em transe

O direito à banda larga

Enquanto países têm aprovado leis que obrigam o Estado a proporcionar acesso à internet, o Brasil ainda convive com operadoras que nem universalizaram a telefonia fixa

Andres Stapff/REUTERS
Andres Stapff/REUTERS
No Uruguai, aluno de escola pública acessa internet com seu laptop entregue pelo governo

A Finlândia tem 338 mil quilômetros quadrados de extensão, pouco menos que Goiás e com os mesmos 5 milhões de habitantes. As semelhanças param aí. No gelado país do norte da Europa, o acesso universal à internet de banda larga é questão de cidadania. A lei finlandesa determina que a partir de julho deste ano o Estado terá de assegurar a todos o direito de navegar na web a uma velocidade mínima de 1 megabyte por segundo, com previsão de chegar a 100 Mbps em 2015. A medida segue o preceito segundo o qual a informação é direito tão fundamental quanto saúde ou educação. Mas não falta muito. O governo finlandês estima que 83% da população entre 16 e 74 anos já utiliza a internet e, destes, 80% diariamente.

Na Estônia, do tamanho do Espírito Santo e com 1 milhão de habitantes, uma lei de 2000 também tornou o acesso direito fundamental. Em 1991, após a independência da União Soviética, menos da metade dos estonianos nem sequer tinha uma linha telefônica, hoje todos têm internet. A Austrália investiu US$ 43 bilhões em seu Plano Nacional de Universalização, com conexão de fibra óptica de 100 Mbps para 90% das localidades até julho deste ano. Essa velocidade é 12 vezes mais rápida que a fornecida pelo pacote considerado mais veloz da Telefônica, com o Speedy de 8 Mbps. O modelo australiano em andamento é gerenciado por uma empresa estatal.

Também a Itália, mesmo envolta em escândalos do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, esforça-se para incluir todos os seus cidadãos neste ano. São € 800 bilhões previstos para fornecer acesso a 2 Mbps, com recursos de fontes públicas e privadas, segundo Renato Brunetta, ministro da Administração Pública. O órgão regulador das telecomunicações do país sugeriu em julho passado a criação de uma parceria público-privada para a instalação da rede de alta velocidade. Os Estados Unidos, precursores da internet e do acesso em alta velocidade, também discutem melhorias. Na campanha, Barack Obama prometeu que “todo norte-americano deverá ter a melhor forma de acesso a banda larga, não importa onde more ou quanto dinheiro tenha”. O Congresso pediu à FCC (órgão regulador que também formula políticas públicas no setor) que prepare o esboço de um plano mais amplo que o atual, que já disponibilizou US$ 7,2 bilhões para levar acesso às zonas rurais.  No caso do Brasil, onde caberiam 25 territórios da Finlândia ou 40 vezes sua população, menos de um quarto dos cidadãos tem acesso à rede mundial de computadores e apenas 5% em “alta” velocidade, menos que os vizinhos Argentina (8,8%) e Uruguai (7,6%). Considerando-se que o estado de São Paulo sozinho concentra 40% das conexões em banda larga, conclui-se que a situação no restante do país é ainda mais delicada. Isso acontece porque os serviços das operadoras de telefonia não estão adequados às necessidades dos brasileiros, especialmente nas áreas mais afastadas dos centros, seja pelo alto custo de implementação, seja pela indisponibilidade do serviço.

Até quando?

Desde meados de setembro o governo brasileiro discute com mais afinco o caminho da universalização da internet de alta velocidade no país, onde metade dos municípios está fora da rede. Existem três propostas na mesa do presidente Lula – originadas nos Ministérios do Planejamento e das Comunicações e na Casa Civil – para dar início ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).  O Ministério do Planejamento propõe uma gerência estatal. A ideia é reativar a Telebrás e utilizar as redes de fibra óptica ociosas da Petrobras e Eletrobrás, incluindo Furnas, que somam 31.448 mil quilômetros de extensão e alcançam 75% dos municípios. Também aventa a possibilidade de usar a rede da Eletronet, empresa falida que possui 16 mil quilômetros de fibras. Com a proposta, o Estado poderá concorrer com os serviços privados já existentes e oferecer o serviço ao cidadão onde houver mais carências, se assim desejar.

O ministro Hélio Costa, das Comunicações, entregou em dezembro documento de 197 páginas em que propõe gerência privada do PNBL. O governo entraria com investimentos públicos e incentivos fiscais e forneceria as redes de fibra óptica das estatais para as empresas privadas fomentarem a universalização do acesso. O plano pede R$ 75 bilhões de investimentos públicos e privados nas redes nos próximos quatro anos, para que 50% dos domicílios tenham acesso de até 1 Mbps.  A Casa Civil defende um modelo misto. A Telebrás atuaria como gerente da nova rede, a serviço de centenas de pequenos provedores incumbidos de levar a conexão ao usuário final. As discussões têm suscitado uma celeuma especulativa tanto nos noticiários quanto nos debates – técnicos e políticos – sobre qual deve ser o projeto mestre da universalização digital. Ao presidente da República cabe a decisão final. Leia na página seguinte entrevista em que o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcos Dantas, professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias, analisa essas propostas.