ambiente

Fumantes passivos

O mundo se insurge contra o tabaco, o fast-food, o desmatamento, o álcool e outras formas de agressão à vida. Mas a fumaceira dos escapamentos, a cultura do carro e o desprezo pelo transporte coletivo ainda imperam nas cidades

Gerardo Lazzari

Nos congestionamentos, os motoristas, passageiros, e pedestres respiram o pior dos ares

Algumas semanas sem chuva associadas a altos índices de poluição são suficientes para fazer crescer filas em hospitais e prontos-socorros. O grande responsável pela má qualidade do ar parece inofensivo, mas está em todo lugar. Doenças respiratórias relacionadas à poluição consomem mais de R$ 200 milhões por ano dos cofres públicos, segundo o Ministério da Saúde. Pesquisa da Organização Mundial da Saúde estima que 865 mil vidas poderiam ser salvas anualmente no mundo com a redução da emissão. Os veículos são a principal fonte de poluição. Correspondem a 99% dos poluentes atmosféricos na Região Metropolitana de Belo Horizonte; a 95% na Grande São Paulo, e a 77% na Grande Rio.

O Código Nacional de Trânsito completou dez anos. Está lá, no artigo 104, que todo veículo deve ter “condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído avaliadas mediante inspeção, que será obrigatória”. Mas, como não define quem é responsável pela inspeção e o que acontece com quem for reprovado, o artigo não saiu do papel. Em 2001, Fernando Henrique sancionou alterações no Código, atribuindo a estados e municípios a inspeção periódica, mas atrelada a um programa federal a ser implementado. O tal programa federal aguarda votação desde 2002. A indefinição mantém aberta uma brecha legal que já permite a inspeção em todas as cidades com mais de 3 milhões de habitantes. A negligência do poder público e da própria sociedade contrasta com a recente onda anti-maus hábitos. Há movimentos locais e mundiais contra o tabagismo, o fast-food, consumo de álcool, as queimadas – todos ligados à saúde e à qualidade de vida –, mas pouco se faz, efetivamente, contra a fumaceira dos escapamentos e seus estragos nos pulmões. O diretor executivo da Associação dos Fabricantes de Equipamentos para Controle de Emissões Veiculares da América do Sul, Mario Ferro, afirma que é preciso impor a fiscalização. “Todos pensam nos problemas que o lixo, as queimadas causam ao meio ambiente, mas ninguém nota o que está na nossa cara todos os dias. As pessoas não podem deixar seu carro soltando fumaça preta, e a lei tem de ser regulamentada para coibir a emissão”, defende.

O Rio de Janeiro é o único estado que implantou o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso, um convênio entre a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente e o Detran. O procedimento faz parte do licenciamento obrigatório. Caso o veículo seja reprovado, terá 30 dias de prazo para se reapresentar à inspeção com o problema resolvido – até lá, trafegará com um selo de reprovação estampado no pára-brisa. “Como os proprietários de veículos têm de fazer a inspeção para licenciar o carro, já sabem que terão de fazer a regulagem antes. Isso não resolve o problema, mas melhora bastante”, diz o engenheiro do Centro de Inspeção e Pesquisa em Transporte, Carlos Alberto Martins.

A cidade de São Paulo implantou este ano o Programa de Inspeção Ambiental Veicular para veículos a diesel. Desde novembro de 2007, a prefeitura analisou e fotografou 270 mil veículos por meio de sensoreamento remoto e vai convocar neste ano 13,5 mil proprietários dos mais poluentes para fazer os ajustes necessários para diminuir a emissão. Os outros serão convocados a partir de 2009, quando toda a frota da cidade deve passar pela análise obrigatória. Caso o veículo não seja aprovado no procedimento, haverá multa de R$ 550 e a impossibilidade de licenciar o veículo.

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No Rio de Janeiro, técnica mede emissão de poluentes

O assunto estava em discussão na capital paulista desde 1995, por ser controverso: atinge diretamente o bolso da população (exceto os 30% da frota que não fazem o licenciamento), não se sabe ao certo se todos os poluentes serão detectados e não abrangerá os veículos cadastrados em outros municípios. Mesmo assim pode diminuir a nuvem cinza que paira sobre a cidade. No final de setembro, a Assembléia Legislativa aprovou um projeto de lei que determina a realização de inspeção veicular em toda a frota paulista com mais de três anos.

A professora Maria de Fátima Andrade, coordenadora de grupos de pesquisa sobre poluição do ar do Instituto Astronômico e Geofísico da USP, afirma que as condições atmosféricas melhorariam caso todos os veículos tivessem o catalisador funcionando corretamente: “O equipamento baixa os valores de emissão por veículo”. Para ela, a população, além de manter os carros regulados, precisa ser mais coerente. “Mesmo com a emissão controlada, há o aumento constante da frota. O modelo está errado. Mas, para as pessoas optarem pelo transporte público, ele tem de ser adequado. Não há políticas públicas de transporte”, opina.

O secretário nacional de Transporte e Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, Luiz Carlos Bueno de Lima, aposta na aprovação da regulamentação da inspeção em nível federal. “Com certeza, teríamos uma queda significativa dos índices de poluição. Não dá para pensar em reduzir a produção de carros porque a indústria automobilística é uma grande geradora de emprego e responsável por 12% do PIB. Temos de pensar em transporte público de tal forma que as pessoas se sintam confortáveis em deixar o carro em casa.”

O que é e como funciona o catalisador
Catalisadores são conversores de gases instalados no sistema de escapamento com a função de transformar gases nocivos em inofensivos à saúde humana. Desde 1997 todos os veículos produzidos no Brasil são equipados com injeção eletrônica e catalisador homologados na fábrica, o que reduziu a emissão de CO de 54g/km para 0,4 g/km. Segundo os fabricantes, o equipamento que sai de fábrica tem vida útil de 80 mil quilômetros e os originais de reposição, cerca de 40 mil, de acordo com a manutenção do veículo. O uso de combustíveis adulterados, por exemplo, pode reduzir a durabilidade. É recomendável uma verificação a cada 20 mil quilômetros. Lombadas, quebra-molas e água de enchentes podem danificar a peça. Falsos catalisadores não filtram os gases adequadamente e podem ser identificados pela inspeção. O alto custo da peça muitas vezes induz proprietários de veículos a substituir peças danificadas por “catalisadores-tampão”, que não servem para nada e alteram até o ruído. Os originais podem custar entre R$ 350 e R$ 400 nas lojas de autopeças e até R$ 1.800 nas concessionárias.

Faça sua parte
Manter o carro regulado reduz a poluição e economiza combustível.
Filtro de ar sujo aumenta o consumo de combustível e polui mais.
O anda-pára do trânsito engarrafado aumenta o consumo de combustível e a emissão de poluentes. Sempre que possível, procure rotas alternativas. Ou melhor, prefira os transportes coletivos.
Já que teve de encarar o engarrafamento, quando estiver parado, não acelere desnecessariamente.

Fonte: Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Rio de Janeiro