Fecham-se as cortinas

Fim das obras da Olimpíada deverá deixar até 30 mil sem emprego

Além das obras para as instalações esportivas, diversos outros projetos fizeramo Rio vivesr nos últimos anos uma 'lua de mel' com o setor de construção civil, prestes a acabar

DHANI BORGES/PCRJ

Primeiro teste de luz do Parque Olímpico

BRUNO POPPE-PAC-FLICKR-CC e MARCELO HORN-GERJObras_Rio2.jpg
Obras do VLT da rodoviária ao aeroporto, instalação de trilhos subterrâneos e Linha 4 do Metrô, que empregou 10 mil pessoas. Obras e projetos fizeram o Rio viver ‘lua de mel’ com a construção civil, mas a situação mudou

Início de junho, manhã de uma quarta-feira no centro do Rio de Janeiro. O saguão do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada começa a se encher de gente. Será assim ao longo do dia, durante o qual cerca de 100 trabalhadores recentemente demitidos farão suas homologações de rescisão de contrato. Com idades e procedências diversas, todas essas pessoas têm uma coisa em comum: estão sendo demitidas de projetos ligados direta ou indiretamente à realização da Olimpíada.

Os Jogos Olímpicos começarão oficialmente em 5 de agosto. Antes disso, a expectativa no setor é que o fim das obras signifique a falta de emprego para um universo de cerca de 30 mil trabalhadores da construção civil, aprofundando um processo de crise iniciado há dois anos.

Quando começarem a chegar à cidade, no final de julho, os quase 18 mil atletas e integrantes de comissões técnicas dos países que participarão da Olimpíada e da Paralimpíada estarão ocupando nos ginásios esportivos e alojamentos os lugares de um time que tornou os jogos possíveis, mas que sairá de cena justamente na hora da festa.

“Uma base de aproximadamente 30 mil trabalhadores se envolveu nesse processo da Copa e da Olimpíada desde o início das obras, em 2012. O número de demissões começou a crescer em 2014, foram quase 3 mil. E nós tivemos somente no ano passado 8,5 mil trabalhadores demitidos. Este ano, com dados consolidados até maio, estamos com cerca de 5 mil demitidos. Temos, portanto, um remanescente de cerca de 14 mil trabalhadores envolvidos nessas obras, mas a perspectiva é que a grande maioria também perca seu emprego ao fim dos projetos”, diz o presidente do sindicato, Nilson Duarte Costa.

A tendência, lamenta, é que o saguão do sindicato se encha ainda mais nas semanas que antecederão o começo da Olimpíada. “Ainda tem muito trabalhador engajado, mas que deverá ser dispensado”, afirma. “As obras para a Olimpíada estão na faixa de 70% prontas. Não estão, como a imprensa vem divulgando, 90% prontas. Algumas estão terminadas, mas outras, como as arenas olímpicas em Deodoro ou na Barra da Tijuca, na zona oeste, ainda estão distantes do fim, e provavelmente ficarão prontas em cima da bucha. Algumas não vão nem terminar, serão maquiadas, pois é grande a pressa para terminar as obras por causa da inspeção do Comitê Olímpico Internacional.”

Além das obras para as instalações do Parque Olímpico, do Complexo Esportivo de Deodoro e da Vila dos Atletas, diversos outros projetos fizeram com que o Rio vivesse nos últimos anos uma “lua de mel” com o setor de construção civil. Somente a Linha 4 do Metrô empregou 10 mil trabalhadores, além de outras grandes empreitadas como a revitalização do porto, a construção dos corredores de BRT Transbrasil (que ligará a Rodoviária Novo Rio a Marechal Deodoro, onde estão sendo finalizadas 11 arenas para os Jogos) e Transolímpico (entre a Barra e Deodoro), a reforma do Aeroporto do Galeão e a construção do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) para ligar a rodoviária ao Aeroporto Santos Dumont.

Havia trabalho de sobra, mas os ventos mudaram de direção. Em abril, de acordo com o mais recente boletim do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), publicado pelo Ministério do Trabalho, as obras de edificação e infraestrutura empregavam 263.179 trabalhadores no Rio de Janeiro. Se for feita a comparação com o número de trabalhadores registrados em abril de 2014 (323.908), observa-se que em dois anos houve queda de 18,7% nas vagas oferecidas pelo setor.

No mesmo período, o número total de empregados no estado, somando todos os setores da economia, registrou queda de 4,5%, bem menor do que o registrado especificamente no setor de construção civil. A queda no número de empregos observada no Rio de Janeiro, no entanto, permanece menor do que a média nacional do setor, que foi de menos 20,6% vagas, passando de 3,1 milhões de trabalhadores empregados na construção pesada em abril de 2014 para 2,5 milhões em abril deste ano. Já a participação do setor de construção civil em relação ao número total de empregos com carteira assinada caiu em dois anos 14,9% no Rio e 17,6% na média nacional.

Essa vantagem comparativa no Rio, que agora começa a perder força, já reflete, na visão das empresas do setor, a desaceleração dos projetos ligados à Olimpíada. “Até agora, a Olimpíada de alguma forma ainda estava sustentando o setor de construção pesada do Rio que, por causa das obras olímpicas, não teve a crise que outros estados já tiveram. Por exemplo, Pernambuco e Bahia tiveram uma queda muito grande”, diz Petrônio Lerche Vieira, diretor do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada.

Sem perspectivas

Para muitos trabalhadores, a situação já virou. Recentemente desligado das obras no Galeão após um ano e três meses de trabalho, o sinaleiro Roberto Silva, 50 anos, lamenta a falta de perspectiva. “Antes do trabalho no aeroporto eu fiquei dois anos como sinaleiro na construção do Transolímpico. Foram quase quatro anos de trabalho, com salário bom, mas agora não sei como será o futuro”, conta. Silva ganhou uma carteirinha da empresa dando conta de que ele é “prioridade para futura contratação”, mas lamenta esperar a rescisão há quase um mês: “Quero pegar meu dinheiro para poder visitar meu filho pequeno que mora fora do Rio”.

PCRJ e JP.ENGELBRECHT-PAC-FLICKR-CCObras_Rio_B.jpg
Centro de Tênis da Cidade Olímpica e Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT. Jogos começarão oficialmente em 5 de agosto. No final de julho, os atletas começam a chegar

Pelos corredores do sindicato passam também os últimos trabalhadores remanescentes de alguns projetos. “Tá feia a coisa. Tínhamos uma equipe de vários eletricistas, mas agora só ficou um lá na obra”, conta o eletricista Marcelo ­Couto, recentemente demitido do projeto da Vila dos Atletas. Aos 25 anos, morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Couto, que antes havia trabalhado na construção do Museu do Amanhã (parte da revitalização da zona portuária carioca), também não tem novo trabalho em vista. “Já estou passando em algumas empresas para deixar meu currículo.”

Cronograma 2020

Antes do agravamento das crises política e econômica ao longo do ano passado, o poder público e as empresas sustentavam a existência de um cronograma de obras a serem iniciadas até 2020. Seu ­objetivo, entre outras coisas, era evitar que grandes contingentes de trabalhadores ficassem sem emprego após o término dos projetos que deveriam se encerrar antes da Olimpíada. O cronograma – que incluía a expansão do metrô para Niterói e São Gonçalo e a construção de uma nova estrada ligando o Rio a Angra dos Reis – foi, no entanto, sendo progressivamente esquecido e definitivamente abandonado com o início do governo do presidente interino, Michel Temer (PMDB).

“No curto prazo não tem obra para comportar esse pessoal. O cronograma dos Jogos Olímpicos está sendo cumprido. Só que, a certa altura, a partir do final de 2014, começou a não ter mais obra nova. Estão acabando as obras que já estavam acertadas, e a existência de obras novas vai depender de todos esses projetos que o governo prometeu fazer no Cronograma 2020. Eu não sei dizer quantos projetos vão ser admitidos”, diz Vieira.

Para Nilson Duarte Costa, “não há perspectivas em relação ao futuro desses trabalhadores” se novos projetos não forem confirmados. “O cronograma até 2020 previa novas obras que iriam acontecer não só no estado do Rio, mas no Brasil todo, mas foi à bancarrota. Essa foi uma discussão feita em 2013 com o ­Ministério do Planejamento, que estava com todas essas previsões idealizadas e pronto para recolocar nessas obras, não digo todos, mas ao menos 80% dos trabalhadores que estão agora sendo demitidos no Rio de Janeiro. Novas vagas viriam com novas obras que estavam previstas pelo governo federal, mas isso tudo ficou suspenso pelo processo de crise que o país está atravessando.”

Na análise do sindicalista, a situação das principais empreiteiras, envolvidas com a Operação Lava Jato, deixa em suspenso os projetos futuros de novas obras para a readmissão dos trabalhadores: “Essa é uma situação caótica, nós estamos muito preocupados porque não vemos luz no fim do túnel”. O novo governo, diz, não acenou até agora com a retomada das discussões sobre eventuais novos projetos. “Tudo foi suspenso com o afastamento da Dilma, governo que vinha discutindo isso aí. Agora as pessoas não estão mais lá e nós não temos a mínima noção do que vai acontecer no futuro. Antes podíamos dialogar com o governo, agora não temos nada.”

Volta para casa

O bom momento do mercado de construção pesada no Rio atraiu ao estado diversos trabalhadores, muitos deles qualificados, vindos de outros estados. Sem novas opções, vários já começam a retomar o caminho de casa. O frentista de túnel Júnior Mendes, de 19 anos, passou os últimos dois anos trabalhando no projeto do Porto do Rio, mas agora decidiu retornar à Paraíba. “Agora está mais fácil encontrar trabalho lá do que aqui, por isso decidi voltar”, diz. Para o jovem, o período de trabalho vivido no Rio foi positivo: “Foi importante para o meu currículo. As obras da Olimpíada deram oportunidade a muita gente de fora”.

Também paraibano, o ex-porteiro ­José Ednaldo, de 50 anos, foi outro que decidiu voltar para casa após o fim de seu contrato para as obras do porto, onde permaneceu por um ano e quatro meses trabalhando na escavação de túneis. O curioso é que Ednaldo já vive no Rio há 29 anos. “Deixei o trabalho nas portarias dos prédios, onde fiquei muitos anos, para ganhar mais nas obras. Agora tudo está acabando e, como a crise no Rio está braba, decidi voltar para casa e tentar abrir alguma coisa por lá. Estou só aguardando sair o dinheiro da rescisão.”

“Temos uma série de companheiros demitidos que não são do Rio de Janeiro”, diz o presidente do sindicato. “Muitos que estão sendo demitidos estão voltando para os seus estados. E outros permanecem aqui na incerteza se vai ter mais trabalho ou não. Tem que ver até quando eles irão aguentar ficar por aqui, porque têm uma série de custos para sobreviver. Se não tiverem trabalho, passarão por uma situação muito difícil.”

THIAGO RIPPER/RBADeagse_SV_foto_Thiago_Ripper_RBA.jpg
‘Tá feia a coisa. Tínhamos uma equipe de vários eletricistas, mas agora só ficou um lá na obra’, Marcelo Couto, recentemente demitido do projeto da Vila dos Atletas, faz homologação no sindicato