ENTREVISTA

Sinal amarelo para a matéria-prima do crescimento

Presidente do Sindicato dos Químicos do ABC, Raimundo Suzart, critica setor por abusar da rotatividade: “Ganhou muito nos últimos dez anos e tem gordura para não tratar resfriado como pneumonia”

DINO SANTOS/AGÊNCIA ÀGAMA

Um sinal amarelo acendeu na base do Sindicato dos Químicos do ABC, entidade que representa 40 mil trabalhadores de diversos setores, inclusive o estratégico polo petroquímico. No primeiro semestre, entre contratações e demissões, a base perdeu 1.400 vagas, especialmente no segmento plástico, que concentra metade da categoria.

“A Lava Jato deixou de ser criminal e virou processo político. O Serra é citado e botam uma tarja preta em cima do nome dele. Há um problema econômico mundial, mas que no Brasil é agravado pela crise política”

“É um número considerável”, comenta o presidente da entidade, Raimundo Suzart. Baiano de Andaraí, na Chapada Diamantina, ele está na base da categoria química do ABC há 30 anos – tem 47. Eleita em novembro passado com 98% dos votos, a nova diretoria tomou posse em abril, e em julho último realizou seu 12º congresso – que, entre outros temas, discutiu o cenário político e a campanha salarial que se aproxima, em um ambiente turbulento.

Raimundo admite a crise. Mesmo assim, acredita que há espaço para fechar acordos com, no mínimo, a reposição da inflação. Até porque muitas empresas adotam uma tática que implica em uma redução salarial disfarçada: contratam trabalhadores com remuneração anterior à da data-base e, portanto, sem aumento.

Para ele, também há motivos para criticar o governo, mas ao mesmo tempo não tem dúvida de que se trata de um projeto a ser defendido. “Com todas as dificuldades, não podemos negar os avanços que a gente teve.”

As investigações da operação Lava Jato, que para o sindicalista passaram a ter viés político, não afetaram a operação da Braskem, empresa cuja receita líquida atingiu R$ 46 bilhões no ano passado, com lucro de R$ 726 milhões. No caso da gigante petroquímica, a principal preocupação, diz Raimundo, concentra-se nas negociações com a Petrobras para fornecimento de nafta – o acordo atual vence em agosto. Sem a matéria-prima, tudo pode parar no polo.

Raimundo 2

Vocês acabaram de sair de um congresso. O que preocupa mais neste momento?

Tomamos a decisão de fazer do nosso 12º congresso um evento político. Fizemos análise macroeconômica, política, trouxemos várias pessoas de outros países e de outros setores. Em alguns momentos a crise é mais política do que econômica. A gente percebe que alguns setores da nossa categoria poderiam estar avançando mais, e aí a gente pode citar a Lava Jato, que atinge diretamente a nossa maior empresa, que é a Braskem, e a Petrobras, que é a sócia e vende a matéria-prima para a Braskem. Temos um impasse hoje em torno da nafta que nos afeta. Não podemos negar que a Lava Jato deixou de ser criminal e virou processo político, e aí gente vê que o senador José Serra (PSDB-SP) foi citado e botaram uma tarja preta em cima do nome dele. Entendemos que economicamente existe um problema que é mundial, mas que no Brasil é agravado pela crise política que a gente tem hoje com o Congresso, o presidente da Câmara denunciado.

“A data-base para o reajuste é 1º de novembro. Daí a empresa demite o trabalhador em janeiro, fevereiro, e admite um novo com salário de outubro. E assim passa a pagar salário do ano anterior, antes do reajuste. Isso é rotatividade com redução de salário”

Há tempo é discutida a questão da nafta. Como está essa negociação?

Na questão da nafta, a Lava Jato não teve impacto. Tem um impacto na Braskem, o presidente do conselho foi detido (Marcelo Odebrecht – a Odebrecht é controladora da Braskem). Uma negociação sobre preço se arrasta. São feitos acordos semestrais e a todo momento tem um impasse, se será renovado. Entra toda aquela tensão se vai ter nafta para as unidades continuarem produzindo: a de Capuava, aqui no ABC, a de Triunfo, no Rio Grande do Sul, e a de Camaçari, na Bahia. Quando apareceu a crise e talvez fosse faltar nafta para a Braskem, foi uma grande tensão, porque o polo que ficaria parado é o do ABC. Até o momento não tem renovação do contrato. Vence no final de agosto. O que sabemos é que tem um processo avançado de negociação, Petrobras, Braskem, e dessa negociação participa um representante de cada estado onde há polo petroquímico, mais ministérios de Minas e Energia e de Desenvolvimento, para tentar construir o acordo de renovação de fornecimento da nafta da Petrobras para a Braskem.

Os sindicatos do setor têm algum tipo de participação nessa discussão?

Até oito meses atrás, a negociação era entre Braskem e Petrobras. O que mudou foi que, com a eleição da Dilma, se montou uma comissão para negociar. Tem um representante do PSDB, do estado de São Paulo, indicado pelo governador Alckmin. Foi solicitado que se indicasse um representante do ABC, que é onde está o polo petroquímico, mas o governo (estadual) não aceitou. Tem um representante do Rio Grande do Sul, que é do PMDB. E tem um representante da Bahia, que é do PT. Podemos dizer que os três grandes partidos do Brasil estão representados na comissão de negociação.

É um setor estratégico para vocês…

Não só para nós, para o Brasil. Hoje, podemos dizer do componente do carro que de 30% a 40% são resinas plásticas. Na construção civil, que a cada dia a gente tem mercados novos aparecendo. Até no medicamento você tem resina plástica. O polo petroquímico acaba também fornecendo matéria-prima para o setor farmacêutico. Como os estudiosos colocam, nenhum país será grande se não tiver uma grande indústria química. Para se ter uma ideia, Mauá (município do ABC), que tem quase 400 mil habitantes, tem 66% da arrecadação proveniente das indústrias químicas. Em Santo André, a indústria química responde por 35% do orçamento. É um impacto enorme em qualquer redução que você tenha na produção da indústria química nessas duas cidades.

Com as investigações, houve paralisação de investimento em empresas ligadas à Petrobras. Na Braskem, na questão do investimento, de projeto, isso chegou a acontecer?

A indústria petroquímica é muito específica. Ela faz uma parada de manutenção a cada cinco a sete anos, e faz todo o investimento. Faz um ano que teve a parada técnica – ela parando, as outras também param, porque consequentemente não terá matéria-prima. Todo investimento, a não ser que seja programado, você faz na parada técnica. O investimento em manutenção, troca de equipamentos, foi feito. Esse investimento, que segundo a gente sabe foi de R$ 200 milhões, talvez não fosse feito, se fosse hoje. Uma parada técnica significa 5 mil homens trabalhando na Braskem. Mas aconteceu há um ano. São nove empresas que recebem a matéria-prima diretamente da tubulação da Braskem. Você tem o PVC, o polipropileno, que é a base de toda a produção de plástico. O polo é interligado, não tem muro, a divisão é geográfica. Você sabe que terminou uma empresa em determinada rua e começa na outra. Você entra em Mauá e sai em São Mateus (bairro da zona leste de São Paulo) por dentro do polo petroquímico.

Neste momento de crise, como se manteve o nível de produção?

A gente teve uma pequena redução, você tem uma demanda menor. A arrecadação não caiu muito, até pela alta do dólar – como são commodities, tudo é baseado no dólar. Podemos dizer que não afetou tanto o orçamento dos municípios. Não é um setor que a gente possa dizer que estamos com uma grande dificuldade. Já no conjunto da categoria, de janeiro a junho, houve redução de postos de trabalho. Entre demissões e contratações, temos um déficit de 1.400. É um número considerável.

Algum setor particularmente é mais atingido?

O de plástico (que representa 50% da base), principalmente a parte ligada ao setor automotivo. É um setor em que a rotatividade gira em torno de 30%. Com a crise, além da rotatividade, você tem o fechamento de postos de trabalho.

Cosmético está começando a ter reflexo. Um empresa que não tem um produto direto, trabalha para Avon, Natura, tem 700 trabalhadores e anunciou 80 demissões. E o de plástico a gente está há alguns meses com dificuldade. Com a crise, além da rotatividade, temos fechamento de postos de trabalho. Tivemos 3.400 contratações no nosso setor (no semestre), a rotatividade é muito grande. Você contrata muito, mas demite muito. É uma das grandes discussões que temos com o sindicato patronal. A gente fechou o ano passado em torno de 200, 300 novos postos de trabalho. Não repusemos as perdas que tivemos em 2010, mas fechou o ano positivo.

Quem entra ganha menos do que quem sai?

Nossa data-base é 1º de novembro. A empresa demite o trabalhador em janeiro, fevereiro, e ao admitir um novo trabalhador contrata com salário de outubro. Então, a empresa demite e simplesmente passa a pagar o salário do ano anterior e não com o reajuste. Esse é um dos grandes problemas que a gente tem. É redução de salário. E não é só no setor de plástico. Também acontece nas grandes indústrias. Todas acabam usando esse artifício. Você tem 1,5%, 2% de aumento real, que é a média da nossa campanha salarial, tem a manutenção dos postos de trabalho, mas não tem o ganho no rendimento. Parece que é uma política muito forte no estado de São Paulo, não pelo fechamento do postos de trabalho, mas para redução de salário.

E neste ano, com perspectiva de PIB negativo, inflação perto dos 9%, aumento do desemprego, como se preparar para a campanha?

A indústria química, junto com os bancos, foi o setor que mais teve lucratividade nos últimos anos. Outro fator que a gente tem no nosso setor é que as grandes indústrias são multinacionais, com exceção da Braskem e da Oxiteno, do grupo Ultra. Sem falar a indústria farmacêutica, que temos três nacionais, que são de genéricos. Então há grandes remessas de lucros para o exterior. Nossa discussão é a seguinte: aqui a gente tem um resfriado e já é tratado como se estivesse com pneumonia. Ja começam a demitir, discutir redução de salário. E entendemos que a indústria química tem uma gordura que dá para discutir reposição da inflação e outras questões. Passamos dez anos com as indústria tendo uma lucratividade acima do mercado da América do Sul. É um dos setores que mais cresceu. Se a gente pegar o setor cosmético, cresceu em média 10% ao ano nos últimos dez anos. Não dá para dizer que essa indústria vai quebrar porque teve um ano de crise.

DINO SANTOSIndústria Química
Mauá tem 400 mil habitantes e 66% da arrecadação vem das indústrias químicas. Em Santo André, é 35% do orçamento. Qualquer redução na produção tem impacto nessas cidades

E o Programa de Proteção ao Emprego, recentemente criado? Você vê como um paliativo, uma alternativa de emergência, ou uma proposta que pode vigorar mais à frente, pode ser aprimorado, fazer parte de acordos?

Na nossa avaliação, é um programa paliativo. Não é algo que a gente vai implementar numa convenção coletiva. Mas é um momento de crise, e eu acho que a gente tem de buscar algumas saídas. Eu disse que estamos com 1.400 postos de trabalho negativos. Se tem alguma opção para garantir que não aumente esse número, tenho de buscar. Vamos discutir, mas aí tem de fazer uma ressalva: nós temos 950 empresas cadastradas no sindicato, e pelo menos 85% são micros e pequenas, e portanto é praticamente impossível elas participarem do PPE. Temos duas empresas que procuraram, vamos fazer o debate.

Esse debate começa a ser feito também dentro da CUT, que em outubro terá novo congresso. Alguns congressos coincidiram com o primeiro ano de governo, como em 2003 e agora. O movimento sindical se queixa de diálogo com o governo. Essa relação está um pouco desgastada?

Tem duas situações que a gente precisa tratar. Tem um desgaste natural, pela crise econômica, e é natural que alguns sindicatos sofram pressão da base quando tem risco de desemprego, redução de salário, e que essa pressão reflita na CUT, para que ela cobre também o governo. Precisa ter um diálogo maior, principalmente a nossa central, que foi quem deliberou apoio irrestrito à Dilma (na campanha). Era um compromisso de reabrir o diálogo. Infelizmente, vieram aquelas medidas no final do ano (as medidas provisórias 664 e 665, que alteraram o acesso a benefícios sociais). Precisamos reclamar, mas vamos defender intransigentemente a presidenta, com todas as críticas e dificuldades. O movimento sindical não pode negar os avanços que a gente teve, a correção do salário mínimo, Minha Casa, Minha Vida, o projeto da indústria química, da Braskem, que nasceu de um projeto do governo Lula. Temos críticas às ações e algumas condições que estão colocadas, e a pessoas que foram para o governo. Ganhamos, mas não levamos o governo. Ajudamos a eleger, mas o mercado financeiro foi lá e emplacou (pessoas em alguns cargos chave, como o ministro Joaquim Levy). Temos críticas, mas não temos dúvida da defesa do governo. Com certeza, vamos ratificar a defesa do governo (no congresso da CUT) e da democracia. E vamos defender também a democratização da mídia, porque 50%, 60% dessa crise é feita de mentira e reportagem montada. Projetos que o governo desenvolve a mídia simplesmente esconde.

O PPE também será um dos temas. É uma visão minha, presidente do Sindicato dos Químicos: é de autonomia de cada sindicato. É mais uma ferramenta que você pode utilizar para defender os postos de trabalho na sua base, como banco de horas é uma saída, lay-off, licença remunerada, férias coletivas. Nós, do movimento sindical, temos de avaliar com muita maturidade se é o momento correto de aplicar ou não. O PPE também é uma ferramenta no local de trabalho. É a discussão que a gente sempre teve, de aumentar a organização nos locais de trabalho.

E o outro Congresso, o Nacional? Como agir diante de uma ofensiva conservadora, com diminuição da bancada sindical?

Nesta mesma sala, estávamos acompanhando a apuração do segundo turno e já apreensivos. Reduzimos deputados, e abre aspas, tem alguns que se dizem representantes dos trabalhadores, porque montam até o Solidariedade, mas na nomenclatura é um dirigente sindical e na teoria deveria representar os trabalhadores. Ninguém imaginava o cenário de hoje. O projeto de terceirização, redução da maioridade penal, aprovação do financiamento privado para as campanhas eleitorias, um presidente da Câmara que dizem que reelegeu 60 deputados. É talvez o pior cenário que a gente já teve. Em São Paulo, na Assembleia, foi uma derrota terrível. O Alckmin domina de uma forma que é como se não tivesse deputado estadual. E ao nível nacional, outra derrota. A cada dia que passa corremos o risco de perder direitos. Para se ter uma ideia, quase ninguém está falando, mas teve um deputado que apresentou uma proposta de revogar a NR 12. (Raimundo se refere a um projeto, o PDL 1.408, 13, de Sílvio Costa, do PSC-PE, propondo extinguir a norma regulamentadora que trata da segurança no trabalho no setor de máquinas e equipamentos, no qual foram registrados 172 mil acidentes e 358 mortes de 2011 a 2013.)

É esse o Congresso que a gente tem, que perdeu a vergonha, o pudor, de apresentar as propostas da direita. Perdemos o projeto da terceirização – a gente tem de lembrar que é a antiga Emenda 3, que o Lula vetou lá atrás, e nós achamos que estivesse resolvido. É muito difícil para nós, quando você vai ao Congresso e tem um Arthur Maia, que é a pessoa que relatou o projeto de terceirização, que é do partido Solidariedade, que na teoria saiu de uma central sindical. Então, para nós, é um Congresso reacionário. É nos preparar para que em 2018 a gente possa rediscutir esse Congresso que está aí.

Dá para fazer essa discussão com a base, sobre o Legislativo?

Nós temos feito, mas a nossa avaliação é que a gente tem perdido para a mídia, que tem perseguido os nossos representantes, e perdido principalmente para a estrutura. Nós tivemos deputados aqui na região que fizeram campanhas absurdas, do ponto de vista da condição financeira. A cada dia que passa a gente tem a sensação, sobre o financiamento empresarial de campanha, de que vai ficar cada vez mais difícil debater. Nós temos debatido com a base, mas temos de assumir: perdemos esse debate. No ABC, fizemos quatro deputados estaduais e um federal, tínhamos dois. Estamos retomando esse debate com a base. Não adianta eleger o governo, você precisa dar uma base de sustentação. A preocupação é porque os nossos projetos de proteção para os trabalhadores não vêm do Executivo, vêm do Legislativo. O projeto de terceirização simplesmente reflete uma base que nós perdemos. Ou a redução da maioridade penal, que é atingir o filho do trabalhador, o trabalhador que mora na periferia e o negro. Se a gente não conseguir fazer esse debate, vamos correr risco, nossos filhos vão correr risco.