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Lima e sua órbita

A capital peruana, mais que simples escala para quem vai a Machu Pichu, surpreende os que se enveredam por seus caminhos coloniais e ancestrais

João Correia Filho

Palácio do governo e Praça das Armas

Foi quase unânime. Ao comentar com amigos que estava de viagem marcada para o Peru, logo veio a pergunta: “Vai para Machu Pichu?” Também foi quase uma regra a cara de espanto quando eu disse que não, que passaria dez dias em Lima, a capital. “Mas o que tem pra fazer em Lima?” era sempre a segunda pergunta. Fiquei ainda mais animado a ir a essa cidade com cerca de 8 milhões de habitantes, fundada em 1535, que tem em seus arredores vários templos construídos muito antes dos incas.

Embora o fantástico templo incaico de Machu Pichu mereça tamanha badalação, uma das coisas que se descobrem ao chegar a Lima é que dezenas de outras civilizações, séculos antes, deixaram seu legado espalhado por todo canto. Chimú, cupisnique, wari, ischma e lima são algumas culturas que imperaram em solo peruano e cujos nomes fazem parte da viagem. A última deu nome à capital.

Em meio a casas, carros e edifícios, bairros modernos e movimentados, Lima deixa despontar a imponência secular de templos de adobe e pedra, alguns em forma de pirâmide, típicos de sua arquitetura ancestral. As ruínas de Huaca Pucllana, no bairro de Miraflores, conservam os traços da cultura lima, surgida entre os séculos 2 e 7 de nossa era. Logo na entrada, um pequeno museu situa o visitante no tempo e no espaço.

Ao andar por seus corredores e portais, é fácil ter idéia de como se organizava essa complexa sociedade, cujos traços arquitetônicos resistiram ao tempo e a depredações e saques, nos últimos anos. Hoje a cidade está protegida por leis e por entidades empenhadas em preservar o patrimônio do país. O guia explica, por exemplo, que a disposição dos pequenos tijolos de adobe já levava em consideração o risco de terremotos, bastante comuns no Peru.

Lima metropolitana

Nos arredores da Grande Lima, a região metropolitana, há outras surpresas. A primeira é o templo de Puruchuco, a dez quilômetros da região central. Construído numa encosta de pedras, traz em seu interior um complicado desenho de labirinto. Adentrando salões e corredores, a sensação é de estar em local sem saída, feito de barro e taipa, com dezenas de pequenos caminhos, traçados, segundo estudos arqueológicos, justamente para que houvesse um monitoramento dos locais de passagem, para o caso de uma invasão inimiga e também para controle das ações de seus moradores.

Puruchuco foi a residência do que chamam de curaca, que significa “governante”, e está relacionado com a ocupação do Vale de Lima pela cultura ischma (do século 13 ao 15). Achados arqueológicos recentes, como peças de cerâmica e artigos têxteis, mostram que também houve influência inca, povo que viveu posteriormente, entre os séculos 15 e 16. Era uma espécie de edifício público, marcado por um calendário cerimonial dedicado a atividades religiosas e administrativas.

Um pouco mais longe, cerca de 30 quilômetros de Lima, está o Templo de Pachacamac, um dos mais importantes centros de peregrinação religiosa da costa peruana. São muito caminhos a ser percorridos a pé, por uma estrada de terra que leva a vários templos, pertencentes a épocas e culturas distintas. As primeiras ocupações dessa região ocorreram 200 anos antes de Cristo, mas foi durante o surgimento da cultura lima que se ergueram os templos mais importantes. Mais tarde, por volta do ano 650, sofreram a influência da cultura wari e, entre 1200 e 1450, da cultura ischma. No final, foram dominados pelos incas.

A região conhecida como Templo Viejo é de origem Lima. Na seqüência vêm os templos Pintado (wari) e Del Sol (inca), construção visível de qualquer ponto e talvez a mais impressionante. Possui apenas um pequeno portal com uma escada que leva até o topo, de onde se tem uma visão privilegiada de toda a região, com todos os templos e o mar.

O passeio culmina na grande cidade inca conhecida como Mamacona ou Acllawasi, nome dado por ser o lugar das acllas, mulheres escolhidas para ser entregues como esposas aos governantes. Algo, mal comparando, como uma escola preparatória de moças, selecionadas para dar continuidade à linhagem da nobreza e à própria cultura vigente. Mas foi aí que chegaram os espanhóis, em meados do século 16, mudando o rumo da história, que na maioria das vezes, como sabemos, terminou em ruínas. Belas e surpreendentes.

João Correia Filhoturistas
Ruínas de Puruchuco

Viagem ao Centro

O Centro Histórico de Lima é o local mais visitado por quem está de passagem para outros locais do país. Patrimônio Histórico da Humanidade desde 1988, chama a atenção pelo clima da Praça das Armas. Ali estão dispostos a sede do governo, a Casa de Pizarro, fundador da cidade, onde reside hoje o presidente; a Catedral, construída na mesma época do nascimento da cidade e refeita em 1564, inspirada na Catedral de Sevilha; o Arcebispado, cujo destaque é a impressionante varanda entalhada em cedro da Nicarágua, madeira fina que permite desenhos minuciosos; e uma série de edifícios coloridos, também da época colonial, que abrigam restaurantes e escritórios. O chafariz foi desenhado por Gustave Eiffel, o mesmo arquiteto que projetou a famosa torre francesa.

A algumas quadras dali está a Igreja e Convento de San Francisco, edificação de 1674, considerada o maior conjunto monumental de arte colonial da América. São deslumbrantes a biblioteca do mosteiro, com suas estantes, escadas em caracol e uma mobília antiqüíssima, a Sala do Órgão, e a sacristia, repleta de imagens adornadas com ouro, azulejos espanhóis e belas pinturas dos séculos 17 e 18.

Nas catacumbas, sob o convento, a iluminação trêmula confunde a visão e o cheiro de terra remete ao passado. Conforme os olhos se habituam à pouca luz, percebe-se dentro de grandes poços e valas ossos dispostos de forma displicente ou desenhos geométricos, que combinam crânios, pernas e braços. Segundo historiadores, ali estão enterradas pessoas que morreram em Lima até 1808 – mais de 25 mil –, quando foi construído o primeiro cemitério da cidade. Nas catacumbas, hoje fechadas, reinam o silêncio e uma beleza irônica, que nos põem a refletir sobre a vida e a morte.

Vá além

Pesquise:
www.peru.inf/lima e www.limavision.com

Templo Pachacamac:
pachacamac.perucultural.org.pe

Huaca Pucllana:
pucllana.perucultural.org.pe

Templo Puruchuco:
museopuruchuco.perucultural.org.pe

Dica:
Em Lima, a corrida de táxi é barata, mas é preciso se informar do preço cobrado para os clientes locais. Como não há taxímetros, alguns profissionais cobram bem mais dos turistas, muitas vezes em dólar, três vezes mais caro que a moeda local, o nuevo sol.