Ponto de Vista

Mudar a lógica da vida

De vez em quando o mundo envelhece, e precisa
 de uma revolução para rejuvenescer. A vigilância 
rigorosa do Estado sobre operações financeiras é
 necessária, mas isso por si só não basta

Uma revolução não significa, necessariamente, multidões armadas. Na verdade, as armas podem mudar os governantes de uma nação ou de um império, mas não bastam para mudar as sociedades. As grandes revoluções são as das ideias, religiosas ou profanas, que conduzem os homens a pensar de outra maneira, a viver de outra maneira. Nas revoluções, armadas ou não, sempre se perdem algumas coisas e se ganham outras.

A maior revolução da História foi a do Cristianismo. As ideias de Cristo, simples e diretas, eram as do amor e da solidariedade entre todos os homens. Apesar de seu glorioso início, o Cristianismo, ao organizar-se em igrejas, perdeu seu ímpeto, e os cristãos verdadeiros continuam buscando realizar “o reino de Deus na Terra”. Depois da Queda do Império Romano – que constituiu outra revolução –, a Igreja Católica assumiu o domínio da Europa e instituiu o feudalismo, impondo a desigualdade entre os homens.

Essa ordem do feudalismo durou até o século 15, quando ocorreu o Renascimento. A Igreja se perverteu na opulência e nos desmandos dos papas, principalmente três deles (Rodrigo Borja, Giuliano della Rovera e Giovanni de Medici), que governaram com os nomes de Alexandre VI, Júlio II e Leão X. Surgiu então a Reforma Luterana, como oposição aos desmandos da Igreja. Durante os três papados, mas sobretudo no de Leão X, a Igreja estava atrelada ao sistema financeiro de então, dominado pela Casa Fugger, de banqueiros alemães, que tinham um contrato com o Vaticano para administrar o dinheiro obtido com a venda de indulgências. Lutero foi contra esse mercantilismo. A Reforma Protestante significou, naquele momento, uma revolução. Mas, enquanto os protestantes obtinham suas posições na Alemanha, com Lutero, e nos países do norte europeu, com João Calvino na Itália e na Espanha ocorria a contrarrevolução. Mesmo antes que surgisse Lutero, a Igreja procurava impor-se diante de algumas ideias revolucionárias.

Outra grande revolução foi a do Iluminismo, essa de caráter intelectual, que conduziria à Revolução Francesa, no século 18. Tudo o que ocorreu nos séculos 19 e 20 resultou do grande movimento que combinou o pensamento com a luta política. Não foi uma revolução pacífica: centenas de milhares de pessoas foram decapitadas durante o período de terror. A Revolução Francesa impôs o reconhecimento dos Direitos Humanos, embora eles não sejam respeitados devidamente até hoje.

O mundo está novamente velho, porque o sistema capitalista, surgido da Reforma Protestante e do Iluminismo, exagerou de tal forma que se tornou inviável. A destruição da natureza chegou ao limite. Não podemos continuar na era do automóvel. Dentro de algum tempo será impossível manter ruas e estradas em que possamos trafegar. Não teremos mais espaço para avenidas, viadutos e grandes rodovias. A crise surgida em setembro, com a quebra de grandes bancos norte-americanos, não é apenas financeira. Não basta emitir dinheiro – o que o governo de Washington está fazendo –, a fim de sustentar banqueiros incompetentes e ladrões. Toda a ordem econômica mundial terá de ser substituída. De acordo com o presidente do Banco Central norte-americano, Ben Bernanke, é necessária a vigilância rigorosa do Estado sobre as operações financeiras, mas isso por si só também não basta. É preciso mudar a lógica da vida.

Por mais sofisticada seja a explicação dos economistas e dos chamados “cientistas políticos”, a origem dos desajustes econômicos se encontra na brutal desigualdade social. Desigualdade entre as regiões do mundo (a renda de um alemão corresponde à de mais de cem africanos) e dentro das sociedades nacionais, a começar pelos Estados Unidos. Foi essa desigualdade que conduziu à crise de 1929 e à atual crise. Tanto lá como aqui as vítimas eram as mesmas: os trabalhadores, que são os únicos que criam riquezas. Uma revolução virá, e em prazo curto em termos históricos, porque é necessária. Só não sabemos como e com qual intensidade.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980