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O charme da serra que chora

São Francisco Xavier, pequenino distrito de São José dos Campos na Mantiqueira, é tranquilo, verde e organizado, pronto para casais em clima romântico ou famílias em busca de trilhas e aventuras

sandro peroza/centro de apoio ao turista/divulgação

Na “Serra que Chora”, nome que traduz o tupi-guarani Mantiqueira, brotou São Francisco Xavier. O distrito de São José dos Campos (SP) ganhou o coração de viajantes, que sempre voltam. E para muitos paulistas, cariocas e povos de outras bandas já foi adotado como segunda residência. Eles transformaram o pequeníssimo cenário urbano – com a praça do coreto, uma rua principal e algumas transversais – em um ponto de convivência com a serra que rodeia o vale onde está plantado, e por isso mesmo hoje rodeado de lojinhas e restaurantes charmosos e bares descolados com boa música, que dividem espaço com padarias e mercadinhos de produtos locais.

Fora do perímetro urbano – a 60 quilômetros de São José e a 138 da capital paulista – cada estrada de terra leva a um espetáculo diferente. O distrito tem como vizinhos “trás-dos-montes” Campos do Jordão, Monte Verde e Joanópolis. É cortado por rios de água cristalina, como o do Peixe, do Roncador e das Couves, que em seu caminho das nascentes serra abaixo criam pequenas piscinas de banho e cachoeiras de diferentes alturas. A água gelada convida para um banho no verão – infelizmente também a época em que mais chove por lá. No inverno, porém, serve de paisagem: impossível colocar um dedo do pé. O terreno montanhoso, com muita área coberta pela Mata Atlântica nativa, é ideal para quem gosta de trilhas. Há diversas, de diferentes distâncias e níveis de dificuldade, por mata fechada ou pelos descampados. Todas fazem parte de áreas dos hotéis, pousadas ou fazendas e exigem a contratação de um guia.

pousada pouso do rochedo/divulgaçãocachoeiras
A cidade tem dezenas de cachoeiras

A invasão de outros povos transformou a economia do local, que transitou da produção de leite e derivados para o promissor turismo sustentável. Tudo indica que a “lição de casa”, na condição de Área de Proteção Ambiental (APA), está sendo feita. “Somos APA municipal, estadual e federal. Ou seja, está todo mundo de olho no que estamos fazendo”, brinca Márcia Vero, carioca que visitou a região, se apaixonou e adquiriu 800 mil metros quadrados para implantar ali seu Portal do Equilibrium – que além de pousada e restaurante tem atrativos para apreciadores de esportes radicais.

São Francisco também tem várias áreas de proteção permanente, o que exige seguir leis severas no que diz respeito à ocupação do terreno, como não construir nada nos 50 metros do entorno de nascentes ou olhos d’água ou em alturas superiores a 1.800 metros. Quem quer participar da vida na região tem de aderir às leis que a protegem. A fórmula funciona e o distrito cresce em ritmo lento e certo.

Instituído formalmente em 1892, a vilinha já era usada antes disso como paragem para os tropeiros que seguiam as rotas entre Minas Gerais e São Paulo. A verve rural se sustenta até hoje e, no sábado à tarde, os jovens lotam a pracinha central enquanto um ou outro seresteiro engata no violão no bar da esquina. A oferta de hospedagens requintadas cresceu muito nos últimos anos – tem montanhas até com heliponto –, e trouxe um novo público a São Francisco. No entanto, permanecem ativas e simpáticas no centro as opções para quem apenas busca trilhas, água pura e ar fresco. Ou simplesmente sossego.

Acqua Ride

A única agência de turismo desvinculada das pousadas, a CAT, leva os visitantes para aventuras molhadas e também para as trilhas. As expedições com pernoite exigem grupos formados e planejamento prévio. Entre as que podem ser feitas em um dia está a puxada de São Francisco até Monte Verde, que fica só à distância de 11 quilômetros – morro acima e depois abaixo, segundo Auro Miragaia, proprietário da agência. São oito horas ao todo, das quais volta todo mundo atrapalhado, mas com sorriso de orelha a orelha. As crianças encaram as mais leves e contam ainda com a oferta de cavalgadas.

São Francisco esbanja charme nos detalhes. Para quem gosta de artesanato, há um tour pelos ateliês de pintura e cerâmica de artistas que se instalaram na região. Também há spas rústicos para quem quer relaxar. Em grande parte das pousadas o leite servido é ordenhado manualmente, os pães são caseiros e as verduras, de hortas próprias. Essa tendência ao orgânico e sustentável é uma característica natural do lugar. Os suvenires não fogem dos queijos e sabonetes artesanais, além de bolos e broas fresquinhas. Os artefatos que se diferenciam são as porcelanas e camisetas com a carinha estampada do muriqui, o simpático macaco que vive na região. Em extinção, ele é o maior macaco da América do Sul, e à época do acasalamento, em maio, turistas mais sortudos conseguem vê-los na Trilha da Toca do Muriqui. Os nativos garantem que ele é um tipo boa-praça, mas sofre de timidez. 

Outra delícia da cidade está em todos os restaurantes, vários, para todos os gostos: o shitake produzido nos sítios da região. Seu Julio Sabino dos Santos se dedica a cuidar da produção em cinco sítios. “O ar puro, a qualidade da água e o clima são perfeitos para ele”, conta, satisfeito com a colheita quase semanal. Na cidade, o negócio é se render a ele, na pizza, lasanha, truta, omelete ou risoto. 

Literatura

 Macaco muriqui

O Festival da Mantiqueira – Diálogos com a Literatura é o maior dos vários eventos promovidos na cidade. Coordenado pela Secretaria Estadual de Cultura de SP e pela Associação Paulista dos Amigos da Arte, atrai público maior do que os cerca de 600 lugares oferecidos pelas 30 pousadas de SFX. São tendas de discussão, prêmios literários e shows por toda parte. A edição deste ano, a terceira, será de 28 a 30 de maio. Arnaldo Antunes, Caco Barcellos, Ferreira Gullar, entre outras personalidades, estarão por lá. As pousadas já estavam praticamente lotadas em abril. Haja shitake para tanta gente. Até o fechamento desta edição não havia uma programação completa do festival. Informações: (11) 2627-8172.