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A nova sala de aula

Cada vez mais indispensável na educação, o uso do computador nas escolas públicas ainda faz parte de um cenário marcado por laboratórios fechados, professores despreparados e falta de planejamento

jailton garcia

A professora de Português Renata Asbahr gostaria de compartilhar com os alunos o potencial da internet, mas na rede pública estadual falta projeto pedagógico

Toda sexta-feira é dia de aula de cinema nas salas do Colégio Aplicação de Recife. Os alunos discutem idéias, pesquisam, filmam e postam o que produziram no site de vídeos YouTube. Já na escola Maria de Lourdes Rebelo, em Teresina, os computadores chegaram em setembro de 2007, mas nunca foram ligados e as portas do laboratório permanecem trancadas. O contraste reflete a desigualdade educacional brasileira no uso da tecnologia dentro das escolas públicas. O CAP é vinculado à Universidade Federal de Pernambuco e faz parte de um pequeno oásis, figurando entre os melhores do país. Mas o que reflete a realidade encontrada na maior parte das escolas públicas brasileiras é o Maria de Lourdes Rebelo, da rede estadual do Piauí.

O governo brasileiro tem muitos projetos e promessas. O Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo), criado em 1997, promete para este ano a instalação de 29 mil novos laboratórios com acesso à internet, com investimento de R$ 300 milhões, o maior dos últimos 11 anos do programa. Se as metas forem cumpridas, até 2010 a internet em banda larga chegará a 84% dos alunos na rede pública brasileira; atualmente alcança 20%, segundo o Censo Escolar de 2006, enquanto na rede de ensino particular atinge 62%. “Alunos que têm acesso à internet estão mais preparados para a vida profissional. A rede ajuda a desenvolver habilidades”, diz Roberta Biondi, coordenadora-geral de instrumentos e medidas educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Pode até soar como luxo falar em tecnologia diante de falta de livros, de baixos salários, escolas de lata ou salas superlotadas. Mas a discussão é urgente como qualquer outra do ambiente educacional. “O Proinfo diminui a horrorosa exclusão digital, que segue a exclusão social. É fundamental oferecer educação digital e o lugar mais razoável para isso é a escola”, opina o secretário de Educação a Distância do Ministério da Educação, Carlos Eduardo Bielschowsky.

Disparidades

O contraste entre a disponibilidade de recursos da rede pública e a da rede privada é apenas um dos termômetros da desigualdade. No estado de São Paulo, por exemplo, o Censo apontava a existência de salas de informática em 86% das escolas de ensino fundamental e médio; no Norte e no Nordeste, menos de 10% possuíam equipamentos.

Mas o fator quantidade não é sinônimo de eficiência. A capital paulista enfrenta problemas de tecnologia semelhantes aos de Teresina, com salas de informática fechadas, equipamentos sem manutenção, turmas grandes demais para laboratórios pequenos e ausência de um projeto escolar que determine as possibilidades e objetivos de utilização da internet no dia-a-dia das escolas. Para a diretora Maria Claudia Monteiro, da escola Silvio Xavier Antunes, no Piqueri, bairro da zona norte, o uso ainda é esporádico e depende da afinidade e das possibilidades do professor. “Além disso, são dez máquinas para uma sala de mais de 40 alunos, precisaria ter o dobro para conseguir colocar dois alunos por equipamento.” Ou metade dos alunos.

E não é só estrutura que falta. Salvo exceções, não há profissional especializado que ajude nas atividades. É o dilema que a Unidade Escolar Lourdes Rebelo, de Teresina, enfrenta: “Primeiro era o ar-condicionado que não chegava; agora falta um professor de informática. Os alunos estão loucos para usar os equipamentos, mas ainda não temos previsão”, conta a diretora Tátila Helena Barros.

Na Escola Municipal Péricles Eugênio Silva Ramos, na Cohab Heliópolis, região sudeste da capital paulista, os alunos protestaram em frente à sala da direção porque o professor do laboratório faltou duas semanas seguidas. “A aula tem 45 minutos por semana, eles entram correndo e não querem sair. Temos de ficar em cima, ou passam o tempo todo no Orkut ou em conteúdos impróprios. Mas também gostam de fazer os trabalhos com o auxílio dessa ferramenta”, conta a diretora Mayumi Célia Senamo.

Uma aula semanal é mesmo pouco, mas já é um diferencial entre a escola municipal e a estadual, na qual a aula acontece ou não de acordo com as possibilidades dos professores das disciplinas. “Nas escolas municipais há mais equipamentos e um professor dedicado a atividades interdisciplinares”, diz Maria Claudia, que também dá aulas na rede municipal.

Sem dúvidas

Não é à toa que os colégios federais disparam na dianteira. O CAP, de Recife, tem sala de informática moderna e internet em laboratórios de Física, Biologia e em algumas salas de aula. Segundo o coordenador José Alves de Souza, no colégio há professores que usam a tecnologia o tempo todo e os que optam somente por giz e lousa. Souza prefere atrelar o bom desempenho a uma série de fatores que incluem tanto as novas tecnologias como a pesquisa, a atualização, a dedicação e a remuneração diferenciada dos professores. “A tecnologia faz parte de um conjunto pedagógico”, opina. O CAP foi o terceiro melhor no Enem de 2007 entre as escolas públicas, com 77,47 de nota – a média do país foi 51,52 e a nota mais alta, do colégio particular São Bento, no Rio de Janeiro, 82,96.

A professora de artes visuais Jane Pinheiro é uma das entusiastas da tecnologia dentro do CAP. “Uso em diversas ocasiões. Na aula de fotografia há um site que simula a técnica de tirar uma foto, assim eles conseguem visualizar o processo como um todo e ficam mais motivados”, explica. “E, quando eles perguntam algo que não sei, pesquisamos juntos e deixo claro para eles que o professor não sabe tudo. Também temos de saber onde encontrar respostas e eles não precisam ir embora com a dúvida.”

Outra promessa do Proinfo é ampliar o fornecimento de informações para aulas digitais. O governo federal lançou edital no final de 2007 para comprar R$ 70 milhões em conteúdo, que foi vencido por instituições como Unicamp, PUC e USP. Uma equipe de 200 pessoas tem buscado parcerias em todo o mundo para trazer vídeos, simuladores e diversos conteúdos para o Portal do Professor, lançado em abril. “Estamos buscando a autonomia do estudante, oferecendo conteúdo digital para criar a curiosidade, estimular a leitura e a capacidade de fazer pesquisa”, promete o secretário Carlos Bielschowsky.

Copiar e colar

Infra-estrutura e conteúdo são essenciais para o uso favorável da internet na escola, há uma terceira peça fundamental: o professor. “Temos professores que exploram muito o recurso na preparação das aulas, mas há os que ainda não chegam perto do computador”, revela Maria Claudia. Para reverter esse quadro o MEC pretende treinar 100 mil educadores até o final deste ano. Carlos Ramiro, presidente da Apeoesp, o sindicato dos professores da rede pública de São Paulo, não vislumbra, no curto prazo, um emprego efetivo da tecnologia na escola pública. “Se temos 70% das bibliotecas fechadas por falta de bibliotecários, imagina o que não vai acontecer com os computadores. Hoje não temos o mínimo”, alerta.

O “analfabetismo” digital pode ser tão ou mais grave entre professores do que entre alunos. Mesmo os estudantes mais carentes, sem computador em casa, freqüentam lan houses e telecentros – mais a lazer do que para estudar, mas o bastante para driblar barreiras digitais. Para Renata Asbahr, professora de Português da rede paulista, preparar uma aula sem a internet é abrir mão de uma ferramenta poderosa. Ela gostaria de compartilhar com os alunos o potencial de pesquisa que a web proporciona, mas na escola o laboratório é pequeno, a estrutura insuficiente e inexiste projeto pedagógico. As boas experiências são casos isolados.

Uma delas foi com uma turma de reforço, pouco numerosa. Renata ensinou os estudantes a criar contas de e-mail e incentivou a troca de mensagens entre eles. “Os alunos ficaram maravilhados com algo que parece simples a muitas pessoas. Eles tinham pouco contato com a tecnologia. Era preciso ensinar a manusear o mouse, o teclado, e para escrever um parágrafo era uma grande dificuldade, mas a motivação que eles desenvolvem vale a pena”, descreve.

Renata lembra que uma das grandes tarefas dos professores é orientar como fazer uma pesquisa. “Já recebi trabalhos que são a impressão de uma página da internet. É preciso mostrar a eles que copiar e colar não é suficiente”, ressalta. Uma forcinha em casa também é importante. Tatiana Rocha, de 11 anos, aluna da rede municipal, aprendeu com o pai: “Tenho que ver vários sites, achar o que tem de melhor e escrever de novo”. Já o colega de classe Felipe Farias, 13, prefere “só achar no Google e colar no Word”. Um estudo do Instituto de Computação, da Unicamp, apurou que, em algumas séries, alunos que usam sempre o computador tiveram no Sistema de Avaliação da Educação Básica nota menor do que os que pouco recorrem à máquina. O problema do copiar-e-colar é que o aluno não sabe o que está fazendo. O problema se estende também à escrita – a eventual correção ortográfica via computador não estará à mão na hora da prova.

Enquanto recursos via setor público não chegam, parcerias entre instituições, empresas e a comunidade ajudam a melhorar a eficiência dos estudos digitais. O projeto Tonomundo, da Escola do Futuro da USP com o instituto Oi Futuro, trabalha em conjunto com 400 escolas públicas em diversos estados onde há cobertura da empresa. A operadora entra com equipamentos e internet e a Escola do Futuro prepara professores.

“Não acreditamos que só os computadores vão motivar professores e alunos”, diz Silvia Fichmann, coordenadora do projeto, cujo diferencial é a sua comunidade virtual. As escolas participantes são interligadas em um site e professores e alunos são estimulados a participar de jogos e salas de discussão. Segundo Silvia, o rendimento das escolas no Enem melhorou. “O nível de matrículas aumentou, porque o projeto repercute na comunidade, e diminuiu a evasão.”

O EducaRede é um projeto da Fundação Telefônica que não visa a infra-estrutura, mas a criação de conteúdos e interação entre projetos e comunidades por meio de ambientes criados para a troca de reflexões e de práticas educativas. “Temos experiências que mudaram o comportamento da classe pelo alto índice de envolvimento e motivação”, conta o presidente da fundação, Sérgio Mindlin. “As possibilidades do computador, se estimuladas, tornam a educação algo fascinante”, conclui.

Um por aluno
O projeto Um Computador por Aluno (UCA) começou a ser discutido pelo governo brasileiro em 2005. Mas ainda não saiu do papel. Foi aberta concorrência no final do ano passado para comprar 150 mil laptops a serem distribuídos em 300 escolas públicas. Como o preço do produto ficou acima do esperado, entre US$ 360 e US$ 380, a licitação foi cancelada. O governo quer obter um preço unitário abaixo de US$ 300 e prepara novo edital.

Colaborou Ana Zanini