A batalha pela comunicação do futuro

Conferência Nacional de Comunicação mobiliza vários interesses. Grandes impérios a boicotam. Outra parcela das empresas está lá para defender seu quinhão. E setores sociais que há anos lutam pela democracia querem fazer dela semente de uma nova mídia

Movimentos sociais não sabem se sairão de Brasília com uma plataforma de avanços. Mas são quase unânimes em dizer que o próprio processo em que vem se desenrolando a Confecom é uma conquista

A partir desta segunda-feira (14), este Blog da Confecom traz informações diretamente da capital federal. A cobertura completa da I Conferência Nacional da Comunicação também tem a participação da Rádio Brasil Atual, que transmite ao vivo debates e entrevistas até o fim do evento, na próxima quinta-feira (17).

Para ler mais a respeito, confira o post inaugural do blog e, abaixo, a reportagem da edição 42 da Revista do Brasil.

 

Nove famílias e grupos empresariais controlam 80% das concessões de canais de TV no Brasil. A lei que rege o modelo de concessões públicas tem mais de 40 anos, e ainda assim é sistematicamente desrespeitada. E o atraso não se restringe à política de concessões.

Internet, telefonia móvel, funcionamento de rádios comunitárias, distribuição de verbas de publicidade dos governos a veículos impressos e eletrônicos, enfim, tudo o que tem a ver com o direito à produção e ao acesso à informação funciona debaixo de uma legislação ultrapassada pela velocidade das transformações nos meios de informação nos últimos anos.

Diante desse cenário, organizações atuantes na luta pelo direito à informação cobraram, desde o início do governo de Lula, a convocação de uma Conferência Nacional da Comunicação (Confecom). Em fevereiro deste ano o pleito foi atendido. O Ministério das Comunicações programou o evento em Brasília, com a participação do presidente da República, confirmada para as 19h desta segunda-feira (14). Os debates vão até a próxima quinta-feira (17).

Será o desfecho de uma série de etapas municipais e estaduais em que representantes da sociedade civil, dos empresários e do poder público desencadearam debates regionais e designaram delegados à derradeira etapa nacional.

Os movimentos sociais não sabem se sairão de Brasília com uma plataforma de avanços rumo a uma legislação mais moderna e democrática. Mas são quase unânimes em dizer que o próprio processo em que vem se desenrolando a Confecom não deixa de ser um grande avanço.

Segundo Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), a comunicação merecia um evento do porte de uma conferência há muito tempo, a exemplo do que ocorre com outros temas. “As conferências são uma forma de criar um diálogo entre a sociedade, organizada nos movimentos e empresários, com o poder público, tanto no Executivo quanto no Legislativo”, explica.

A primeira conferência nacional realizada no país foi a de saúde, em 1941. O princípio foi adotado durante mandatos de diferentes presidentes para temas como direitos humanos, assistência social e questões indígenas. Mas foi durante o governo Lula que um maior número de conferências foi convocado: das cidades (2003 e 2005), do esporte (2003 e 2006), de mulheres (em 2004 e 2007), do meio ambiente (2003 e 2005), da igualdade racial (2004), da cultura (2005), de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros (2008), da segurança pública (2009).

Elas podem determinar o que os governos terão de fazer? Não necessariamente. Mas qualquer instância de governo minimamente preocupada em formular políticas públicas para essas áreas saberá exatamente o que pensam e o que propõem os setores sociais mais especializados em cada uma delas.

Seu princípio é definir diretrizes ao Legislativo e ao Executivo na formulação de leis e políticas públicas. Mas, entre o debate nas conferências e a implementação de ações governamentais, há um distanciamento que envolve a necessidade de pressão da sociedade.

 

Peculiaridades

O processo da Confecom teve diferenças em relação aos anteriores. Uma delas, segundo Carolina Ribeiro, do Coletivo Intervozes, foi a desproporção de delegados para cada setor. Empresários e sociedade civil tiveram 40% do total cada um, enquanto o governo concentrou os 20% restantes. “Isso limita as perspectivas para a conferência, porque deve haver dificuldade para fazer passar resoluções pela democratização do direito à comunicação”, avalia Carolina.

O peso garantido aos empresários nos debates também é desproporcional. Além disso, depois de conseguir retardar a convocação da conferência, por muito lobby no Ministério das Comunicações, o setor aparentemente se dividiu. Empresas de telecomunicações e grandes grupos de rádio e TV não falam a mesma língua. O segundo está perturbado com o interesse do primeiro em distribuir (e produzir) conteúdo para seus clientes, o que representa uma ameaça real à hegemonia dos meios convencionais – basta lembrar que 82% dos domicílios do país já possuem telefonia fixa ou móvel.

Na formação da comissão organizadora da Confecom, depois de meses de discussões, entidades ligadas a emissoras de rádio e televisão, provedores de internet, TV por assinatura, jornais e revistas se retiraram do processo alegando dificuldades de diálogo com “outros segmentos”. Leiam-se as teles, que permaneceram firmes, de olho em resoluções que possam abrir caminhos. E grupos ligados à Rede Bandeirantes, Rede TV! e a rádios do interior também ficaram. Mas, apesar de parcela das empresas terem pulado do barco, o peso do setor permaneceu inalterado. Isto é: quatro em cada dez delegados da etapa final da Confecom terão sido indicados por eles.

“Se a mídia acha que todos na sociedade têm de prestar contas, por que as próprias empresas se recusam a participar de um debate sobre políticas públicas para o setor?”, questiona Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT. Em novembro, ela defendeu em artigo a criação de uma CPI da Mídia, já que jornais, rádios e TVs promovem, em sua visão, campanhas de criminalização dos movimentos sociais, assim como veiculam denúncias sem provas – que se tornam base para pedidos de comissões parlamentares de inquérito no Congresso Nacional –, mas se recusam a qualquer debate.

O comportamento dos principais meios de comunicação de tentar esvaziar a Confecom produziu outro desafio para seus defensores. Enquanto em outras conferências deputados e senadores engajam-se nas etapas preparatórias, de olho em boas ideias de projetos de lei para sua área de atuação – e para ficar bem na foto em suas bases eleitorais –, quando o assunto é comunicação, são raros os parlamentares dispostos a participar. Mesmo entre os críticos, muitos ainda temem peitar os impérios.

Além de não cobrir a Confecom – a exemplo do que ocorre com outras conferências –, a mídia deve até combater propostas de defesa do direito à comunicação, à transparência e ao controle social. Habituou-se a qualificar de “censura e cerceamento da liberdade de expressão” tudo que questione seus métodos de confundir informação com interesses políticos e/ou econômicos.

Tornar prática alguma diretriz de conferência já demandará pressão social. Antes, porém, será preciso furar a cortina de silêncio com que a mídia convencional tentará afastar a opinião pública do que se discutirá ali. Mais uma tarefa para os blogueiros, sites, canais de rádio e TV comunitários e veículos impressos independentes que, como formiguinhas, vêm se multiplicando nos últimos anos e têm conseguido perturbar o piquenique dos barões da velha imprensa.

 

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