Mouzar Benedito

Minha primeira Copa

Gilmar, Djalma Santos e Bellini; Nilton Santos, Zito e Orlando; Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo

mendonça

Eu, menino peladeiro, era uma das centenas de pessoas que se aglomeravam na Praça Santa Rita, em Nova Resende, ouvindo pelo alto falante do cinema a escalação do time que entraria em campo para jogar contra a Suécia, disputa do título de campeão do mundo, em 1958.

Para “falar” de minhas lembranças dessa época, começo pelo fato de Nova Resende, com 2.000 habitantes na área urbana, ter um cinema. E tinha. Como muitas e muitas cidades do mesmo tamanho. Nele, ao lado da minha casa, assistíamos a filmes de Roy Rogers, Tarzan, Tom Mix… Nos bangue-bangues, eu torcia sempre pelos índios. Os filmes românticos terminavam com um beijo, sob os assobios da molecada.

E a aglomeração na praça, em frente ao cinema? Certo, existia o espírito de “assistir” – que na verdade era ouvir – aos jogos juntos, torcendo, festejando cada gol brasileiro, mas não era só: pouca gente tinha rádio. Na minha casa mesmo não tinha. Aliás, nem mesmo ferro elétrico tínhamos, minha mãe passava roupas com um ferro em que se colocava brasa, pesado, e de vez em quando era preciso assoprar por um buraco traseiro do ferro, para reativar as brasas.

O Brasil nunca tinha sido campeão do mundo. Apesar do futebol bonito, nossos times fraquejavam nas copas. Na época, rolava o seguinte ditado: “A Inglaterra inventou o futebol, o Brasil joga e o Uruguai ganha”.

Mas em 1958 a esperança – ou mais que isso, a certeza – estava no ar. Afinal, naquela seleção havia vários jogadores até hoje considerados gênios. Em qualquer seleção mundial de todos os tempos que alguém for escalar, Pelé, Nilton Santos, Garrincha e Didi teriam lugar. E provavelmente Djalma Santos também.

Fazendo de cada jogo um espetáculo, o Brasil ganhou, enfim. Era uma vibração danada, apesar de não estarmos vendo os jogos, apenas ouvindo. A televisão só existia em algumas cidades, fazendo apenas transmissões locais, e se não tínhamos sequer rádio, se houvesse transmissão pela TV poucos teriam acesso a ela. Só na Copa de 1970, no México, os jogos passaram a ser transmitidos ao vivo.

As comemorações foram inesquecíveis. A primeira taça da Copa do Mundo, quem é que esquece?

As imagens que não vimos na época, vemos agora: quando se trata de mostrar o futebol genial do Brasil, sempre aparecem jogos daquela Copa, com suecos rindo dos dribles malucos de Garrincha e aplaudindo os gols brasileiros contra seu próprio time, porque era um futebol bonito e alegre. Aparecem também imagens da Copa de 62, em que Garrincha foi a grande estrela, da vencedora de 1970, no México, e da perdedora de 1982, na Espanha.

Gozado que da Copa de 1994, em que o Brasil foi campeão, nos Estados Unidos, o futebol era tão burocrático que a imagem mais famosa é do Roberto Baggio chutando um pênalti por cima do gol. Tostão, que foi um dos maiores craques do futebol e hoje é um craque das crônicas em jornais, falando sobre a coerência de Dunga como técnico – que ele considera uma coerência um tanto negativa –, escreveu que o atual técnico, com suas ideias, nunca vai entender por que a seleção perdedora de 1982 é muito mais lembrada e admirada do que a de 1994, da qual era o capitão.

Futebol é competição, mas também diversão. Hoje, consideram que qualquer brincadeira de um craque gozador é uma ofensa digna de ser tratada a pontapés. Garrincha, hoje, seria inadmissível. Já ouvi inclusive jornalistas esportivos falando que “o fulano humilhou o beltrano” e por isso mereceu as pancadas que recebeu. Caretice.

Vencer é bom, sim. Mas futebol tem de ter beleza e diversão. O resto é para burocratas do esporte, e para torcidas que vão aos jogos para brigar, e não para ver espetáculo.