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Acesso de alta velocidade tem de ser socializado

Marcos Dantas, especialista em telecomunicações e professor da UFRJ, defende o emprego de recursos de regiões onde as teles têm lucro naquelas onde operadoras não querem investir em banda larga

rodrigo queiroz

Para analisar as possibilidades do Brasil de proporcionar acesso mais rápido à internet para mais gente, como forma de assegurar seus direitos de cidadão num mundo em que a informação é valiosa, a reportagem conversou com Marcos Dantas, professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dantas é doutor em Ciência da Informação pela ECO-UFRJ. Foi secretário de Educação a Distância do MEC (2004-2005) e secretário de Planejamento e Orçamento do Ministério das Comunicações (2003). Atualmente é integrante da União Latino-Americana de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura e da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação. Também trabalha como consultor e na produção de artigos científicos em sua área.

Qual a importância de ter internet de alta velocidade, fomentada pelo governo, em todos os municípios brasileiros? 

O único serviço de comunicação realmente universalizado no Brasil é a televisão aberta, que compreende 90% dos lares do país. A televisão aberta é um meio unidirecional de comunicação. Você só vê e escuta. Você não fala. Não devolve. Com a evolução que vem ocorrendo por conta da internet, a comunicação precisa ser interativa – e só a banda larga pode confluir para essa evolução. Se não tivermos um programa público de universalização da banda larga, vamos ter parte da sociedade brasileira usufruindo todos esses benefícios e outra parte excluída, apenas assistindo passivamente à TV. A televisão levou mais de 40 anos para se universalizar. Vamos aguardar 40 anos ou mais até para universalizar a banda larga? Ou vamos ter uma política pública agressiva que permita num prazo razoável, de 10 a 15 anos, ter banda larga em todos os lares?

O senhor tem acompanhado as discussões em torno dos projetos para o Plano Nacional de Banda Larga. Dois deles falam em criar uma estatal, reativar a Telebrás, para gerenciar o plano, semelhante ao que ocorre na Austrália. Qual a sua avaliação?

A Telebrás exerceu um papel importantíssimo no passado e, ao contrário do que dizem, foi completamente exitosa. A empresa fez a única revolução que já foi feita nas telecomunicações deste país. Até os anos 1970, em termos de telecomunicações, estávamos perto do zero – e a Telebrás nos tirou do zero. O que se fez depois foi em cima de uma infraestrutura que ela proporcionou. Portanto, o Estado brasileiro executou muito bem essa tarefa, e nada impede que venha a executar novamente. Por outro lado, esses tipos de proposta podem acabar sendo favoráveis às empresas privadas. Por quê? Ora, elas são concessionárias exatamente porque têm obrigações de serviço público, têm de obedecer por contrato a um conjunto de exigências do Estado e da sociedade – incluindo universalizar as telecomunicações com qualidade. Se você cria uma estatal, você diz “a partir de agora você não precisa mais cumprir essa obrigação de concessionária”. Defendo que as empresas concessionárias devam ser cobradas e obrigadas pela sociedade a cumprir suas obrigações. Hoje, elas nem sequer universalizaram a telefonia fixa.

Não acredito que um governo que tenha o ministro das Comunicações que tem possa esperar por uma estatal (de serviço de banda larga) melhor

Mesmo com a privatização, os serviços de banda larga continuam longe do ideal, e ainda falta concorrência. De um lado, o serviço não melhora, de outro, a Anatel não soluciona os gargalos.

Não podemos esquecer que todos os diretores da Anatel foram indicados pelo atual governo. Então, o governo tem alta responsabilidade na incompetência da Anatel. O que me assegura que uma estatal também indicada pelo governo que não conseguiu indicar dirigentes competentes para a Anatel possa ser melhor? Não creio que um governo que tenha o ministro das Comunicações que tem possa ter uma estatal melhor. O problema da Anatel hoje, depois de oito anos de administração Lula, pode ser completamente debitado ao governo, que teve oportunidade de mudar e não mudou. 

Nas três propostas aventadas para o plano há possibilidade de utilização das linhas estatais de fibras ópticas ociosas. É uma solução interessante?

O problema fundamental da universalização não é o tronco, é a chamada última milha (usuário final). Essa fibra óptica das estatais não tem a última milha, forma apenas um tronco. Você teria de construir uma imensa infraestrutura para chegar à casa das pessoas. As operadoras concessionárias já têm a base da infraestrutura. Então, como o problema é a disseminação, a capilarização da rede, essa infraestrutura estatal não resolve. Você vai precisar ou fazer o acordo com as concessionárias e com pequenos provedores, ou fazer um investimento brutal para capilarizar sozinho a rede.

Qual das três propostas (Ministério das Comunicações, do Planejamento ou Casa Civil, veja texto à página 19) o senhor vê como o caminho possível?

A proposta da Casa Civil parece ser a mais razoável, embora eu não veja por que usar essa infraestrutura estatal se as concessionárias já têm seus troncos instalados. Essa infraestrutura estatal deveria ser usada exclusivamente para a rede fechada do serviço público, até por razões de segurança nacional. Hoje, quando você manda um e-mail da Presidência da República para um ministro, esse e-mail passa por dentro da rede das concessionárias ou de outras empresas, fisicamente falando, e está sujeito a todo tipo de invasão, vírus, hacker, mesmo com essa criptografia toda que existe. Então, apenas para os órgãos públicos o investimento se justifica. Eu ainda penso que a melhor solução para universalizar a banda larga, já que o modelo hoje é esse – a não ser que a gente esteja falando de uma completa revisão do nosso modelo, reestatizar tudo, e não parece essa a discussão –, é recuperar, fortalecer o princípio de serviço público, que pode ser prestado por empresas privadas. O ônibus, o transporte coletivo urbano é um serviço público prestado por empresa privada. Recuperar, insistir nele vai implicar por um lado, claro, criar a lei que permita isso. O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust, composto de 1% das receitas das concessionárias) pode ser usado para subsidiar a conta da banda larga. E, claro, a Anatel precisa começar a funcionar. 

As operadoras não levam internet de alta velocidade para os municípios que hoje estão longe de se conectar devido a altos custos de infraestrutura que não seriam revertidos em lucro. Qual a saída?

Essa questão do lucro, veja bem, isso sempre foi sabido. Por isso é que foi criado o Fust, não é nenhuma novidade. A própria Telebrás só operava com lucro na Embratel (estatal então responsável pelas ligações interurbanas) e em algumas regiões do Brasil, o resto dava prejuízo. O que se fazia? Ela pegava parte do lucro nas regiões lucrativas, sobretudo da Embratel, e transferia para onde dava prejuízo. Isso aí não tem novidade. Porque não tem novidade foi criado o Fust, que deveria cumprir esse déficit. Só que nunca foi posto em prática. Agora, seu argumento é correto. 

Alguns países transformaram o acesso à informação, inclusive pela internet, em direito tanto quanto saúde e educação. Aqui seria só mais uma lei não cumprida se existisse algo semelhante?

Acho que todo mundo tem de ter direito a internet, sim. O problema é custo. Ao garantir que todo cidadão tenha direito a saúde, por exemplo, o país criou um sistema chamado SUS, que funciona com as suas qualidades e os seus defeitos. Alguém tem de pagar a conta do SUS, certo? Isso vale para a internet também, levando-se em conta o tamanho do país e sua população.