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Parelheiros é logo ali

Polo de ecoturismo junto à selva de pedra paulistana tem cachoeiras e patrimônio histórico. Área rural e de preservação oferece opções de lazer e desenvolvimento sustentável

José Cordeiro/SPTuris

O barulho da queda d’água fica cada vez mais forte conforme se avança pela trilha. Para chegar, é preciso atravessar uma ponte rústica que inspira cuidados, apesar de nova. Foi construída depois de uma forte chuva levar, em março, a antiga instalação rio abaixo. Foram 30 anos servindo a população. O destino compensa o esforço. A cachoeira tem vários pontos de acesso, e a água, limpa e calma na piscina formada pela queda, convida. Durante o percurso, a expectativa é avistar algum tucano-de-bico-verde ou uma anta. Almas-de-gato e soldados, pássaros de cores exuberantes, são comuns.

Para os paulistanos imersos na dinâmica apressada a ideia de acampar à beira de uma cachoeira, ou de comprar hortaliças diretamente no rancho, ou ainda avistar animais silvestres, parece um convite para pegar um carro, pagar alguns pedágios e partir para outro lugar. Qualquer outro lugar. Mas é possível fazer tudo isso, quem sabe vislumbrar uma onça, dentro dos limites da cidade.

Na região sul de São Paulo é possível fazer roteiros que incluem meio ambiente, agricultura orgânica e patrimônio geológico e histórico. O Polo de Ecoturismo de São Paulo foi oficializado na zona sul em 2014, justamente para canalizar investimentos públicos e privados e dar mais visibilidade às belezas da região de Parelheiros, Marsilac e Colônia. A ação também tem o intuito de proteger a Mata Atlântica, intocada em alguns trechos, e a fauna que habita as duas Áreas de Proteção Ambiental (APA) que compõem o polo e, juntas, correspondem a um quinto do território da cidade. Entre as estratégias está o fortalecimento do ecoturismo e da agricultura orgânica.

Áreas protegidas

A APA Colônia é assim chamada porque o bairro que deu nome à área foi originalmente criado em 1828 para abrigar colonos alemães. Há vários resquícios dessa presença: até hoje, muitas famílias da região levam nomes alemães e realizam festas típicas. Igrejas e cemitérios construídos na época ainda estão de pé. Depois dos alemães, os japoneses chegaram a partir do início dos anos 1900 e dinamizaram a agricultura. Atualmente, a cultura orgânica se fortalece e se torna uma alternativa econômica e social, e ambientalmente sustentável.

DANILO RAMOS/RBAcachoeira do jamil
Cachoeira do Jamil

Na APA Capivari-Monos, a cachoeira visitada pela Revista do Brasil é conhecida como do Jamil ou do Evangelista, no bairro Barragem, dentro de um sítio particular desprovido de luz, internet e água encanada. “A gente quer investir. Meu pai quer colocar luz solar, arrumar a estrada. Mas também, se o pessoal que vier não cuidar da natureza, não adianta”, afirma Said Saade, de 23 anos. Ele e a mulher, Cintia Rodrigues, 21 anos, são responsáveis pela propriedade desde o começo do ano. O potencial turístico do lugar foi notado pelo patriarca, Jamil Saade, há mais de 20 anos, mas as condições financeiras e a baixa procura nunca permitiram grandes investimentos e, às vezes, nem mesmo a manutenção do sítio, onde é possível encontrar casarios em ruínas.

“Eu sempre sonhei em trabalhar com turismo. Então, ter conhecido ele, sem saber que tinha esse sítio aqui, e ter vindo para cá foi uma bênção”, conta Cintia. “Sempre estou de olho, agora, nos cursos da prefeitura que têm a ver com guia turístico.”

Enquanto o jovem casal pensa na integração com o turismo, há quem esteja feliz com a vida tranquila em meio à floresta. Seu Augusto (que não quis dizer o sobrenome) completou 80 anos no dia da visita da reportagem à sua propriedade, 25 de agosto. Foi agricultor durante toda a vida e há duas décadas planta ali suas hortaliças. A pequena produção é consumida e vendida para os vizinhos. Quando há muito excedente, ele leva para uma feira da região. “Não tem ganância. Eu vendo isso aqui para comprar meu fumo, que eu gosto de um tabaquinho. Mas não vendo pra ninguém revender não. Eles compram de você a ‘maçaroca’ por R$ 0,50 e vendem por R$ 1,50. Eu não estou aqui pra trabalhar pros outros não.”

Para a urbanista Ermínia Maricato, integrante do Conselho da Cidade de São Paulo, atrair visitantes pelas belezas naturais da região é uma forma de preservá-la e proteger a fauna e as nascentes de rios. “Precisamos dar uma vocação econômica para que não vire um depósito de gente impedida de viver em outros lugares”, afirma. Mas para isso é preciso planejamento e incentivos, permitindo que o desenvolvimento ocorra de maneira correta, em interação com a população local e garantindo a preservação. “São Paulo é tão gigantesca que pode colocar tudo em risco se for uma avalanche de gente. É importante fazer a divulgação para que ocorram iniciativas para se criar infraestrutura e impedir ocupações predatórias”, pondera.

Reocupação vegetal

No domingo anterior à incursão da reportagem a região recebeu 160 visitantes, número expressivo para a baixa temporada. Said atribui o recente aumento da procura por lazer nas matas de seu sítio à crise hídrica e a recentes reportagens na imprensa. De fato, o volume das águas que mais para a frente alimentarão as represas Billings e Guarapiranga, também na zona sul, impressiona. Dentro do sítio ocorre o encontro de dois cursos d’água: o Capivari e o Monos, que dão nome a uma das APA e são hoje os únicos rios limpos da cidade de São Paulo.

O verde da região tem, na verdade, uma história de recuperação. A antiga colônia de alemães e japoneses foi um polo de extração de carvão vegetal, alimentando com madeira da Mata Atlântica a indústria da São Paulo do final do século 19 e os motores de trens que ainda passam nas proximidades. Diversas áreas devastadas foram recuperadas com pinus e outras plantas exóticas, mas a vegetação originária vem naturalmente reocupando espaço.

No caminho para a cachoeira, há diversos resquícios da história ferroviária da região. Ainda hoje, o tráfego de vagões de carga indo e vindo do litoral é intenso. No entorno da estação Evangelista de Souza, ainda sobrevivem poucas casas da antiga vila de trabalhadores da linha do trem. Algumas delas foram ocupadas recentemente por moradores, mas outras estão totalmente depredadas. A estação atendia a passageiros até o final dos anos 1990 e hoje serve como pátio de manobra de cargueiros.

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O trajeto inclui a passagem pelos territórios indígenas das aldeias Tenondé-porã e Krukutu, que abrigam falantes da língua guarani. Eles produzem artesanato e recebem visitas pré-agendadas para quem quiser conhecer a cultura e os hábitos de quem vive ali. Na Krukutu, também é possível encontrar obras do escritor Olívio Jekupé, autor de livros de histórias tradicionais.

Membro do conselho popular da região, Fernando de Souza, o Fernando Bike, acredita que a crescente popularidade das matas da região tenha também influên­cia das placas de sinalização instaladas pela prefeitura desde a Avenida Teotônio Vilela, em Interlagos. “É um investimento simples e dá resultado”, avalia. De fato, seguindo as placas é possível chegar aos principais pontos de interesse da região. Mas há pegadinhas: a estrada apontada para ir à cachoeira do Jamil, por exemplo, fica inacessível depois de chuvas – há rotas não sinalizadas que são as de fato usadas por quem é dali.

É o caso de Fernando. A prática de mountain bike proporcionou experiência para conduzir grupos em passeios turísticos na região da mata. Ele mora há 20 anos no centro da Cratera do Colônia, resultado do impacto de um asteroide que sacudiu o que viria a ser São Paulo milhões de anos depois. A cratera também pode virar uma atração, que ajudaria a preservar a área de mata que ainda resta no bairro superpovoado de Vargem Grande. Nas bordas do imenso buraco, há pontos de observação privilegiados do acidente geológico e da floresta do entorno.

“Toda essa região tem muito potencial. Mas para que os moradores se sintam mais seguros para investir em infraestrutura, a prefeitura precisa fazer a regularização fundiária dos imóveis”, afirma Fernando Bike. A região tem cerca de 140 mil habitantes, a maioria pessoas de baixa renda que se instalam por lá sem alternativa de moradia em áreas com infraestrutura.

A outra São Paulo

1. Cachoeira do Jamil
Fica em sítio particular, onde ocorre o encontro dos rios Capivari e Momos. R$ 10 para entrar. Há opção de hospedagem, mas não há luz elétrica. A partir do bairro de Colônia, há placas sinalizando o caminho, mas o ideal é procurar guias locais. Contato: Selva SP, (11) 94727-4296 / 99503-5616 / 5926-7261 ou 99885-5352 (Lucas)

2. Poço das Virgens
A Cachoeira Poço das Virgens é acessada por meio de trilha na Mata Atlântica a partir do Sítio do Bambu e tem uma pequena queda d’água. Boa para nadar. Há estacionamento e área para piquenique.
Contatos: Giuliano, [email protected], (11) 94727-4296 / 99503-5616. Oswaldo, [email protected], (11) 94728-5809. Erley, [email protected], (11) 5920-8949 / 99795-5340

3. Cachoeira Marsilac
A seis quilômetros do centro de Marsilac, último bairro ao sul da capital paulista. Considerada de fácil acesso, fica cheia nos fins de semana de calor. Há placas a partir da Estrada de Marsilac e também guias locais. É ótima para banho

4. Borboletário Águias da Serra
O espaço abriga 3 mil borboletas de 27 espécies e é o primeiro da cidade. O passeio é todo pensado para ser um show de beleza e informação. Indicado para crianças. Não abre em dias de chuva. Consulte preço para visitação. Estrada da Ponte Alta, 4.300. (11) 5660-6102, [email protected]

5. Mirante da Serra do Mar e Núcleo Curucutu
Do alto da serra é possível avistar Itanhaém e Mongaguá em dias com céu aberto. É preciso agendar e ter acompanhamento de guia, a trilha tem dificuldade média. Com sorte, também é possível, avistar animais silvestres, como antas e lobos-guará. O parque estadual protege quase metade do que resta de Mata Atlântica no Brasil. Além da trilha do Mirante, há outras duas que levam a nascentes de rios.
Contato: [email protected] R. da Bela Vista, 7.090, Emburá do Alto, (11) 5975-2000. Terça a domingo, 8h30 às 16h30

6. Mirante da Cratera
A Cratera do Colônia foi formada pelo impacto de um meteoro há 20 milhões de anos. É o lar de centenas de famílias. Ainda é possível observar as alterações na topografia do bairro a partir de pontos altos de Vargem Grande e do próprio Colônia.

7. Solo Sagrado
Construído para ser um protótipo do paraíso por seguidores da igreja Messiânica, é considerado espaço ecumênico. A proposta é curtir a natureza e ter momentos de paz. Há lanchonetes e cursos no local. Av. Prof. Hermann Von Ihering, 6.567, Jardim Casa Grande, (11) 5970-1000, [email protected]

8. Vila Ferroviária
A vila Evangelista de Souza, fundada em 1935, é tombada como patrimônio histórico da cidade, mas resta pouco dela. Algumas famílias ocupam casas do conjunto. Até 1997, o trem transportava passageiros, mas hoje, apenas vagões de carga, indo e vindo do litoral, param na estação. Acesso a pé à Cachoeira do Jamil. É fundamental consultar um guia para se chegar à vila.

9. Aldeias Guarani
Duas aldeias guarani na região, Tenondé Porã e Krukutu, permitem contato com a cultura das etnias, danças e rituais tradicionais, comprar artesanato e livros de escritores locais. O guarani é falado fluentemente. É preciso agendar a visita. Aldeia Krukutu: (11) 5978-4225.
Aldeia Tenondé Porã: (11) 5977-3689 / 99848-2812 – [email protected]