tempos opressores

Polihumor: humor e política viram armas de resistência cultural na internet

Com receita que alia crítica política a humor escrachado, produção em canal no You Tube desperta o interesse de quem reconhece nos destinos do país um jogo contra liberdades e direitos

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Dâmaris Grun e Afonso Celso: produções buscam ser um grito contra a opressão que se instalou no país desde o impeachment de Dilma

Rio de Janeiro – Diante da mulher, incrédula, o marido, rodeado por dezenas de livros na mesa da sala, anuncia que “quer bater o recorde do juiz Gebran” e ler 6,3 mil páginas em pouco tempo. Ela vai à cozinha passar um café e, quando volta, o marido garante que já cumpriu sua meta e que vai entrar para o Guiness, o Livro dos Recordes. Quando a mulher pergunta como ele vai provar que leu tudo aquilo em tão pouco tempo, o marido retruca: “Eu sou brasileiro. Não preciso de provas, eu tenho convicções!”. E completa: “Chupa, TRF-4!”.

Com uma receita que alia forte crítica política a um humor escrachado, o canal de comédia Polihumor, lançado há nove meses, vem conquistando cada vez mais seguidores no Youtube e se consolida a cada vídeo postado como uma importante ferramenta de resistência política e cultural no atual momento de retrocesso vivido no Brasil. A crítica à postura dos juízes envolvidos no processo que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é por acaso.

“O principal objetivo do Polihumor é se firmar como um canal de humor de esquerda, lembrando que o humor pode servir para perpetuar uma opressão ou como um grito contra essa opressão. Como somos de esquerda, nosso humor segue a segunda linha”, diz o ator e roteirista Afonso Celso, principal articulador do canal.

Dâmaris Grun, atriz que protagoniza a maior parte dos vídeos ao lado de Afonso, diz que “nós artistas temos sempre que nos posicionar e ser testemunhas de nosso tempo histórico”. Para ela, esse é um momento histórico muito complicado: “A extrema-direita está nos governando. Passamos desde o golpe por esse processo de rebaixamento do Brasil, de ataques à democracia. Por isso é importante participar de um projeto como o Polihumor neste momento”, diz.

Afonso Celso é professor de Matemática e diretor do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro-RJ). A criação do Polihumor foi fruto da junção entre sua experiência artística e a militância sindical: “A ideia surgiu no Sindicato dos Professores, pois queríamos utilizar uma linguagem diferente no meio sindical. Em 2015, eu fiz um roteiro de um esquete de comédia para denunciar as condições de trabalho das professoras da Educação Infantil. No ano seguinte, escrevi um roteiro para encenarmos na rua sobre a Lei da Mordaça (Escola sem Partido)”, conta.

A consolidação do processo político golpista que afastou a então presidenta Dilma Rousseff do poder transformou a construção do projeto do canal Polihumor em necessidade política e ato de resistência: “Nossa maior motivação é desmascarar a farsa que tomou conta de nosso país a partir do impeachment da presidenta Dilma, da prisão de Lula e das fake news criminosas contra o candidato Fernando Haddad (PT) na última campanha eleitoral. Eles não estão dando trégua e nós não podemos sucumbir. Resistir é preciso”, afirma Afonso.

Equipe enxuta

A equipe por trás do Polihumor se formou aos poucos. Afonso mostrou alguns roteiros ao amigo Guido Marcondes e este topou assumir a função de diretor das gravações dos esquetes. Em seguida, Dâmaris se juntou ao grupo, assim como Igor Cabral, responsável pela fotografia; Chico Tâmega, responsável pelo som e trilha sonora; Kim Capillé, na edição; e Surama Vasco na assistência de produção. Os atores Gláucio Gomes e Artur Malecha, entre outros, já fizeram participações especiais nos esquetes. Sérgio Zoroastro e Leticia Leão são os criadores da logo do canal.

Com base nas ideias e no texto de Afonso, o processo de criação do Polihumor é coletivo: “Todos os vídeos começaram a partir de roteiros que escrevi e depois enviei ao Guido que pensa no plano de filmagem. Porém, no set, todos os componentes contribuem com sugestões”, diz.

O trabalho e o canal aos poucos vêm sendo reconhecidos. Se levadas em consideração as redes sociais que compartilharam os vídeos produzidos, a audiência ultrapassa a marca das 130 mil visualizações. Além das páginas do Polihumor no Facebook, no Instagram e no Twitter, a estratégia é divulgar o canal ao máximo em outras páginas e grupos nas redes sociais. “O Youtube é um veículo muito importante hoje em dia. Até pouco tempo atrás só existia a tevê. Agora podemos estar no celular, na tela do computador, na mão de todo mundo”, avalia Dâmaris.

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Afonso Celso: ideia surgiu no Sindicato dos Professores, em busca de uma linguagem diferente no meio sindical

Vaquinha virtual

Na dura realidade do atual momento político brasileiro, o Polihumor tem como meta primordial a própria sobrevivência. O custo médio de produção de um esquete é de R$ 10 mil, e arcar com essa despesa é um problema evidente: “A questão financeira é delicada. Conseguimos realizar alguns esquetes com recursos de uma vaquinha virtual ou com apoio do Sinpro-RJ que nos cede espaço e, em alguns dias, alimentação e passagem. Há também a contribuição voluntária de companheiros que admiram nosso trabalho”, conta Afonso Celso.

O diretor Guido Marcondes lamenta a falta de recursos: “A gente tem enfrentado, do ponto de vista técnico e artístico, todo tipo de dificuldade. Temos sempre que repensar ideias de novos vídeos por limitações financeiras quando percebemos que seria caro colocá-las em prática. Isso é por vezes um pouco frustrante. Sabemos que começamos o projeto com uma qualidade de produção alta e que, devido à falta de apoio financeiro, nos vimos obrigados a mudar os rumos. É difícil constatar que, mesmo com o caos em que se encontra nosso país, falar de política não interesse a quem poderia patrocinar este tipo de ação”, diz.

Para garantir a sobrevivência, o Polihumor precisa dar um salto que permita ao canal se aproximar de um número de seguidores no Youtube que possibilite sua manutenção financeira e o aumento da produção em termos de quantidade e qualidade. O grupo chegou a ter um produtor remunerado, mas não foi possível mantê-lo. Por enquanto, as coisas acontecem na base do amor à arte e à militância: “Os recursos que temos são insuficientes para que consigamos, por exemplo, remunerar os profissionais envolvidos. Eu mesmo chego a tirar de meu próprio bolso para viabilizar a participação de todos. Precisaríamos de uma estrutura financeira para que não dependêssemos de tantos fatores quando fôssemos gravar”, diz Afonso.

Estrada

Os atores protagonistas do Polihumor têm grande experiência. Afonso Celso é ator formado pela UniRio, e começou a fazer Teatro na UFF quando ainda estudava Matemática e militava no Diretório Central dos Estudantes (DCE). Além de várias peças, chegou a fazer pequenos papeis em telenovelas: “Na verdade, comecei a trabalhar como professor de Matemática para me bancar enquanto cursava Artes Cênicas. Sempre pensei que o magistério seria passageiro. Lá se vão 33 anos. Quanto à questão política, milito desde o tempo de secundarista, passando pela militância estudantil universitária até chegar ao sindicalismo”, conta.

 Já Dâmaris Grun tem formação como atriz pela Faculdade da Cidade e também em Teoria do Teatro pela Uni-Rio. Faz teatro desde 2004 e tem trabalhado como atriz e produtora. Ela também é crítica de teatro e escreve para a revista Aplauso Brasil: “Como atriz, estou sempre na luta. Artista é operário, mesmo. Nós somos da massa”, diz.

Mas, o momento não está para se viver de arte no Brasil: “Faço mil outras coisas para dar conta de ser artista, porque a gente não consegue se manter, especialmente agora. Na época dos governos Lula e Dilma havia muitos editais de cultura. Estava dando para se virar, agora está bem difícil, então estou sempre fazendo outros trabalhos free-lance”, diz Dâmaris.

Mas, o amor à arte e, por que não dizer, ao Brasil fala mais alto do que as dificuldades: “Nós somos seres políticos, politizados, e não podemos nos calar. O Polihumor é uma ferramenta que usa de humor para falar de política. Então, é política com humor e humor com política, é importante tratar disso com leveza e de uma forma que chegue às pessoas. A vida já é muito dura e difícil, e a luta que a gente tem pela frente mais ainda. O riso é uma arma muito transgressora e muito importante. Queremos fazer as pessoas rirem, mas, com conteúdo”, afirma a atriz.

Confira o canal no You Tube.