo humano é perfeito e bem cuidado é capaz de se defender”, acredita. Martha considera importantes os processos que a criança passa quando tem uma doença. “É um desenvolvimento do sistema imunológico e um fortalecimento do eu. Prefiro um estilo de vida mais simples e saudável a ficar dando vacinas sem saber direito os efeitos colaterais que podem provocar ao longo da vida.”

Mundos diferentes

Entre adeptos da medicina antroposófica e homeopática, embora haja maior resistência, não há consenso. O pediatra Sergio Eiji Furuta, da Associação Paulista de Homeopatia e pesquisador na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que há muita polêmica onde a homeopatia é praticada. Segundo ele, no exterior há homeopatas sem graduação em medicina. “Eles geralmente se opõem à vacinação, defendendo que é preferível contrair uma doença infantil. É inaceitável tal atitude hoje em dia”, defende.

“Em todas as épocas, alguns autores homeopatas, sem respaldo científico, têm afirmado que as vacinas causam alergias, rinites, sinusites, bronquites e dermatites; que deprimem o sistema imunológico; que alteram a vitalidade das crianças; e que seus efeitos adversos são graves, sendo preferível ter a doença para tratá-la homeopaticamente”, comenta. No Brasil, explica, onde a homeopatia é reconhecida como especialidade médica e só pode ser exercida por médicos, a Associação Médica Homeopática apoia o Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde.

O pediatra Ricardo Ghelman, da Unifesp, membro do Comitê Internacional de Pesquisa em Medicina Antroposófica, diz que os princípios da antroposofia não conflitam com a imunização. “Em países europeus, como a Suíça, onde as condições de saúde de toda a população são satisfatórias, muitos médicos antroposóficos não recomendam imunizar contra as doenças da infância – exceto tétano e poliomielite”, diz Ghelman. “Enquanto não tivermos tais condições, é irresponsabilidade pensar em conduta semelhante.”

O pediatra Reinaldo de Menezes Martins, chefe da assessoria clínica do Bio-Manguinhos, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, diz que tanta celeuma em torno da vacinação não faz sentido. “Não negamos que os riscos existem. Aliás, não há nenhum medicamento ou vacina totalmente livre de riscos”, afirma. “É por avaliar criteriosamente os males e benefícios que os testes levam tanto tempo. E mesmo depois de aprovadas em todas as fases, quando passam a ser usadas na população, ainda assim as vacinas continuam sendo monitoradas”, garante.

A pediatra Isabela Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), diz que a ciência mostra mais benefícios da vacina do que malefícios. “Veja o exemplo da catapora. Ainda no estágio inicial, a criança pode transmitir o vírus para uma mulher grávida, não vacinada. Embora a infecção seja branda na criança, a gestante não estará livre de consequências como malformações congênitas e até aborto.”

Quanto à presença de metais, ela explica que a dosagem do alumínio usado nas vacinas de vírus inativados é insuficiente para causar dano. O componente provoca uma pequena reação inflamatória local, necessária para ativar o sistema imunológico e gerar proteção de longo prazo, e é usado há mais de 80 anos na produção de vacinas de vírus inativados contra tétano, difteria, coqueluche e hepatites A e B.

Já o timerosal é usado em baixas concentrações desde 1930. “Desde 2001, a substância vem sendo substituída por um conservante derivado do álcool”, diz Isabela. Ela nega também que os imunizantes – inclusive vacinas combinadas – sobrecarreguem o sistema imunológico. “Se fossem somadas todas as vacinas antigas, o resultado seria 2 mil ou 3 mil proteínas. Com o incremento das fórmulas combinadas e a melhor purificação, hoje esse número não chega a 200.” A pediatra admite, entretanto, que os pais são mal informados. Ao contrário das clínicas particulares, onde são mostradas as caixas do imunizante com a bula, no serviço público isso não acontece. “Embora a sua apresentação não seja obrigatória por lei, nada impede que os pais tenham acesso a ela no posto”, diz.

Mãe de filhos com 21, 16 e 6 anos, a designer gráfica Ana Basaglia, de São Paulo, afirma ter muitas dúvidas. “Reparo que a cada filho que tive a lista de vacinas era maior. Será que temos mesmo de vacinar um bebê contra hepatite B logo que nasce? Ele faz parte do grupo de risco?” Outro questionamento, segundo ela, é quanto aos efeitos que essas injeções podem causar ao organismo no longo prazo. Assim como os cientistas, os pais também estão em busca de respostas.

Embora não haja lei obrigando a vacinação, diversos estados e municípios possuem legislação que condiciona a matrícula escolar ao cumprimento do calendário do Programa Nacional de Imunizações. Conselhos tutelares podem punir pais que negligenciam a vacinação. Tais medidas dão suporte às ações do PNI porque, segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações, controlar ou erradicar uma doença  requer que seja vacinado o maior número de pessoas e que a cobertura se mantenha.

“É legítima a desconfiança. No entanto, muita gente do movimento anti-vacina que se diz saudável mesmo sem ter se imunizado esquece de que vive num mundo livre de muitas doenças graças à vacina”, diz Gabriel Oselka, professor de Pediatria na Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Comissão de Imunizações da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.

Você já viu bula de vacina?

  • Tuberculose

Usada contra as formas graves da tuberculose. Indicada para crianças de até 4 anos. O obrigatória para menores de 1 ano, conforme portaria do Ministério da Saúde.
Reações: considerada segura, tem poucos efeitos, geralmente locais, como quelóide, abcessos e ulceração, associados a técnicas inadequadas, como aplicações profundas e contaminação.
Não deve ser aplicada em pessoas com imunodeficiência congênita ou adquirida, incluindo crianças infectadas pelo HIV com os sintomas da aids, recém-nascidos com menos de dois quilos, com desnutrição, problemas de pele, doenças agudas febris, doenças crônicas e aquelas que estejam sendo tratadas com corticóides e citostáticos.

  • Hepatite B

Indicada para pessoas de todas as idades. Recém-nascidos devem ser vacinados logo que nascem, por causa das chances de infecção durante o parto de mães portadoras do vírus B.
Reações: médico deverá ser procurado quando há dificuldade para engolir ou respirar, erupção, coceira e vermelhidão na pele, inchaço nos olhos, na face ou na parte interna do nariz, cansaço ou fraqueza repentinos. São raros inflamação local, dor, inchaço ou febre baixa, que desaparecem em dois dias. Apesar de muito raro, podem aparecer febre acima de 38º C, mal-estar, fraqueza, náuseas, vômitos, tonturas, dor muscular, artrite e erupções na pele.
Não deve ser aplicada em caso de febre, infecção aguda e em pessoas com esclerose múltipla. Devem ser avaliados os benefícios da vacinação em relação aos riscos da exacerbação dos sintomas da esclerose.

  • DTP + Hib

O DTP é contra difteria, tétano, coqueluche e o Hib combate o Haemophilus influenzae do tipo B, um dos principais agentes de meningite, pneumonia, epiglotite, inflamação do tecido subcutâneo, artrite e sepsis (infecção generalizada) em crianças menores de 5 anos.
Reações: algumas crianças poderão ter febre e manifestações locais, como dor, vermelhidão e inchaço. A pertussis (toxina que induz a produção de elevadas taxas de anticorpos), pode causar convulsões em até 72 horas após a injeção, colapso circulatório e encefalopatia nos primeiros dois dias pós-vacina.
Não deve ser aplicada em crianças com menos de 6 meses; em indivíduos que na dose anterior: tenham demonstrado reação anafilática ou alérgica, tenham tido convulsões até 72 horas após, tenham passado por colapso circulatório, com estado de choque ou episódio de palidez, fraqueza até 48 horas após, tenham encefalopatia até sete dias após.

  • Poliomielite

A Sabin (gotinha), usada nas mais populares campanhas de vacinação contra paralisia.
Reações: É segura, mas raramente podem ocorrer, nos primeiros 30 dias após, acidentes pós-vacinais, como paralisias flácidas, na proporção de um caso em cada 2 milhões de vacinados. Esse risco é maior na primeira dose que nas subsequentes e é aumentado em indivíduos imunodeficientes. Caso apareça dificuldade motora, é preciso ir ao posto de saúde o quanto antes para encaminhamento para outros exames.
Não deve ser aplicada em crianças com vômitos ou diarreia, além de imunodeficientes ou sadias que estejam em contato domiciliar com imunodeficientes por causa do risco de ocorrência de paralisia associada à vacina.

  • Febre amarela

Para pessoas que entrarão em regiões de risco da doença ou expostas profissionalmente ao vírus.
Reações: Geralmente são leves. De cinco a dez dias após, 2% a 5% de quem foi vacinado pode apresentar dor de cabeça, mal-estar, dores musculares e febre. Reações de hipersensibilidade imediata, com erupção e urticária são incomuns e ocorrem principalmente em pessoas com histórico de alergia a componentes. Complicações graves, como crise convulsiva, são raras.
Não deve ser aplicada em crianças com menos de 6 meses; em pessoas com doenças agudas febris; com história de hipersensibilidade a ovos de galinha e seus derivados; gestantes (exceto em situação de emergência epidemiológica, seguindo recomendações expressas das autoridades de saúde); pessoas imunodeprimidas (com câncer, aids ou em uso de drogas imunossupressoras).

  • Tríplice viral

Contém vírus atenuados da caxumba, da rubéola e hiperatenuados de sarampo e albumina humana.
Reações: as mais comuns são febre baixa, dor de cabeça leve, inchaço nos gânglios linfáticos, nas glândulas salivares, náuseas, mal-estar em geral, sensação de queimação ou coceira no local. A erupção na pele geralmente surge entre o quinto e o 12º dia e dura no máximo dois dias. O médico deve ser procurado imediatamente se houver dificuldade para respirar ou engolir, vermelhidão na pele, inchaço nos olhos, na face ou na parte interna do nariz, cansaço ou fraqueza repentina e intensa, convulsões (entre o quinto e o 12º dia), confusão mental, febre alta (maior que 39º C), dor de cabeça intensa e contínua, irritabilidade ou sonolência incomum, vômito, rigidez na nuca, dor, aumento da sensibilidade ou infecção nos testículos. A meningite associada à vacina contra caxumba ocorre entre 15 e 30 dias após, mas raramente deixa sequelas.
Não deve ser aplicada em gestantes, alérgicos às proteínas do ovo, hipersensíveis à neomicina, crianças epilépticas, com convulsões ou problemas neurológicos. O tratamento com imunossupressores ou radioterapia pode reduzir ou anular a resposta imune da vacina ou potencializar a replicação viral e elevar a incidência de efeitos colaterais.

  • DT dupla adulto

Contra difteria e tétano.
Reações: as poucas reações geralmente são locais, como inchaço e vermelhidão. Doses de reforço causam febre em 0,5% a 7% dos casos, sendo raramente observadas temperaturas maiores que 39º C. Reação anafilática é rara, na proporção de um caso para 100 mil aplicações.
Não deve ser aplicada em pessoas que tiveram reação anafilática sistêmica grave (hipotensão, choque, dificuldade respiratória) após a primeira dose.

  • 
Meningite meningocócica 
dos sorogrupos A+C

Reações: em geral, bem tolerada. As reações mais frequentes são dor, desconforto e vermelhidão no local da aplicação. Podem ocorrer com menor frequência reações sistêmicas como febre baixa, irritabilidade (em crianças) e dor de cabeça. Reações alérgicas e alterações neurológicas reversíveis têm sido extremamente raras e, como as anteriores, tendem a desaparecer após 24 horas da aplicação.
Não deve ser aplicada em pessoas com febre alta (acima de 38,5ºC), grávidas, a não ser em situação de emergência epidemiológica, seguindo recomendações expressas das autoridades de saúde, pessoas imunodeprimidas (por câncer, leucemia, aids ou por medicamentos) e crianças menores de 6 meses de idade, a não ser em situações de emergência epidemiológica.