Análise

Donald Trump e a farsa da globalização

No patético Brasil de hoje, as elites e a plutocracia medíocre que se assenhora da República pensam pequeno como sua estatura moral e mental, e sua hombridade. Porque grande é seu complexo de vira-lata

CC / Gage Skidmore / US Government

Donald Trump, novo presidente dos EUA. Nações poderosas seguirão se impondo e explorando as menores, grupo em que a elite brasileira – e a plutocracia agora no poder – insistem em permanecer

O fato de o Investimento Estrangeiro Direto (IED) ter se mantido historicamente alto na era Lula-Dilma (US$ 60 bilhões, US$ 70 bilhões por ano) e estar conservando o mesmo patamar agora, no atual governo, mostra que o Brasil não precisa rastejar, como um verme, para conseguir capital externo.

E que, por mais que seja conservador, esse capital não pensa o Brasil com um viés cegamente ideológico, como certos segmentos mesquinhos e burros do capital nacional costumam fazer, de vez em quando, na maior parte das vezes, em detrimento próprio.

Os estrangeiros investem no Brasil não apenas porque se trata de um país atraente, e eventualmente mais barato, como agora, para aquisições, por causa do câmbio, mas principalmente porque somos um dos mais importantes mercados do mundo, onde todos precisam estar se quiserem crescer.

Além de termos também a vantagem de poder contar com fundamentos macroeconômicos sólidos, como dívidas bruta, líquida e externa relativamente baixas, menores do que eram em 2002 e o sexto maior volume de reservas internacionais do planeta, que continuam nos conferindo, como mostram os dados oficiais do Tesouro dos Estados Unidos, a posição de quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos.

O mundo minimamente instruído sabe que o “livre” comércio é um subterfúgio colonial e uma tremenda balela. Isso desde que os ingleses impuseram aos chineses, com a vitória nas Guerras do Ópio, a obrigação de consumir essa substância. E a China teve de entregar Hong Kong à Inglaterra e abrir 50 portos ao comércio ocidental, muitos deles, a partir daí, ocupados permanentemente por navios de guerra britânicos, para assegurar o tráfico de drogas por parte da Grã-Bretanha, ajudando a diminuir os déficits que os ingleses tinham com os chineses.

Existe uma globalização construtiva, estabelecida pela integração e a cooperação, com a busca do desenvolvimento e da paz, principalmente no sentido sul-sul, como ocorre no caso do Bricas, da Unasul e da Celac, por exemplo.

E existe a globalização dos salões dos convescotes de Davos, da OCDE, do Transpacífico e da malfadada Aliança do Pacífico, a globalização tout court.

Um conto do vigário que favorece as nações mais fortes contra as mais fracas e, cada vez mais, o interesse das multinacionais e dos grandes grupos econômicos, em detrimento dos países e de seus povos, de forma a explorar seus mercados, insumos e recursos naturais, sua “vocação” e capacidade produtiva, sua mão de obra, seus indivíduos. Não para obter um desenvolvimento mais equilibrado e justo da humanidade, mas para alcançar o mais exagerado, avassalador e egoísta lucro possível.

O que distingue as nações bem-sucedidas daquelas que chafurdam no barro do subdesenvolvimento é a presença do Estado como elemento fiscalizador e indutor do avanço nacional, para conduzir os países em meio aos desafios e oportunidades de um mundo cada vez menor, assegurando uma forte presença do capital estatal na economia, o decidido apoio a empresas locais, e a utilização de uma “livre” iniciativa que não pode ser totalmente “livre” na medida em que deve servir também como instrumento para a promoção social e estratégica do progresso nacional, em prol da criação de empregos, da melhora da renda, e da conquista do desenvolvimento, com investimentos obrigatórios, se for o caso, em áreas como infraestrutura, tecnologia e defesa.

É isso que os Estado Unidos já faziam, antes de Trump, com a compra, com a utilização de bilhões de dólares do Tesouro, de ações de empresas norte-americanas para que estas não quebrassem, na crise de 2008.

Imaginem se fosse tentado a fazer o mesmo com a Petrobras, no Brasil, com o uso de uma parte mínima que fosse do R$ 1,5 trilhão que temos em reservas internacionais, para fazer frente à crise que atingiu a companhia, sobretudo, com a queda do preço do petróleo.

O governo que tomasse essa atitude seria imediatamente taxado de comunista e os fascistas ocupariam as ruas com seus patos, bonecos infláveis e outros utensílios de borracha – para derrubar o presidente da República.

No entanto, foi esse tipo de estratégia que a China adotou, de forma persistente, nas últimas quatro décadas, para superar séculos de domínio ocidental, e a que a está levando ao topo entre os principais países do mundo.

Confiantes no tamanho do seu mercado e no seu destino de potência, que existe como estado organizado há 5 mil anos, os chineses – ao contrário do que afirmam os trolls mendazes e desinformados que pululam em nossas redes sociais – fecharam, primeiro, no lugar de escancarar, suas fronteiras ao capital estrangeiro, depois da vitória da revolução. E só as abriram, seletivamente, para parceiros escolhidos a dedo, quando se consideraram seguros o suficiente para isso, exigindo-lhes transferência de tecnologia e aporte de capital, em regime quase sempre de joint-venture minoritária com empresas estatais locais.

Ao mesmo tempo em que criavam, por outro lado, uma nova burguesia, capaz de competir e de vender ao resto do mundo, desde que ela se mantivesse comprometida, politicamente, com o projeto nacional chinês, tanto do ponto de vista interno quanto do externo, na conquista de novos mercados e na compra, de forma regulada e dirigida, de empresas estrangeiras que pudessem contribuir estrategicamente para a vitoriosa consecução desse projeto.

A mesma burguesia que estamos destruindo no Brasil, neste momento, com a quebra programada, judicializada, de nossas maiores empresas, justamente as que possuíam uma forte presença internacional.

Ora, a diferença entre grandes e pequenos países, é que os primeiros perseguem continuamente seus interesses, e muitas vezes o fazem – quando não é possível estabelecer uma permanente aliança – colocando-os acima dos anseios da própria iniciativa privada, que deve se submeter, em última instância, à coletividade, ou, no mínimo, ao projeto de poder de suas nações de origem.

Pense pequeno

Independentemente de seu rancoroso anti-islamismo, de seu mal disfarçado apoio aos supremacistas brancos, de sua política fascista e higienista, que pretende expulsar e impedir a chegada de imigrantes e matar pobres e negros por falta de assistência médica, e de sua intenção de reabrir as prisões clandestinas da CIA; do ponto de vista econômico o que Trump quer fazer, desta vez de forma clara, descaradamente, sem subterfúgios nos Estados Unidos é, de certa maneira, a mesma coisa que os governos ditos comunistas estão fazendo na China.

Ele vai aprofundar e organizar, minimamente, a relação siamesa que sempre houve entre a iniciativa privada norte-americana e os governos dos Estados Unidos, principalmente os mais conservadores, desde a Guerra de Independência contra a Inglaterra, usando como fator estratégico o seu vasto mercado para fazer frente à “globalização”.

Desse projeto faz parte exigir, em troca de acesso aos consumidores americanos, a manutenção de fábricas e a criação de empregos dentro do país, mesmo para as grandes empresas multinacionais originalmente norte-americanas, e obter contrapartidas de qualquer empresa estrangeira que queira exportar para os Estados Unidos, como a cobrança de impostos.

Se a China, segunda maior economia do mundo, faz isso todo o tempo, se a Europa é uma fortaleza protecionista, que sobretaxa ou regula até a entrada de alimentos, porque os Estados Unidos, como maior mercado do mundo, não utilizariam essa condição geopolítica em seu próprio benefício? É o que deve estar pensado, por baixo da peruca ruiva, o mais novo e topetudo ocupante da Casa Branca.

Na década de 1960, ficou famoso um comercial de fusca da Doyle Dane Bernbach, que, apresentando ao público norte-americano o carrinho projetado a pedido de Hitler pelo desenhista Ferdinand Porsche, dizia, simplesmente: “Pense pequeno” – no sentido da defesa dos conceitos que se pretendia associar ao produto, de simplicidade, praticidade e economia.

No patético Brasil dos dias de hoje, as elites e a plutocracia estrategicamente medíocre que se assenhora cada vez mais da República, se acostumaram a pensar pequeno, não no sentido da conhecida peça publicitária da DDB, uma das maiores agências de publicidade do século passado, mas porque, infelizmente, pequena é a sua estatura moral e mental, escassos são seu patriotismo e hombridade e grande é a sua abjeção e seu complexo de vira-lata, desde a época em que seus  predecessores se acostumaram, após servir, a comer as migalhas que caíam da mesa de banquete dos estrangeiros de turno no comando do Brasil.

Quando algum governo, empresa ou partido tenta pensar diferente, com visão estratégica, em defesa da criação de empregos, da estruturação de empresas estatais em busca da consecução dos grandes objetivos nacionais; muitas vezes mínima e empiricamente definidos; ou em benefício de grandes empresas brasileiras, que possam fortalecer a Nação internamente – incluída sua capacidade de defesa – e projetá-la positivamente no exterior, no sentido de um Brasil mais respeitado e mais forte, uma velha e conhecida parcela da mídia que também pensa pequeno e subalternamente, aliada aos canalhas que odeiam e desprezam o país, sempre se levanta e interfere, ajudando a montar e a promover o bloco da quinta-coluna que canta o vergonhoso samba do entreguismo.

E nosso projeto de Nação, com as mais variadas desculpas, subterfúgios e bandeiras – principalmente a do combate à corrupção, costumeiramente usada contra Getúlio, Jango e JK –, é mais uma vez interrompido, fazendo com que tenhamos de retroceder como caranguejos, enquanto outras nações de nosso porte ou maiores do que nós – é preciso não esquecer que ainda somos o quinto maior país em extensão e população e a nona economia do mundo – avançam, por não ter pejo em atuar descaradamente em defesa de seus interesses, sem levar em consideração – ou apenas usando-os como biombo, quando eventualmente lhes interessa – conceitos como o dessa pseudoglobalização.

Com a eventual saída dos Estados Unidos do Acordo Transpacífico e do Nafta (cujas consequências para o México foram déficits comerciais cada vez maiores e uma queda na renda da população, que hoje é menor, em dólar, do que era antes do acordo) Trump está abrindo, quer se goste ou não disso, uma nova era para os Estados Unidos.

Resta saber se de alguma forma isso servirá de lição para as elites, a plutocracia e o governo brasileiros, abrindo-lhes os olhos para o que está ocorrendo no mundo, no sentido da necessidade de um projeto estratégico, nacionalista e desenvolvimentista para este país, ou se isso servirá para que o Brasil vista definitivamente sela, freio, pelego, cabresto e ferraduras, para aprofundar nossa abjeta subalternidade e a entrega de nossas riquezas e mercados ao exterior, por meio de uma acelerada entrada do país no TPP, e em um precipitado ou mal negociado acordo, entre o Mercosul e a União Europeia.

Na contramão do que estão fazendo as nações e regiões (não há ninguém mais protecionista que os Estados Unidos, a China e a Europa) que dividem conosco o primeiro pelotão da economia mundial ao fim deste primeiro quarto do século 21.