análise

Encruzilhada tecnológica

Um novo planejamento tecnológico e ambiental requer abordagem planetária, democrática e pacífica. Caso contrário, pode levar a novos conflitos globais

mendonça

A humanidade em geral e os trabalhadores em particular estão, em todo o mundo, diante de uma encruzilhada. Ou se instauram regulamentações, em escala global, para os fluxos de investimentos e de mão de obra, para os fluxos financeiros e o comércio e para o controle da poluição. Ou se sucederão, além de catástrofes ecológicas, os protecionismos, desta vez na escala de grandes blocos econômicos, correndo-se novamente o risco de conflitos armados generalizados e de instauração de regimes nacionalistas de direita, excludentes dos “não nacionais”.

Um dos pontos mais relevantes é a necessidade de pensar o desenvolvimento tecnológico em plano global. Como Marx demonstrou, o valor de uma mercadoria está determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Ao usar o equipamento para transformar a matéria-prima, o trabalhador produtivo transmite para a mercadoria o valor do equipamento, o valor da matéria-prima, o valor de seu salário e continua trabalhando, gerando a mais-valia, de onde saem o lucro, os impostos que sustentam a máquina governamental, as Forças Armadas e as polícias, os honorários dos profissionais liberais, os salários dos demais trabalhadores não ligados à produção etc. etc.

Todo o esforço de cada empresa capitalista será reduzir o valor das mercadorias que produz em relação ao valor da produção de seus concorrentes. Isso só pode ser feito pela diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário para produzir cada mercadoria. E essa tarefa é cumprida pelo desenvolvimento tecnológico. Aqui temos o grande problema do capitalismo, que gera suas crises estruturais periódicas: ele se baseia no tempo de trabalho como fonte de valor, mas tende a reduzir o tempo de trabalho, tendencialmente, a zero; em consequência, os valores também tendem a ser reduzidos a zero. Nesse momento, há uma necessidade de destruir grande parte das riquezas por meio, por exemplo, de grandes guerras, o que leva a um novo ciclo de alta, para repor as riquezas destruídas.

O primeiro grande desenvolvimento tecnológico do capitalismo, na passagem do século 18 para o 19, foi a introdução da máquina a vapor. Isso gerou uma crise que envolveu em particular as guerras napoleônicas. Depois, partiu-se para um novo patamar tecnológico, em meados do século 19, o do petróleo, da eletricidade e da química. No auge da redução tendencial a zero do tempo de trabalho socialmente necessário para produzir cada mercadoria, a solução dessa crise envolveu a Primeira Guerra Mundial, a instauração do socialismo (planejamento includente) na União Soviética e do fascismo (planejamento excludente) em grande parte da Europa.

Desenvolveu-se então um terceiro patamar tecnológico, o do fordismo e do taylorismo, gerando novamente a necessidade de destruição das riquezas desvalorizadas, por meio da Segunda Guerra Mundial. Dessa vez a solução envolveu também a ampliação do campo socialista. Ficou bem claro o mecanismo da destruição das riquezas desvalorizadas, que abriu, com a destruição da Europa Ocidental, possibilidades de novos investimentos para reconstruir o destruído, como o Plano Marshall.

Finalmente, a partir dos anos 1970, desenvolve-se o quarto patamar tecnológico, o da robótica, informática, biotecnologia e química fina. De novo há a necessidade de destruição da riqueza antiga, desvalorizada. Isso levou à crise estrutural do capitalismo desencadeada em 2008 – as casas, pela redução do tempo de trabalho necessário para construí-las, passaram a valer menos do que estava indicado nas hipotecas. Antes, porém, levou à destruição do campo socialista. Por quê? Aqui temos de levar em conta que todo o desenvolvimento do socialismo real ocorreu dentro do patamar tecnológico do fordismo e do taylorismo. Quando se tem um patamar tecnológico estável, é possível planejar a indústria e a agricultura em escala nacional.

Mas, em escala nacional, não é possível planejar o desenvolvimento tecnológico, muito menos a passagem de um patamar tecnológico para outro. Isso porque, fora do campo socialista planejado, continuava a anarquia capitalista, com seu desenvolvimento tecnológico acelerado e tumultuado, por meio da concorrência. As burocracias que governavam os países socialistas se viram num dilema. Não podiam planejar um desenvolvimento tecnológico que se dava fora de suas fronteiras. Não podiam introduzir o desenvolvimento tecnológico em escala maciça, pois isso geraria, por exemplo, o desemprego em escala também maciça. O pleno emprego era a principal força que mantinha coeso o socialismo real, apesar de todas as suas mazelas que bem conhecemos, como a falta de maiores liberdades individuais.

As burocracias ficaram esperando que o novo patamar tecnológico se tornasse estável, o que possibilitaria planejar em massa a sua introdução. Essa estabilidade nunca chegou, ainda está longe de ser alcançada, e no meio do caminho o socialismo real implodiu. E o desenvolvimento tecnológico passou a ser introduzido pelos métodos da concorrência capitalista.

Agora é o mundo que está em face de um dilema. O desenvolvimento tecnológico sem regras, às cegas, pela concorrência entre as empresas e entre os grandes blocos capitalistas, pode novamente levar à destruição maciça das riquezas desvalorizadas, com a situação desta vez agravada pela crise ambiental. A única alternativa é um planejamento em escala global. Isso não será feito por um socialismo estatal mundial. Pode ser feito por uma social-democracia em escala mundial. Pode, também, ser feito por métodos fascistas. E pode, ainda, ser feito por um novo tipo de planejamento, até hoje desconhecido. Não podemos, porém, esperar para ver. Precisamos agir, mas desde que tomemos consciência de que as soluções não planetárias podem levar a novos conflitos generalizados, particularmente se triunfarem os métodos fascistas.

O Brasil tem todo um papel estratégico a exercer para a conformação de soluções mundiais, globais, planetárias, pacíficas. Não tem sido outro o esforço de nosso governo, embora talvez falte uma visão de tudo o que está em jogo.

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