EDUCAÇÃO

Ao Cerrado, com carinho. Uma aula de interação ecológica

Vivência entre educadores e estudantes no Espaço Chico Mendes, em Brazlândia (DF), difunde a importância do equilíbrio ambiental e o papel do homem na sustentabilidade

SERGIO AMARAL/RBA

Em tempos de iniciativas pela preservação do planeta e, contraditoriamente, de contínuas agressões ambientais, uma pergunta se repete entre pesquisadores, pais, educadores e também empresários: o que está errado no esforço de conscientização do ser humano? Na busca de respostas, professores da rede pública e privada do Distrito Federal decidiram usar uma propriedade do sindicato da categoria, o Sinpro-DF, para unir o agradável – uma chácara de 66 hectares na cidade-satélite de Brazlândia – ao útil: criar um polo de educação ecológica.

O Espaço Educador Chico Mendes, idealizado e mantido pela entidade, funciona há um ano e meio, em uma antiga fazenda do século 17. A microrregião rural, a 45 quilômetros do Plano Piloto de Brasília, é conhecida pelo plantio de morangos. E agora experimenta possibilidades de estimular a interação em aulas de Geografia, Biologia e orientações sobre manejo sustentável.

A área integra uma reserva ambiental reflorestada pelo sindicato e que tem proporcionado novos olhares sobre a vegetação nativa, o Cerrado. Ali tudo é diferente, como o teto das construções, feito com bambus, e praticamente tudo pode ser reaproveitado e reciclado.

“Já pensou a alegria que é para os alunos aprender enquanto plantam mudas dentro de uma estação ecológica? Ou ter a oportunidade de ver e reconhecer cada árvore in loco durante as aulas?”, diz o professor Jefferson Soares. Ele trabalha na rede pública do governo distrital (GDF), participou de um curso de capacitação e está se organizando para levar grupos de estudantes.

Como já faz a também educadora Ivanete Pedreira. “O local permite interagir mais nas aulas, realizar atividades lúdicas e vivências que não são possíveis na escola. Além da área verde, existem vários prédios que permitem ao educador fazer um roteiro de passeios e discussões ao final”, afirma.

Os alunos aprovaram. “Meu pai falava muito no jeribá, mas eu não tinha ideia de como era. Só depois que vi a árvore de perto descobri que existem várias delas num parque perto da minha casa”, conta Adriana Maranhão, 12 anos, aluna do fundamental. “O lugar chama a atenção de quem quer trabalhar de forma sustentável. Ainda estou em dúvida sobre que curso fazer na faculdade, mas penso muito em Engenharia e Arquitetura e nunca tinha visto de perto um telhado verde. Saí do passeio conhecendo alternativas para quem quer abraçar uma dessas profissões”, diz o estudante do ensino médio Joaquim Andrade, 16 anos.

Centro de formação

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O professor Heráclito Sette Silva ensina aos alunos técnicas de extração do mel

O espaço era usado até junho do ano passado como centro de formação do sindicato. Durante os fins de semana, continua sendo área de lazer para os associados. Abriga vegetação típica e plantações desenvolvidas há mais de 100 anos. São comuns, por exemplo, árvores como copaíba, tapirira e jeribá (também chamada “palmeira do cerrado” e chamada em outros locais de jerivá, gerivá ou geribá), entre outras espécies, devidamente identificadas em duas trilhas – a das Águas e a das Árvores –, além de bacias de águas correntes vindas de nascentes.

A sede e demais ambientes da chácara são parte de um projeto arquitetônico coordenado por professores da Universidade de Brasília (UnB). No local existe um centro de referência, um segundo centro, de formação, e uma oca – destinada a cirandas, reuniões, aulas e salão multiúso. Todas as edificações ficam próximas, interligadas por meio de uma praça. Bom aproveitamento de luz natural, teto verde para reduzir a temperatura ambiente, reservatórios apropriados para captação de água de chuvas, combinados com o suporte profissional, tudo oferece múltiplas possibilidades para o desenvolvimento de atividades educativas.

Segundo a diretora do Sinpro Rosilene Corrêa, a revitalização do espaço era sonho antigo da entidade. A ideia era possibilitar essa integração entre professores, alunos e meio ambiente, por intermédio de experiências práticas. E acabou se expandindo com a oferta de cursos de capacitação para professores, inclusive de universidades. “O local que usávamos para a realização de seminários e outros eventos ganhou uma funcionalidade mais interativa e trouxe resultados muito positivos para todos nós”, afirma.

A coordenadora pedagógica Alda Ilza Lima destaca a diversidade das aulas. “Chegam por aqui alunos de Biologia e Geografia para fazer um passeio com os professores e conhecer de perto o bioma. Universitários promovem atividades de reflorestamento e reconhecimento de práticas agroecológicas. Um dia desses, tivemos uma atividade de tratamento de abelhas para retirada de mel”, diz.

O professor Heráclito Sette Silva, que integra a Associação de Meliponicultores do Rio de Janeiro (AME-Rio), lembra a importância de prender a atenção dos alunos para mostrar as técnicas de extração do mel. “Nada melhor do que um espaço onde tudo isso possa ser mostrado de perto e com segurança.”

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Rosilene Corrêa: revitalização do espaço era sonho antigo do sindicato

Projeto ambicioso

A equipe procura receber em média 50 alunos por turno, de segunda a sexta-feira. Turmas programadas por professores de escolas públicas e privadas, assim como de universidades, fazem as inscrições no Sinpro. Mais de mil alunos já percorreram algum roteiro levados por seus professores.

“O objetivo é oferecer essa oportunidade aos professores, dar a eles suporte para suas aulas e contribuir para a criação de um mundo mais conscientizado”, afirma o diretor da entidade Carlos Cirane. “Na verdade, o que queremos é que esse tipo de ensino, fora da sala de aula e mostrando ao vivo a natureza, vire moda.” Para Carlos, esse é o projeto mais ambicioso do Sinpro, por incorporar tecnologias ecológicas disponíveis e contribuir não somente para a escola, mas para toda a comunidade de Brasília. “Oxalá do Brasil inteiro.”

Rosilene acrescenta que educadores não podem mais se portar apenas como espectadores diante dos desafios da sustentabilidade. “Temos de mostrar aos alunos, principalmente crianças e adolescentes, que todos temos ligação com o ambiente e o quanto isso influencia a nossa vida.

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Alessandra, Marcos e Rosângela: integraçãomaior para absorção do conhecimento adquirido em sala de aula

Quando saímos do ventre da mãe biológica e é rompido o cordão umbilical, passamos a ficar ligados pela respiração a um segundo cordão, invisível, ligado ao planeta. As pessoas esquecem disso”, ressalta.

Rosângela Ferreira, 32 anos, e Marcos Pereira, 19, alunos do curso de Controle Ambiental, já frequentaram a chácara várias vezes. “Aqui estamos em plena floresta, há uma integração maior para absorção do conhecimento adquirido em sala de aula”, destaca Rosângela. “O sentido de aprendizado é bem melhor”, diz Marcos. A colega Alessandra Gonzaga de Souza, 20 anos, concorda: “As técnicas de preservação, a identificação das espécies, o espaço para as aulas, tudo nos faz ter uma aula de verdade”.

Oficinas para professores

Profissionais de educação têm recorrido a oficinas específicas no local com objetivo de se familiarizar com a proposta e conhecer as possibilidades educativas do espaço. As oficinas são gratuitas para associados do Sinpro e grupos da rede pública. Para instituições privadas de ensino, organizações não-governamentais e institutos socioambientais, são cobradas pequenas taxas para ajudar na manutenção da área, que variam conforme o perfil da utilização.

O conteúdo do projeto não chega a ser pioneiro. Existem experiências similares pelo país afora, mas chama a atenção o fato de ser iniciativa de um sindicato de trabalhadores. O pedagogo e mestre em Educação Ambiental José Eduardo Santana, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), elogia. “Apesar de as notícias relacionadas ao meio ambiente fazerem parte da pauta diária dos meios de comunicação, muitas vezes são mostradas de forma a serem responsabilizados países e governos, sem que se leve à certeza de que todos nós temos parte nisso”, observa.

Segundo ele, embora seja necessário intensificar a cobrança a governantes e empresários  pelos desastres ambientais, atos de preservação e conscientização precisam ser consolidados – é uma tarefa importante para os educadores. “Ações desse tipo ajudam a formar uma escala global de preservação do planeta”, afirma. “Sem falar que dá perspectivas para as escolas sem muita infraestrutura de conseguir levar os alunos para uma opção diferente de aula.”

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Trilha das árvores: vegetação típica do cerrado e plantações desenvolvidas há mais de 100 anos