Editorial

Cunha coroa a hipocrisia que abate a política brasileira

O parlamentar é conhecido por explorar a fé alheia para enriquecer, se elevar no altar da política e enriquecer mais ainda. Com seu poder econômico na Câmara, paralisou o país e liderou um golpe legislativo

Antonio Cruz/Agência Brasil

Renúncia de Cunha faz parte de acordão e de estratégia de Temer. Retrato de um sistema político falido

“Deus abençoe esta nação.” A frase por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ao renunciar à presidência da Câmara – com objetivo de não perder o mandato –, coroa a hipocrisia que abate a política brasileira. Como diz o provérbio, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que Eduardo Cunha entrar no reino dos céus. O parlamentar é conhecido por explorar a fé alheia para enriquecer, se elevar no altar da política e enriquecer mais ainda. Com seu poder econômico na Câmara, Cunha paralisou o país e liderou um golpe legislativo. É o símbolo mais contundente de um sistema político falido.

Esse tema aparece em comum em entrevistas desta edição, uma com a presidenta afastada Dilma Rousseff e outra com o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ). Ambos apontam para a contradição do sistema eleitoral, em que pessoas costuma priorizar o projeto em disputa quando votam para prefeito, governador, presidente, mas são movidas a clientelismo ou desinformação ao eleger vereadores ou deputados que inviabilizam o projeto escolhido.

Para Jean Wyllys, o uso oportunista da política se alimenta da cumplicidade de um eleitorado majoritariamente conservador. O Congresso não representa a diversidade do Brasil, mas representa preconceitos arraigados na maioria do povo. E preconceito não se resolve com leis duras ou prisões, mas com um processo civilizatório de formação e educação. Dilma enaltece o papel da educação para a evolução do país em termos materiais, culturais, científicos e humanos. Por isso, considera um dos objetivos mais graves do golpe em curso o engessamento dos gastos com educação e saúde – “Não por agora, mas por 20 anos”.

Wyllys tem fé que o país melhore sua representação política em 2018, sem financiamento empresarial de campanha e com mais empenho dos setores democráticos em saber acolher as demandas que florescem todos os dias nas ruas e redes. Segundo ele, a esquerda e a juventude têm potencial para enfrentar e superar a imbecilidade que prolifera nas redes sociais.

Também é comum a esses dois personagens – de gerações e posições partidárias contrastantes – a batalha vigorosa pela democracia. Para ambos, Dilma errou ao compor governo com traidores, mas o golpe ainda pode ser revertido no Senado. E ela sairia da turbulência melhor do que entrou, com o compromisso de rever a condução da economia para a rota do crescimento e de honrar o programa de governo com que se elegeu.