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O choro é livre

Apesar de reclamações das empresas, Plano Nacional de Banda Larga sai do papel até o fim do ano, com a meta de levar conexão de alta velocidade a 40 milhões de casas até 2014

ROOSEWELT PINHEIRO/ABr

Erenice Guerra, ministra da Casa Civil, e Paulo Bernardo, do Planejamento: plano lançado em maio provocou reação contrária do setor privado

A discussão sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) fornece uma generosa quantidade de exemplos sobre como o setor privado atua quando sente a possibilidade de concorrência. O mês que passou jogou novas luzes sobre o PNBL, como o decreto que cria o Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital, a definição da presidência da Telebrás e o esclarecimento sobre o papel da estatal no plano.

As operadoras se queixavam de que a Telebrás, tendo a força do Estado, poderia gerar uma concorrência predatória. Hoje, Oi, Net e Telefônica controlam 85% do mercado de internet de alta velocidade, mas não consideram que essa concentração faça algum mal ao rendimento das pequenas empresas. O governo havia esclarecido que a estatal chegará ao consumidor final apenas nas localidades em que não exista “oferta adequada”, mas o setor privado manteve as críticas, afirmando que a expressão “adequada” dá margem a múltiplas apresentações.

“O choro é livre. As operadoras sempre vão reclamar. Elas nunca andaram sem se queixar. Em todas as oportunidades que tivemos para negociar, acharam ruim (…) Vão reclamando, mas vão cedendo. Daqui a pouco vão encontrar seu espaço no processo”, ponderou Rogério Santanna, novo presidente da Telebrás. Para sanar qualquer dúvida, ele afirmou durante evento em São Paulo que a Telebrás fornecerá conexão ao consumidor final apenas em “último caso”. Antes de entrar na chamada última milha, a estatal buscará parcerias com pequenas operadoras locais. Ou seja, a Telebrás só atua onde o setor privado realmente não tem interesse.

A constatação, simples, é de que as teles tiveram mais de uma década para desenvolver a banda larga brasileira, mas não o fizeram. Como as operadoras atuam somente nos locais em que há retorno econômico garantido, apenas 47% dos municípios dispõem de conexão de alta velocidade. Entre as cidades com menos de 100 mil habitantes, 44% não contam com o serviço, mesma situação vista em algumas capitais do norte brasileiro.

Aparentemente, a rapidez do setor privado é maior na reclamação do que na conexão que oferece aos clientes. No dia seguinte aos esclarecimentos dados por Santanna, a Associação Brasileira de Telecomunicações (TeleBrasil), que reúne as grandes empresas do setor, informou que sete novas conexões de banda larga são feitas a cada minuto no Brasil. Afirmou ainda que 4.800 municípios brasileiros têm acesso a banda larga, mais que o dobro do apontado pelo governo, e que a maioria das conexões fica acima de 512 Kbps.

Indução ao desenvolvimento

Um levantamento recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra outra versão dos fatos. Um terço dos domicílios conta com internet de 256 Kbps e outros 20% gozam de velocidades entre 256 Kbps e 1 Mbps. Apenas 1% dos brasileiros pode desfrutar de internet com velocidade maior que 8 Mbps, o que possibilita navegar com facilidade e fazer downloads com rapidez. A constatação do Ipea é que 79% dos domicílios brasileiros não tinham acesso à web em 2008 – nem mesmo conexão discada. Em apenas 15 municípios o mercado tem concentração inferior a 50% e, na imensa maioria, uma empresa controla 80% do serviço.

Comparativamente, o Brasil tem uma das bandas largas mais “estreitas” do mundo e, em média, até nove vezes mais cara que as das nações europeias. A Argentina e o Chile têm mais usuários e preços mais baixos. A banda larga chega a consumir 4,5% da renda per capita dos brasileiros, contra 1,5% na Rússia e 0,5% entre os moradores das nações ricas.

Sady Jacques, embaixador da Associação Software Livre e sócio-fundador da Associação Cidadania Digital, considera que esse é um dos problemas que a Telebrás tem como solucionar. “Dar oportunidades a uma instituição que tenha como valor maior a democratização de acesso, e não o lucro, é permitir algum regramento em relação a esse cenário”, afirma.

Santanna concorda. Em tom irônico, lembra que bastou a “fênix bater as asas”, ou seja, a Telebrás ser reativada, para que as operadoras baixassem o preço cobrado no mercado. O presidente da estatal faz graça também com as críticas dirigidas ao PNBL pelos jornais de grande circulação, que em geral têm defendido a posição das teles – pois é com elas que firmarão parcerias no mercado digital de notícias que está por vir.

O alvo preferido das citações nada indiretas é Ethevaldo Siqueira, colunista de O Estado de S. Paulo, que chegou a abandonar, com sorriso amarelo, evento na capital paulista no qual foi mencionado várias vezes. “Pena que o Ethevaldo já saiu. Porque ele é o primeiro a dizer que a Telebrás vai ser um cabide de empregos, um dinossauro. Vai ser uma empresa enxuta (…) Não será uma operadora, mas uma gestora do processo”, afirmou o presidente da companhia estatal depois da saída do colunista.

Um dos gestores do PNBL a partir do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna entende que internet é um tema fundamental para o desenvolvimento nacional e, por isso, deve haver presença pública no setor. Ele pensa que a redução de impostos pode ajudar, mas está longe de ser suficiente para garantir universalização do acesso. O presidente da Telebrás cita o programa Banda Larga Popular, do governo de São Paulo. Em acordo com a Telefônica, a gestão do PSDB cortou impostos e agora o fornecimento de internet fica em R$ 29,90 por mês, mas a uma velocidade de 256 Kbps, conexão que não pode ser considerada banda larga.

A intenção inicial do PNBL é fornecer, pelo mesmo preço, a velocidade de 512 Kbps. “Acho que é pouco. Mas é bastante razoável para um país que hoje não tem esse serviço”, argumenta Santanna. O Comitê Gestor poderá, a qualquer momento, revisar para cima a velocidade. À medida que a infraestrutura se consolida, seu aumento torna-se mais fácil e mais barato. A criação das infovias é um tema complexo do PNBL. Será possível aproveitar malhas de fibras ópticas hoje subutilizadas, como as de Petrobras e Eletronet, e somar outras pequenas redes que podem ser compradas.

Até o começo do segundo semestre, a Telebrás estará plenamente reativada. A partir disso serão formulados os editais de licitação para a contratação de infraestrutura. Durante a fase de expansão da rede, empresas brasileiras serão priorizadas. O governo estima oferecer R$ 6,5 bilhões em financiamentos até 2014. Ao fim dessa fase, a expectativa é que 40 milhões de domicílios brasileiros tenham conexão de alta velocidade – atualmente, são 12 milhões.

Além da conexão residencial, a ideia é garantir conexão a escolas públicas e órgãos de saúde, fornecendo novos instrumentos para a elaboração de políticas que melhorem a qualidade dos serviços. Sady Jacques entende que essa é a dimensão estratégica do projeto. “Temos muitas outras carências de natureza econômica e social, mas é impossível pensar em evolução sem que se tenha cada vez mais acesso à internet, que permite agregar valor aos serviços públicos e levar conhecimento à população”, destaca. E, como ficou exaustivamente demonstrado nos últimos tempos, não é sempre que se pode contar com dinheiro do setor privado para projetos estratégicos de interesse público.

O PNBL em números

512 Kbps será a velocidade de conexão mais baixa, considerada suficiente pelo governo para a maioria dos serviços utilizados atualmente

30 reais é o preço estimado por essa conexão, um terço do valor atual

30 mil km de fibras ópticas cortarão o território brasileiro, contra os 12 mil atuais

40 milhões de domicílios 
terão banda larga, 3,5 vezes mais que hoje, e todas as capitais contarão com oferta do serviço

3,22 bilhões de reais será a injeção de capital na Telebrás, praticamente desativada depois da privatização das telecomunicações

6,5 bilhões de reais é quanto o BNDES espera liberar até 2014 em financiamentos para o fortalecimento da indústria nacional de informática