Crônica

Madonna quem vai?

Um dia ela entrou em casa e me disse com aquele jeito suburbano que se eu gritasse, arrepiasse o cabelo e tivesse coragem, eu venceria. Nenhum rapaz lânguido me deu tanta coragem

mendonça

Sou uma mulher de 33 anos que foi uma adolescente de 13 em São Bernardo do Campo, isso em 1988. Morava num conjunto habitacional onde meus pais ainda vivem. Conjunto Habitacional Rudge Ramos, pode entrar. Lá nasceram minha irmã caçula e o irmão do meio, que se livrou de uma bronquite por conta da maresia santista que chegava ao município. Tenho saudade da neblina do ABC, a névoa que São Paulo já perdeu.

Aos 13 anos quis ir ao show do A-Ha, banda norueguesa que incendiou minha cabeça ingênua. Mantive um álbum com fotografias dos integrantes descansando em suas cidades, andando nos palcos e em Copacabana. Aos poucos misturei vocalistas de outras bandas tão ruins quanto. Na década de 1980, uma adolescente no subúrbio recebia mais lentamente as informações, era um período sem a pulverização simultânea da internet.

Eu acreditava no programa Fantástico, no balé do bairro e que aos 14 anos seria adulta, achando que isso era ir aonde quisesse. Em casa nunca houve um livro, tirando os de receita e a Bíblia, que nunca eram abertos. Minha mãe, mineira, dispensava qualquer conselho referente a tempero ou temperatura exata de um fogão, além de dispensar os salmos calmantes que, se a acalmassem mesmo, ela não iria bater de porta em porta a vender tapetes.

Menstruei aos 13 anos no meio de uma festa infantil. Senti tontura e congestionamento no abdômen, corri para casa e me fechei no banheiro, certa de que vomitaria as coxinhas e bolinhas de queijo. Acabei eliminando por baixo o primeiro sinal de maturidade e futuro pela frente. Minha mãe me deu um absorvente e disse para eu ficar calma e assistir ao desenho na televisão. O Pica-Pau não podia me explicar o que era a pressão que acabava de ceder em forma de umidade, era uma fêmea assustada e recém-parida no mundo adulto e responsável. Foi quando a Madonna entrou em casa e me disse, com aquele jeito suburbano, que se eu gritasse, arrepiasse o cabelo e tivesse coragem, eu venceria. Nenhum outro rapaz lânguido me deu tanta coragem quanto a Madonna, espero que ela não saiba disso.

Ela virá em dezembro para a histeria de minha geração. Fiquei oito horas numa fila para comprar ingresso, numa venda antecipada em três meses. O ingresso mais caro custava R$ 720 e muitos fãs deram o salário inteiro pelo show, saíram de diversas partes do país, acamparam na porta das bilheterias, viram cambistas passar na sua frente e não só: alguns cambistas pagaram cachês para alguns velhinhos comprarem os bilhetes com o preço privilegiado destinado a eles por lei – com isso as vovós tiraram uma graninha na fila preferencial para a terceira idade. Vi uma senhora roxa de tanto sol, com uma pilha de notas de R$ 100, comprando ingressos para um show ao qual não irá, nem seus netos. Tudo porque a demanda é grande, a adolescência é mais perigosa que a infância quanto à importância que damos ao espetáculo.

Nunca fiz isso antes e me perguntava debaixo do sol por que eu estava ali, e não trabalhando, que era o mais sensato. Como eu, milhares de ex-adolescentes do subúrbio, adolescentes atuais e eternas meninas em estado de graça vão gritar ao som de qualidade duvidosa e pouco importa. Madonna é a monalisa das meninas e dos meninos que gostam de meninos. Tão óbvia quanto misteriosa, ela é responsável pela iconografia da ambição. E não me venha dizer que ela dá maus exemplos, que exemplo efetivo sempre vem de dentro de casa. Copiamos dos nossos pais até o jeito de pegar um garfo. Depois avançamos na educação, pode ser que o mundo nos diga que com colher é mais fino, e você seguirá a etiqueta só em convescotes sociais.

Em atual turnê em Roma, Madonna dedicou a faixa Like a Virgin ao papa, para desgosto do Vaticano. Garanto que nenhum fã deixará de rezar o pai-nosso se isso fez sua mãe em dias mais severos. Ainda descobrirão que absorvemos os valores reais não daqueles que se exibem, mas daqueles que nos afagam. Madonna nem sabe que nós existimos.