Internet

Não é normal

Sud Mennucci (SP) é exemplo para as discussões do acesso à internet no país

Wilson Martins Ferreira

Em Sud Mennucci a internet é parte do dia a dia, um serviço público gratuito a que todo cidadão tem direito

“Não podemos dizer que não somos famosos, ou que esta cidade do interior paulista não faz a diferença, pois fomos a primeira a se tornar cidade digital (Wi-Fi) no Brasil, fato inédito. (…) cidade pequena, pacata, calma, mas grande em tecnologia.” O texto a estudante Juliana Buzetti fez quando estava na 4ª série da escola municipal Professor Victor Padilha, há três anos, e começou a ver a tecnologia como “chave para as portas do conhecimento, da sabedoria e do mundo”.

Da rodoviária da Barra Funda até a seta que indica o último quilômetro a ser percorrido (de um total de 614 desde a capital) na estrada Feliciano Alves da Cunha (SP-310) para chegar a Sud Mennucci lembra a do cursor do mouse.

No desembarque, 6 da manhã na vizinha Pereira Barreto, o calor já castiga os desavisados. A banca da rodoviária ergue as portas. As primeiras bicicletas circulam. Os 7.700 habitantes da cidade cercada por plantações de cana-de-açúcar e com pouco mais de 50 anos de história podem ver o rio Tietê passar limpinho antes de encontrar o rio Paraná onde reina o Tucunaré.

Na padaria, à espera do café preto e o pão na chapa, o secretário de Desenvolvimento Econômico e Social, Marcos Izumi Okajima, 41 anos, engenheiro agrônomo de formação, explica: “Todos os moradores podem ter, em casa ou em locais públicos, acesso grátis à internet”. O usuário precisa ter o computador. E pagar R$ 300 por uma antena receptora e um kit básico para se conectar, sem pagar provedor nem mensalidade. 

Todos se conhecem, e os curiosos reconhecem o “forasteiro” acompanhado do fotógrafo da região. “Você veio ver a internet também?”, indaga a dona do bar defronte à praça. Até 2002 não existia provedor comercial nem cobertura das teles. A única opção era o acesso à web via discagem interurbana, que, além de lenta, encarecia os trabalhos da prefeitura. O jeito foi reduzir despesas criando uma rede própria, voltada para a gestão municipal. As contas mostraram que a fibra óptica era inviável e vingou o Wi-Fi no município com pouco mais de R$ 20 milhões de orçamento anual.

O investimento começou com R$ 18 mil em antenas, servidores e rádio, e chegou a R$ 100 mil ao final de 2008. A abertura do sinal para a comunidade em 2003 e a atenção da mídia deram visibilidade à cidade. “Até então não sabíamos quão importante é esse negócio de as pessoas poderem acessar a internet”, esclarece Okajima. Em Sud é normal para o cidadão ter internet de graça. “Só que para fora daqui não era”, pondera o secretário. A antena instalada ao lado da prefeitura envia o sinal para 1.510 pontos cadastrados, mais de 75% das residências. As secretarias municipais estão interligadas numa intranet com rádios de frequência 5,8 GHz e a comunidade na frequência 2,4 GHz. O sinal de rádio sai da torre principal e chega à antena receptora, o adereço mais visível nos telhados das casas. Até no distrito de Bandeirantes, a 22 quilômetros, a antena enfeita a residência de madeira à margem da rodovia. A da igreja fica junto  ao sino. O padre Sebastião Alástico usa o serviço diariamente. “Entro na página da CNBB e faço pesquisas para dar suporte às minhas pregações”, conta. “A ideia é louvável, mas anda sobrecarregada”, provoca.  

A prefeitura admite o problema na qualidade de distribuição de sinal. “Nos picos de acesso simultâneo o sinal fica ruim. A gente vai descentralizar e colocar outras antenas ao redor da cidade para descarregar a central, porque a banda de sinal é suficiente”, explica Rogério Nogueira Campos, responsável pela Infraestrutura. Com a melhora do sinal, os downloads e uploads a 64 kbps poderão chegar a 128 kbps, suficientes para baixar músicas, ver vídeos e usar o Skype. 

As discussões em voga sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com vistas à inclusão digital, podem mirar no exemplo de Sud. “Tudo que a gente fez foi no bom senso, sem muita estrutura, com orçamento próprio”, discursa o prefeito Celso Junqueira (PSDB), que vê com bons olhos o esforço do governo federal.

Wilson Martins FerreiraVainer
Vainer cobra apenas o aluguel dos computadores

Impactos

A cidade prospera com a tecnologia. O comerciante pressionado pelo cliente que viu item mais barato na internet pressiona o fornecedor a fazer preço menor. Três empresas de informática dão manutenção aos computadores. Eletricistas autônomos instalam e concertam antenas. A manicure agenda horários por e-mail e os mensageiros instantâneos antecipam as fofocas. O site da prefeitura divulga a campanha contra a dengue e a população comenta. As três escolas públicas, duas municipais e uma estadual, são equipadas com 60 computadores, e 2 mil alunos podem navegar todos os dias. Nas horas vagas, principalmente à noite e nos fins de semana, o uso é extensivo a toda a população, com direito a monitores treinados para ajudar os usuários. Além disso, na biblioteca municipal e no telecentro com dez computadores o acesso é livre.

Com as pessoas frequentando a biblioteca, o empréstimo de livros cresceu 25%. A cidade gasta R$ 8 mil por mês com as operadoras que fornecem o sinal. A média, que era de R$ 28 mil com ligações, agora é compensada com transações do Departamento de Compras por meio eletrônico e parte dos telefonemas feita com o programa de ligações gratuitas por computador. A prefeitura tem perfil no Twitter e anunciou na última postagem que vai ter oportunidade de emprego na cidade com o Censo 2010 do IBGE.  Duas lan houses surgiram. Em uma delas, o proprietário, Vainer Robson de Conte, utiliza o sinal gratuito da prefeitura e só cobra o uso do computador: “R$ 2 por hora”. Com o “aluguel” gerado pelos 200 visitantes por semana paga as prestações dos seis computadores.  As transações bancárias – a cidade possui apenas duas agências – foram facilitadas e na unidade dos Correios o carteiro já não dá conta de tanta encomenda que chega. A funcionária diz que a agência teve de adquirir uma moto com baú para agilizar o serviço e que é preciso mais funcionários.

A maior parte dos computadores na cidade é de mesa, mas a população tem migrado para os portáteis

A internet ajuda na educação. “O professor fala sobre um assunto hoje, amanhã os alunos trazem um mundo de coisas a respeito, e isso impulsiona a formação do professor”, avalia Sandra Valeria Muniz, secretária de Educação. A coordenadora dos laboratórios, Sandra Rodrigues, relembra: “Uma professora veio me falar que estava orgulhosa dela. Há três anos, na primeira aula de informática, quando eu disse ‘vamos ligar o computador’, ela pensou: ‘Meu deus, onde que eu vou apertar?’. E hoje ela já consegue fazer um site”.  A maior parte dos computadores na cidade é de mesa, mas a população tem migrado para os portáteis. Duas turmas de técnicos de informática se formaram e 90% têm emprego garantido na região. A escola da menina Juliana está entre as mais bem colocadas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O curso Básico de Informática da comunidade já formou 240 cidadãos. Existem dois cursos privados. Na Saúde, por conta da integração virtual entre as secretárias, toda a população está monitorada no Cadastro Único do Cidadão. “A gente sente no depoimento da professora, na postura do aluno, no churrasco do fim de semana, as pessoas falam com orgulho da cidade”, diz Sandra Rodrigues. Segundo Celso Junqueira, a cultura local era muito apoiada no paternalismo. “O emprego na usina ou na prefeitura já não são a única alternativa”, acredita o prefeito. O sonho, conta Rogério Campos, da Infraestrutura, “é melhorar a tecnologia cobrindo 100% com banda larga de alta velocidade”.   

Está chegando a hora de tomar a fresca no banco da praça. Mesmo com as limitações enfrentadas nestes seis anos, o município lapidou sua “chave do conhecimento”, como citou a menina Juliana em sua redação. E são muitas as lições mostradas na prática, num único dia. João Fernando Nogueira, 21 anos, morador e técnico em informática, empresta o laptop. O sinal não está dos melhores, mas permite dar uma espiada no e-mail antes de pegar a estrada de volta.

Campo sem limites

Francisca

A estrada de terra a caminho da zona rural é margeada pela plantação de cana. Alguns quilômetros adiante, e o carro encosta no gramado. “Dona Francisca?”, chama o repórter. As dez vacas à direita da entrada do pequeno sítio olham curiosas. No telhado, a antena! “Aqui tem internet?”, surpreende-se o fotógrafo. Francisca Cardoso dos Reis, 70 anos, sorri. “Estava fazendo sabão”, diz. Os três cômodos da casinha são simples, divididos entre o marido, Constantino, 80 anos, e a filha, Sonia, 47, que tem deficiência mental. O outro filho, André Rodrigues dos Reis, 29 anos, está um pouco mais longe, no Japão. “O André é um presente mesmo. Menino esforçado e estudioso. Sempre quis voar!”, diz do filho que se formou em agronomia, aprendeu inglês e japonês, sempre com o apoio dessa cearense de Missão Velha. Desde 1974 no mesmo pedaço de chão, Francisca vive da sua aposentadoria e da do marido, mais o pouco que recebe com arrendamento de terras. “Quando vi que o André ia mesmo embora, decidi entrar na informática e aprendi a navegar.” Aprendeu mesmo. E ganhou o computador do filho, que em Tóquio faz seu Ph.D. em Engenharia Ambiental. “Não é tão difícil como se pensa”, brinca. O minuto de uma ligação telefônica para o Japão custa, em media, R$ 1,40, mas, com o sinal de internet gratuito via rádio que chega ao sítio, Francisca mata as saudades do filho no Oriente. “A gente fala no mesinger. Ainda hoje nós conversamos um bocado”, diz. E da primeira vez a gente não esquece. “O que a senhora achou, mãe?” “Eu acho que entrei num campo sem limites”, teclou de Sud ao Japão.