viagem

De volta à Rio-Santos

Nos 525 quilômetros entre a Baixada Santista 
e o Rio de Janeiro está um dos trechos mais belos do litoral brasileiro

Vander Fornazieri

Surfistas pegam onda ao pôr do sol na pequena praia da Juréia, entre Boraceia e Barra do Una

O  Brasil desfruta de mais de 7 mil quilômetros de praias, mas não precisa ser especialista nem mochileiro profissional para afirmar com autoridade: seguir pela Rio-Santos (BR-101 e SP-055), ou vice-versa (passando por Bertioga, São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba, Paraty e Angra dos Reis), é experiência única e inesquecível. A viagem contempla opções para dois dias, uma semana, uma vida. Com planos ou sem.

No trevo de acesso a Bertioga já se pode começar a entrar no clima com os famosos pastéis que recebem o nome da localidade e concorrem com o restaurante Dalmo, o Bárbaro, um pouco antes. Em seguida, junto ao rio Itaguaré, perfila-se uma sequência de restaurantes especializados em frutos do mar. Depois de passar pela Riviera de São Lourenço (e passe reto mesmo!), Jureia e Guaratuba, em Boraceia está a linha imaginária que separa Bertioga de São Sebastião. As praias largas, extensas e de areia batida logo vão dar lugar às de faixas estreitas, com areia mais fofa, e mais curtas.

Onde se hospedar na primeira noite? Barra do Una é tranquila e romântica. E próxima de Baleia e Barra do Saí, boas para começar o dia. Se preferir ambiente mais festeiro, Camburi e Maresias estão logo ali. E com Boiçucanga no meio. As três com boas opções de pernoite ou aurora. Os balneários são charmosos e relativamente bem-cuidados – pela quantidade de gente que recebem… Há restaurantes para todos os gostos e bolsos, e os imperdíveis sorvetes do Rochinha.

Daí em diante, uma manhã, uma tarde ou um dia – ou mais – em Paúba, Santiago, Toque-Toque Pequeno ou Toque-Toque Grande não vai deixar ninguém achando que perdeu tempo. Ao contrário, é tempo bem investido, antes de chegar à orla central de São Sebastião, cujo maior trunfo é a passagem para Ilha Bela – onde também se pode “perder” um dia ou mais –, além da vista dos grandes navios que trafegam por ali.

Entre São Sebastião e Ubatuba, passando por Caraguatatuba, os balneários centrais convidam a só parar se for estritamente necessário. A intensa movimentação urbana quebra o barato. Entre Caraguá e Ubatuba, as praias de Fortaleza (a 7 quilômetros da Rio-Santos) e Domingas Dias (escondida atrás de um condomínio que tem passagem para a do Lázaro) valem uma pausa para a foto, esticar as pernas, molhar os pés. Em Ubatuba, apesar da alta densidade demográfica, ainda é possível se surpreender com a sombra da Vermelhinha do Centro e o sossego do Cedro.

O ponto alto, entretanto, está entre Ubatuba e Paraty: nas ondas de Itamambuca, na cachoeira que antecede Prumirim, na tranquilidade selvagem de Ubatumirim e Picinguaba, no Estaleiro do Padre, Almada, Engenho e Fazenda, no verde mar de Trindade, no casario e na história de Paraty. Ubatumirim é ótima para caminhadas e para pessoas da terceira idade ou com dificuldades de mobilidade. Todo o trecho é repleto de trilhas para fazer a pé ou de bike, visitas e passeios de barco para as ilhas que se multiplicam e mirantes incríveis, como o da serrinha que leva à Almada. Em diálogo com essa diversidade, comunidades quilombolas, indígenas e de pescadores marcam presença com sua cultura, artesanato, culinária, entre outras riquezas.

E o que levar para leitura de viagem? Romances? Aventuras? Livros de história sobre o Império ou o século 20? Bem, qualquer que seja sua escolha para entrar no clima, um item não pode faltar: um bom guia, que ajuda bastante a encurtar caminhos.

Barra do Una

De perto…

Famosa por suas mansões, festas e iates, Angra dos Reis é um dos pontos mais controversos no trajeto e hoje parece servir mais a quem está nos barcos ou nas ilhas. Mas o trecho entre Paraty e Angra e suas vistas panorâmicas são de perder o fôlego. Em Angra, Mambucaba, onde a Trilha do Ouro vindo de Minas se encontra com o litoral, é ponto de partida para caminhadas e cachoeiras encantadoras na Serra da Bocaina.

Saindo dali, os congestionamentos na chegada à Região Metropolitana do Rio e aos bairros de ares decadentes destoam. Para essa reta final vale, aliás, se informar antes sobre as condições da rodovia, que em boa parte passa por obras de duplicação e melhorias. E, chegando ao Rio, escolha a canção mais apropriada como fundo musical desse momento que vale como um troféu. Ou melhor, uma taça, e um brinde à Cidade Maravilhosa.

Claro, entre uma taça e outra você provavelmente poderá rever algumas passagens da jornada que o fizeram lembrar de temas atuais como conflitos pelo uso da terra, degradação ambiental, especulação imobiliária, particularização de ilhas e praias por grã-finos e seus condomínios de luxo. E provavelmente vai se perguntar também por que não descobrimos os conceitos de turismo e ocupação sustentável há pelo menos uns 40 anos. Tudo bem, o paraíso ainda não está de todo perdido. Temos toda a eternidade pela frente para tentar dar aos nossos filhos e netos a oportunidade de constatar a mesma coisa. 

Colaborou Patrícia Cardoso