entrevista

Rock nordestino

Oswaldo Montenegro 
chegou a Brasília nos anos 
1970 e mergulhou no mundo dos repentistas e roqueiros da capital

Luciana Whitaker

“Brasília é uma cidade estranha, mas, ao mesmo tempo, habitada por gente normal, gente que vai ao futebol, que tem sonhos”

“Eu me sinto como uma consequência do tempo em que morei lá”, diz Oswaldo, que está completando 30 anos de carreira. Carioca de nascimento, 54 anos feitos em março, ele passou a infância em São João del Rei, onde lembra de serestas e serenatas. Na adolescência, já na capital federal, tomou contato com a música nordestina e o rock brasiliense. Tudo misturado, foi se tornar conhecido a partir dos festivais, começando pelo da extinta TV Tupi, em 1979, com Bandolins, até hoje uma de suas favoritas. No ano seguinte, ganhou festival promovido pela Globo, apresentando Agonia. Com várias experiências no teatro, ele se prepara para estrear no cinema, com Léo e Bia, uma história de adolescentes que tentam viver de teatro na época da ditadura. Lá no Planalto Central.

Você foi o primeiro artista identificado com Brasília com projeção nacional. Qual sua relação com a cidade?
É estranha e mágica, porque Brasília é assim. É uma cidade paradoxal, com uma arquitetura meio futurista que abriga uma sociedade tecnocrata. É uma cidade ao mesmo tempo mística e reta, é uma cidade que, curiosamente, às vezes pode oprimir por excesso de espaço. É uma cidade planejada, cujo planejamento nunca correspondeu ao que se esperava. É uma cidade estranha, mas, ao mesmo tempo, habitada por gente normal, gente que vai ao futebol, que tem sonhos. Eu me sinto muito como uma consequência do tempo em que morei em Brasília. Principalmente, sou consequência de um choque cultural, que foi ter saído de São João del Rei, em um ambiente barroco de ruas sinuosas, para aquela amplidão reta, aquele rock and roll nordestino que Brasília é.

Seu último trabalho, Quebra-Cabeça Elétrico, é um resgate dessa formação brasiliense?
O CD e o DVD têm a ver com Brasília, porque quando cheguei lá fui invadido pela música nordestina. Brasília é muito isso, né? Foi formada por gente de tudo quanto é lugar do Brasil, mas o nordestino está muito presente ali. Quando cheguei à cidade, conheci vários repentistas, e isso me marcou. E, também, tem aquele rock and roll. Esse clima, misturado com a coisa do Nordeste, é o que norteia o meu DVD. Então, o DVD e o show são divididos em duas partes: numa eu homenageio compositores nordestinos de quem eu fiquei amigo e depois parceiro, como Zé Ramalho, Alceu Valença, Belchior… Na outra, canto algumas músicas que compus há muito tempo e gosto de cantar ainda.

Quais músicas suas você prefere cantar?
As minhas preferidas são A Lista, Bandolins, Intuição, Léo e Bia, Travessuras, Estrelas, Estrada Nova e Lua e Flor. Prefiro essas porque a melodia e a letra vieram de forma espontânea. Mesmo que em todas as minhas músicas eu tenha usado a intuição e não tenha sido um compositor cerebral – porque não sou –, essas músicas que citei sempre me pareceram mais orvalhadas. Já vieram prontas na minha cabeça. Essas são as canções que duram mais em mim, as que nascem de parto normal.

Você sempre esteve envolvido em diversas frentes artísticas. Como se relacionam essas facetas?
Basicamente, sou músico e compositor. As outras artes eu exerço a partir da música, com a música e em função dela. Não faria nenhum trabalho como diretor ou como escritor que estivesse desvinculado da melodia e da canção.

O seu trabalho no teatro gerou filhotes?
O teatro é uma área que me empolga muito. Eu voltei a fazer musicais há um ano e pouco, logo que formei a Companhia Mulungo. Foi muito bom porque fiz um disco com eles, e agora fomos contratados pelo Canal Brasil para fazer uma série para a tevê. O Fernando, do Teatro Mágico, começou comigo, trabalhou comigo. Acho que não apenas eu, mas todo artista que está aí há muito tempo, de alguma forma, influencia alguém. Do mesmo jeito eu fui influenciado por alguém que veio antes de mim. Mas não fico identificando isso. Ao contrário, reconheço e admiro nas pessoas que trabalharam comigo a capacidade que tiveram de seguir com uma marca própria.

Quem foi importante na sua formação artística?
Em primeiro lugar, foram os boêmios de São João del Rei, onde passei a minha infância ouvindo música e ligando a música ao afeto. Todo fim de semana eles estavam em minha casa, cantando até de manhã. Meu pai e minha mãe sempre saíam para fazer serenata. Eu sempre liguei a ideia de música ao fato de as pessoas estarem juntas, se amarem e estarem em um clima bacana. Em segundo lugar, tem o ambiente que eu encontrei em Brasília. Na UnB (Universidade de Brasília), com a música erudita, e nos repentistas nordestinos que conheci quando cheguei lá. Essas foram as minhas duas maiores influências.

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O Brasil mistura Xangô com Cristo, Alá com espiritismo. Todos nós somos mulatos, graças a Deus

Quais artistas gostou de escutar ao longo de sua carreira e o que escuta hoje em dia?
Muita música nordestina. Ouço também Ray Charles, os negros do blues, música da renascença, medieval e trilhas de filmes. Nada disso mudou durante todo esse tempo, eu continuo ouvindo essas coisas.

Que tal a experiência com a filmagem de Léo e Bia?
Ótima. Até hoje eu só havia dirigido teatro. Léo e Bia é uma peça que escrevi em 1983 e montei com a Isabela Garcia, e agora tive a oportunidade de filmar. Ainda estamos negociando a distribuição, mas o filme está pronto. É a história de sete adolescentes que moram em Brasília no auge da ditadura, no governo Médici, e tentam fazer teatro e viver dele. É a história deles.

Você captou recursos para a produção?
Em primeiro lugar, Léo e Bia é um filme muito barato. Ele contou com a ajuda de todo o elenco, que se apaixonou pela ideia da produção, e isso me permitiu bancá-lo sem patrocínio. Léo e Bia é um filme feito na coragem. Agora preciso fechar com uma distribuidora para que possa ter visibilidade.

Como encara o fenômeno da internet na disseminação da música?
Acho que a internet traz um mundo fascinante de informação democrática. Vamos ter a música seguindo o caminho traçado por ela própria. Em vez de boca a boca, a propaganda agora vai ser site a site. Cada pessoa vai ser dona de sua pequena tevê, seu pequeno rádio, seu pequeno jornal. Isso vai fazer um mundo fascinante, e a indústria do disco vai ter de aprender a lidar com isso.

O Brasil vive uma onda de resgate da memória musical de seus artistas. O que acha disso?

A memória é fundamental, porque é com ela que a gente aprende. Um país sem memória é um país que não consegue andar pra frente, porque ele não sabe de onde veio. O brasileiro tem de esquecer menos, não só na cultura, mas na memória nacional em geral.

E o seu programa no Canal Brasil?
Já comecei a gravar, vai ao ar no segundo semestre. Vai se chamar Filhos do Brasil e é feito com a Companhia Mulungo. Escrevi vários quadros de música, texto e coreografia baseados numa ideia de Jorge Mautner de que o Brasil é a grande solução para o terceiro milênio da humanidade, por ser um país misturado, miscigenado, sociologicamente bendito, na medida em que, por ser um país mulato, não permite fundamentalismos nem racismo exacerbado. Todos nós somos mulatos, nenhum de nós é branco mesmo, graças a Deus. O Brasil é um país que mistura Xangô com Cristo, Alá com espiritismo. No programa, eu enfoco o Brasil sobre várias áreas, de humor, de emoção… Existem tipos brasileiros, como a lavadeira e o repentista nordestino, quadros de humor. Terá também canções conhecidas, sempre abordando o Brasil pelo lado da mistura.