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Lições norueguesas

O país tem belezas, serviços públicos e índices de desenvolvimento humano invejáveis. Graças ao uso exemplar de suas riquezas naturais, como o petróleo, e à gestão do Estado

JEAN-PIERRE DALBÉRA/FLICKR/CC

Visitar Oslo é uma experiência rica. Em conhecimentos e em… despesas. Tudo é muito caro. Quase tudo. O transporte público, por exemplo, em comparação com outras capitais europeias, é barato. Pessoas com mais de 67 anos pagam metade do preço das passagens, e o benefício é extensivo a seu ou sua cônjuge, independentemente da idade. E desde 1º de janeiro de 2009 a Noruega reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Restaurantes, serviços em geral, isto sim é muito caro – mesmo para quem venha de uma cidade como São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília. Mas dá para enfrentar. Vale a pena, por exemplo, procurar casa ou apartamento para alugar em vez de hotel, fazer compras em supermercados ou feiras, lanchar rapidamente durante o dia e cozinhar à noite. Esta, aliás, dependendo da época do ano, pode ser muito longa, 18 horas no pico do inverno, ou muito curta e diáfana, seis horas de um lusco-fusco no auge do verão.

A população é gentil e acolhedora no mais das vezes. Parar na rua com um mapa na mão é convite para várias pessoas se disporem a ajudar. Há passeios bonitos de barco na baía que banha a capital norueguesa, pelas ilhas próximas, incluindo museus vikings e as ruínas de um mosteiro cisterciense do século 12. Aliás, museus são um capítulo à parte. O de Arte Moderna é uma beleza só por seu prédio. Há o museu dedicado ao pintor expressionista Edvard Munch, a Galeria Nacional, a casa onde o dramaturgo Henrik Ibsen viveu seus últimos anos de vida, só para citar alguns exemplos.

No verão, as manhãs são sempre frescas (de 12 a 15 graus), e à tarde o termômetro pode ir a 30. Como o número de parques na cidade é enorme, vale a pena uma esticada na grama para uma modorra.

Estado presente

Oslo é considerada a melhor capital europeia em matéria de qualidade de vida. O país todo, de 385 mil quilômetros quadrados – algo como Rio Grande do Sul e Santa Catarina juntos –, tem uma população de quase 5,2 milhões de habitantes, menos da metade da do município de São Paulo. Com um PIB nominal de US$ 421 bilhões e total (levando em conta o poder aquisitivo real da moeda) de US$ 351 bilhões, a Noruega tem Índice de Gini (que mede a desigualdade) de 22,3 (em uma escala de 0 a 100), o menor do mundo, e o melhor Índice de Desenvolvimento Humano – 0,944 (o IDH vai de 0 a 1). Para se ter uma ideia do significado disso, os Estados Unidos ocupam o quinto lugar em termos de IDH, com 0,914, mas caem para 28º levando em conta a desigualdade social, com 0,755.

Um dos fatores desse sucesso é a utilização, em larga escala social, dos benefícios advindos da exploração do petróleo e derivados em sua plataforma continental no Mar do Norte. A descoberta de grandes jazidas submersas de petróleo data dos anos 1960, e desde então a Noruega se destaca mundialmente pela sabedoria (digamos assim) do uso dessa riqueza natural, ao lado de outras, como a pesca, energia, potencial hídrico e minérios. Petróleo e derivados respondem por 25% do PIB. E sua exploração combina com êxito operações de mercado com um amplo e rigoroso controle estatal sobre setores estratégicos da economia.

A exploração do óleo tem três esteios principais: a Statoil, com 62% de suas ações em poder do Estado, a Aker Solutions, com 30% de controle direto pelo Estado, e a Petoro, com 100% do capital estatal. A Petora não faz exploração, mas é a companhia que controla as concessões para empresas privadas. O imposto sobre o lucro dessas explorações sob concessão é de 78%. Graças a esse controle, a Noruega estabeleceu dois fundos estatais de reserva, o Fundo Governamental de Pensões (FGP) Global e o FGP-Noruega. As reservas do primeiro são avaliadas em US$ 884 bilhões, sendo o maior fundo governamental dessa natureza no mundo. As do segundo são avaliadas em cerca de € 10 bilhões.

O destino dessas reservas foi definido como uma “proteção para as futuras gerações”. Pelas normas vigentes, o Estado só deve gastar 4% dos fundos anualmente, capitalizando o restante para, entre outras coisas, equilibrar-se diante das variações do preço internacional do petróleo, como no momento, em que está em queda livre.

Os recursos dos fundos podem ser utilizados para investimentos, inclusive no plano internacional, mas de acordo com rígidos padrões éticos. Por exemplo, eles não podem ser investidos em empresas que colaborem de alguma forma com a produção de armas nucleares. Tampouco em empresas que produzam tabaco. A lista de empresas excluídas é grande, e inclui as norte-americanas Boeing e a Walmart, esta acusada de violação de direitos humanos e trabalhistas. A francesa Alstom está “em observação”, considerada uma empresa com alto risco de envolvimento em operações de corrupção.

Todo esse universo – ao lado de um sistema universal de saúde, de uma educação primorosa – só é possível graças ao controle extenso e rigoroso do Estado sobre a economia. A presença do setor público é forte no setores de energia ­(Statkraft), alumínio (Norsk Hydro), bancário (Banco DnB Nord, o maior do país) e telecomunicações (Telenor). Com isso, o Estado norueguês controla 30% das ações em jogo na Bolsa de Valores.

A Noruega rejeitou em dois plebiscitos a entrada na União Europeia, embora participe do Mercado Comum Europeu e do acordo de Schengen, sobre vistos e imigração. O país tem alto índice de imigrantes, sobretudo paquistaneses. Em Oslo há até um setor de nome Pequeno Karachi (o mesmo da maior cidade do Paquistão), onde fica a principal mesquita da cidade.

Nao se pense que não há tensões. A questão dos imigrantes permanece polêmica, como em outros vizinhos europeus. Foi o pano de fundo para os atentados de 22 de julho de 2011, perpetrados por um fanático de extrema-direta, Andreas Breivik, que deixaram oito vítimas no centro da cidade e 69 jovens mortos da Juventude do Partido Trabalhista na Ilha de Utoya.

O uso maior ou menor dos fundos de reserva também provoca polêmicas entre conservadores e trabalhistas. Mas nem por sonhos alguém pensa em extingui-los ou entregá-los alegremente à gestão privada. São, portanto, várias as lições para o Brasil, nestes tempos em que as direitas alçam a cabeça querendo que o país abaixe a sua.