entrevista

O grande Mano

Para o técnico que devolveu com dignidade mais um clube tradicional à elite do futebol, o Corinthians de 2009 está melhor que o seu Grêmio de 2005, que subiu, conquistou o estadual e uma vaga na Libertadores

daniel augusto jr./agência corinthians

Luiz Antonio Venker Menezes virou Mano logo em seus primeiros dias de vida em Passo Sobrado, interior gaúcho. A irmã, um ano e um mês mais velha, só o chamava assim e o apelido pegou. Foi como Mano que ele tentou a sorte como zagueiro do modesto Guarani de Venâncio Aires, ainda no Rio Grande do Sul. Mas logo percebeu que não teria sucesso dentro das quatro linhas e largou tudo, ainda jovem, para cursar Educação Física. O sobrenome Menezes, diz, incorporou para dar ao nome de técnico um pouco mais de “pompa”. O dicionário Houaiss define também a palavra “mano” como aquele com quem se tem relação de afeto, de intimidade, de amizade; amigo, camarada, colega; com quem se divide uma empreitada.

E assim tem sido a relação de Mano Menezes não apenas com seu time, mas também com a segunda maior torcida do país. É o resultado de sua decisão, já que chegou a ser sondado por clubes competitivos da Série A e do exterior e preferiu o desafio de dirigir um time em um dos momentos mais tristes de sua história. Missão que chamou logo em seu primeiro dia de trabalho de projeto mais importante do futebol brasileiro em 2008.
No Parque São Jorge, Mano, mais que treinador, foi fundamental na montagem do elenco. Aberto ao diálogo, conquistou a confiança dos jogadores. Quando precisou, em nome do bom ambiente de trabalho, não titubeou em afastar o goleiro Felipe do time. Mano não se ilude. Sabe administrar excessos de otimismo e de pessimismo. É frio diante da empolgação e é capaz de ver algo positivo em situações de desespero. Agora, uma vez recuperado em grande estilo o orgulho corintiano, Mano quer ser campeão na elite. E garante: “O Corinthians está mais preparado do que estava o Grêmio (que dirigiu na Série B, em 2005)”.

Você escolheu o Corinthians porque considerava naquele momento o mais importante projeto do futebol brasileiro para 2008. E agora, saboreia a sensação de dever cumprido?
Sim, porque se tratava de tirar um dos maiores clubes do Brasil da segunda divisão. E fazer parte de uma reestruturação, começar o trabalho do zero, ter a oportunidade de fazer isso como técnico e participar deste retorno à primeira divisão, sem dúvida, é um grande feito. Torcedor valoriza muito profissionais que no momento mais difícil fazem parte de uma campanha como a que fizemos.

É diferente mesmo trabalhar no Corinthians como tanto se diz por aí?
Há diferenças para o lado positivo e para o lado negativo. Desde muito cedo enfrentei essa diferença, que em determinados momentos servia para justificar uma certa desorganização, para não enfrentar o problema da forma como entendemos que deveria ser enfrentado. Mas é diferente também no aspecto positivo. A força do clube pelo seu torcedor, pela maneira como ele ajuda a equipe e tenta fazer a sua parte. Em determinados momentos vai até além, mas é só o espírito de querer ajudar.

O Grêmio que você dirigiu na Série B em 2005, no ano seguinte ganhou o Gaúcho e uma vaga na Libertadores. Se o Corinthians de hoje está mais preparado do que aquele Grêmio, como você diz, o que dá para esperar?
Se o Corinthians continuar fazendo tudo bem-feito como fez nessa primeira parte poderá chegar até mais longe. Futebol é assim: você precisa continuar fazendo bem-feito. Foi bom, mas a temporada acabou. Vem aí uma seqüência de trabalho que é tão difícil quanto fazer a primeira parte. Talvez mais.

Hoje você tem uma base que antes não tinha. Quais as dificuldades para encontrar jogadores adequados para as necessidades que ainda tem?
Não é só a questão financeira. A dificuldade de contratar em quantidade é ter pouco tempo para dar entrosamento, para fazer os jogadores se conhecerem e formar uma equipe deste grupo. O lado bom, quando você precisa contratar em quantidade, se é que existe um lado bom, é que os jogadores médios estão no mercado em maior número. Já no quesito qualidade, encontrar o jogador certo é mais difícil. Geralmente, você gosta dos jogadores de que todo mundo gosta.

Quando chegou aquela primeira leva de jogadores para a disputa do Campeonato Paulista, você entendia que era o que teria para trabalhar na temporada ou sabia que depois viriam atletas de mais qualidade, como Douglas, Elias e Morais?
Quando eu assinei o contrato, lá em dezembro do ano passado, a diretoria deixou claro que nós teríamos mais dificuldades até maio e junho e depois desse período já seria possível fazer um investimento um pouco maior. A gente teria mesmo de enxugar financeiramente na primeira parte e correr um pouco mais de risco para poder direcionar uma ou duas contratações de mais peso. Conseguimos encontrar três jogadores de bastante referência, dois por ter batalhado em cima (Elias e Douglas) e um (Morais) com um pouco de sorte, que praticamente caiu no nosso colo. Você precisa sempre planejar uma capacidade de investimento momentâneo porque oportunidades aparecem de uma hora para outra e às vezes você a perde porque gastou muito em pequenas contratações. Eu preferi correr um pouco de risco na primeira parte, porque tínhamos a condição de fazer algo melhor na frente.

O Corinthians teve dificuldades para pagar contas nesses últimos meses, até recorreu a empréstimos do Clube dos 13. Segundo o departamento financeiro, será preciso vender jogadores para reduzir a dívida. Como fica a montagem do time para 2009?
É isso que estamos conversando na renovação do contrato: como vamos encaminhar, na prática, essas situações. Existe uma tentação de vender porque a necessidade de recursos é imediata. Vamos fazer isso agora? Ou vamos fazer um planejamento para uma entrada de receita e uma entrega futura? Temos um conhecimento de mercado para saber quando vence o contrato dos principais jogadores do país. Às vezes, alguns vencem na metade do ano. Então, se pudermos segurar nossos principais jogadores até esta metade, mesmo que vendidos anteriormente, podemos nos direcionar para a contratação de um jogador especial depois.

Qual foi o momento mais difícil vivido até agora no Corinthians?
Por incrível que pareça não foi quando perdemos o título (da Copa do Brasil) para o Sport. Foi quando perdemos para o Goiás (derrota por 3 a 1 em Goiânia, pelas oitavas-de-final da Copa do Brasil), porque tínhamos acabado de ser eliminados do Paulista e precisávamos dar uma resposta positiva em curto espaço para recuperar a confiança. Não chegarmos entre os quatro do Campeonato Paulista sabíamos que poderia acontecer. Mas não podíamos ser eliminados cedo da Copa do Brasil, porque aí já tínhamos tido um período a mais de trabalho, a equipe estava mais amadurecida e precisávamos passar para o torcedor que ele podia continuar confiando. Aquele momento foi o mais difícil (o Corinthians venceu o Goiás no jogo de volta por 4 a 0 e se classificou para as quartas-de-final).

No Paulista, a eliminação precoce acabou permitindo um trabalho que não fora possível durante a pré-temporada. Na Copa do Brasil, a derrota na final também tem um lado positivo? Daria para formar um time competitivo para a Libertadores já em 2009?
Se o Corinthians continuar evoluindo para disputar uma Libertadores em 2010 será o ideal, porque estará num terceiro ano de trabalho. É lógico que se ganhasse a Copa do Brasil teria de acelerar esse processo. Existe um risco maior quando você queima etapas. É assim que funciona. Se olharmos as principais equipes do país que disputaram a Série A, todas tiveram dificuldades para encontrar uma estabilidade. Existiu uma oscilação muito grande, a cada semana aparecia um favorito. Isso comprova o momento de dificuldade de formação de equipe que se tem hoje no Brasil. Você não consegue passar seis meses com uma equipe. As que chegaram na reta final brigando pelo título jogaram com times diferentes nos estaduais, com raras exceções. Às vezes, você chega ao jogo sem saber a equipe que vai jogar. Isso é a pior coisa do mundo em jogos importantes.

O ano acabou sendo bastante tranqüilo. Houve um único momento em que você precisou administrar um problema dentro do grupo, quando tirou o Felipe do time titular. O que aconteceu?
O técnico nunca quer tirar um jogador principal ou um ídolo, mas às vezes é necessário para que todos entendam a importância do trabalho no dia-a-dia, e para que não se acene como o prejuízo de perder a parte mais importante no futebol, que é o trabalho dentro de um ambiente sadio. Estávamos administrando alguns problemas já havia mais tempo e o futebol é assim mesmo: você administra muitos problemas que ninguém sabe. Às vezes, é preciso uma atitude mais radical e o técnico não pode se omitir de tomá-la, sob pena de se perder muito mais ao longo do trabalho. O Felipe voltou a crescer muito. Se nós olharmos a reta final da Série B, ele voltou a fazer a defesa do jogo, da bola que dá moral para a equipe. Ele é um goleiro muito bom e precisa ser assim nos momentos decisivos. Aquela atitude ajudou muito.

O projeto de 2008 era voltar à Série A. E o projeto de 2009?
O Corinthians vai ser cobrado em 2009 para ser campeão dos campeonatos que jogar. É para isso que ele tem de se preparar, para ter um grupo capaz de suportar essa responsabilidade, porque você não ganha sempre, mas o clube grande precisa estar sempre muito perto de ganhar. Tem de estar entre os clubes que estão disputando os títulos. Como existe uma paridade muito grande no futebol brasileiro, sobretudo em São Paulo, o título vai ficar rodando em muitas mãos ao longo de uma temporada, mas o clube grande tem a responsabilidade de estar sempre na parte de cima da tabela.

Que planos você faz para a sua carreira?
Eu não faço muitos planos em longo prazo e até brinco que o futebol não tem futuro, só tem presente, porque você aprende ao longo do tempo que precisa fazer o melhor a cada dia. À medida que se consegue fazer isso bem, as coisas naturalmente vão correndo paralelamente a uma evolução da carreira. É isso que eu quero para mim e é isso que eu penso: fazer o melhor a cada dia.

Gaúcho e há um ano morando em São Paulo, como foi a adaptação à cidade?
O futebol toma muito do tempo da gente e acaba não dando para ter uma vida normal. A Série B até deu a oportunidade de eu voltar a ter o domingo geralmente de folga para conviver com a minha família, o que é uma raridade para nós. Mas mesmo assim é pouco tempo para ir aos lugares de que você gosta, e até pela dificuldade do cargo você também se protege um pouco e acaba ficando aquém daquilo que gostaria de fazer. Você não sai do hotel. Conhece muito aeroporto, muito hotel e muito estádio, mas acaba não aproveitando e não conhecendo muito. Quem sofre um pouco mais é a família. Eu moro na zona leste, no bairro do Tatuapé (próximo ao Corinthians), porque em São Paulo você não pode deixar de levar o trânsito em consideração, se quiser chegar no horário ao trabalho ou nos compromissos que assume.

Por que existem tantos bons técnicos gaúchos?
O Brasil todo faz bons treinadores, mas o Rio Grande do Sul adquiriu um know-how, se é possível usar esta terminologia, porque se trabalha muito. Geralmente nós, por questões culturais, somos muito disciplinados e o futebol exige muito isso.

Qual é a sua maior qualidade?
Sou um técnico de diálogo. Tenho um bom controle emocional nas questões diárias e isso faz com que o ambiente de trabalho seja bom. E isso produz jogadores comprometidos de um modo geral. Esse comprometimento faz minhas equipes ou meus grupos sempre serem fortes, o que é determinante para os resultados.

Hoje, o Corinthians joga apenas com um volante de origem. É possível jogar assim na Série A?
É possível. Já joguei assim na Série A de 2006 com o Grêmio, quando o único volante era o Jeovânio. O segundo volante era o Lucas, que foi o terceiro maior goleador da equipe e foi escolhido o melhor jogador do campeonato. Então, eu gosto do futebol bem jogado. Eu acho importante hoje o homem que chega de trás. Armar um jeito de propiciar esse tipo de jogada é o segredo que todo mundo procura, mas você precisa encontrar a cada ano uma maneira diferente de executar na prática.

O lateral esquerdo André Santos, um de seus principais jogadores, recebeu proposta milionária, mas de um clube pouco expressivo. Depois de uma conversa com você, ele decidiu ficar. Você é um bom conselheiro?
Uma relação de confiança você não decreta, conquista. Alguém só vai ser confiante em relação a ti se o dia-a-dia mostrar isso. Para aqueles jogadores que procuram o técnico para fazer qualquer tipo de consulta, estou sempre aberto. A experiência de conviver com situações como essa em clubes anteriores dá um conhecimento que permite ajudar nesta hora. Existe uma tentação muito grande de você aceitar a primeira proposta porque os números são maiores, mas o futebol não é só a questão financeira nua e crua. O jogador precisa projetar uma carreira de continuidade.

Você entende que o futebol cumpre algum papel social?
Acho que o futebol dá para muitos garotos a oportunidade de uma ascensão que não seria possível em outra carreira. Ela é muito rápida, faz com que tenha possibilidade de ajudar muito a família de um modo geral, mas pode ser uma grande ilusão. Se apenas 3% terão sucesso, significa que 97% não vão se realizar, e às vezes se perde muito tempo nessa briga por este sonho e o jovem acaba não se preparando para outros caminhos, que serão a realidade da vida dele.

O que você achou da eleição de Barack Obama nos Estados Unidos?
Eu acho muito difícil dar opinião sobre política, ainda mais nesta aparente democracia dos Estados Unidos, que não põem prego sem estopa, como se diz no Rio Grande do Sul. Era o momento de escolher uma pessoa mais popular, que quebrasse um pouco a antipatia que a maioria do mundo tem contra os Estados Unidos. No regime presidencialista um presidente não decide tanto quanto parece. Talvez o carisma dele ajude nesse primeiro objetivo ao qual me referi. Mas, vamos ver. Na política sempre é bom esperar.

Uma curiosidade: como o Luís Antonio Venker virou Mano?
Mano é de irmão mesmo. Quando eu nasci minha irmã tinha 1 ano e um mês e aí nasceu o mano dela. E ficou assim desde criança. Aí passei a ser técnico e sempre brinco que técnico tem de ter uma certa pompa. Então você coloca o sobrenome para ficar um pouco mais distante daquele nome que você usava como jogador.

Você aprova a fórmula de disputa do Brasileiro por pontos corridos?
Precisamos tomar cuidado com campanha para qualquer coisa. Não podemos tornar uma forma como ideal e desprezar as outras. Temos a Copa do Brasil, mata-mata, e os estaduais que misturam as fórmulas. Acho que o Campeonato Brasileiro de pontos corridos já tem um bom tempo e isso faz com que clubes e torcedores tenham mais familiaridade com o processo de disputa.

Há espaço para mudar o calendário do futebol brasileiro? É viável adotar o modelo europeu, com os clubes podendo disputar simultaneamente Brasileiro e Copa do Brasil, Libertadores da América e Copa Sul-Americana?
Seria importante que o calendário do Brasil fosse mais parecido com o da Europa. Evitaríamos perder tantos jogadores no meio da temporada. Com relação aos estaduais e à Sul-Americana, acho que pode ser mais bem encaixado durante o ano, mas não creio que elas tenham que deixar de existir. O calendário hoje é melhor que o praticado há pouco tempo, mas pode ser ainda melhorado.

Como é ter um torcedor apaixonado que também é presidente da República? As cornetadas incomodam mais ou as pessoas já separam naturalmente o presidente do torcedor?
O Lula não corneta, não. Muito pelo contrário, desde que estou aqui ele sempre falou tudo publicamente, fez elogios aos jogadores e ao time.

Você diz que futebol é “presente”. E no presente, você estaria pronto para dirigir a Seleção Brasileira? Quais degraus você tem de alcançar para chegar nesta posição?
Sempre que me perguntam sobre isso, deixo claro que o cargo de técnico da Seleção não está livre e, depois, que todo técnico de grande clube pode ser chamado. Mas não durmo e acordo pensando em Seleção. Acho necessário ter uma trajetória bem consolidada para assumir o posto.

Qual é a sensação de terminar o ano campeão e com a volta à primeira divisão garantida? Dever cumprido?
A sensação do dever cumprido é muito gratificante. Fizemos a nossa obrigação com muita competência. Era como imaginei que o Corinthians deveria voltar. Não só atingindo uma vaga, mas sendo campeão e liderando de ponta a ponta. Isso realmente é algo que vai ficar marcado, no momento mais difícil do coração de todos os corintianos.

Você acha que se uma torcida organizada pegasse no pé de maus políticos e governantes como pegam no pé de um time de futebol, o Brasil seria um país melhor?
É complicado falar a respeito desse assunto. Mas acredito que no geral o brasileiro deveria prestar mais atenção na política.