Viagem

O portal do deserto, no sul da Tunísia, encontro com o imaginário

Em Tozeur, espetáculo dos oásis às cenas dos livros e filmes criados à beira do Saara

Nicolas Thibaut/Photononstop/Latinstock
Maremagnum/Getty Imagescentro histórico
Tapetes e cerâmicas no centro histórico, a Medina de Tozeur

A cidade de Tozeur, no sul da Tunísia, é conhecida como um dos portais do deserto do Saara. É cercada pelo oásis que leva o mesmo nome, o principal da região. Ali se produzem e exportam as melhores tâmaras do mundo. Para ir a Tozeur, vindo da Europa, chega-se primeiro a Túnis, a capital. De Túnis a Tozeur pode-se ir de trem, avião e vans, ou então alugar um carro. As estradas são pavimentadas e seguras. O voo dura de meia a uma hora, conforme a aeronave. No caminho, paisagens áridas do pré-deserto são visões já impressionantes. Em Tozeur, a visita ao oásis que circunda a cidade é obrigatória. De preferência, a bordo de uma das carroças de aluguel, cujos donos pertencem a uma cooperativa local e sabem tudo da cidade.

As tamareiras são o centro de um ecossistema e de uma organização social de grande complexidade. Além de conter e proteger uma fauna considerável, a posse das plantações segue um regime de concessão familiar de terreno. Seus usuários pagam uma taxa pela água, fornecida por meio de um sistema de irrigação de origem secular, e atualmente reforçado por poços artesianos, dado que a demanda aumentou consideravelmente. A colheita de tâmaras se faz em novembro, e manualmente, subindo-se no tronco das palmeiras. Não há como mecanizar nada ali: um trator no oásis seria o mesmo que um tanque de guerra numa loja de porcelana. A polinização também se faz manualmente: as tamareiras se dividem em machos e fêmeas, e o plantador deve colher o pólen nas primeiras e levá-lo até as segundas. Há ali um segundo nível de plantio, de árvores frutíferas: figos, peras, laranjas, limões, bergamotas, bananas. Por fim, na base de tudo, há as hortaliças, com legumes e verduras.

Tozeur tem um mercado variado, cujo centro é um prédio antigo em frente à praça principal, onde se encontram lojas de produtos tradicionais de um mercado: carnes, frutas, legumes, verduras, pães. Lojas e restaurantes se espalham ao redor, com artesanato, quinquilharias de todo o tipo. Pode-se comprar um pedaço de carne (de boi, carneiro, cabrito, bode, galinha, dromedário e até peixe; não espere encontrar porco, carne que os muçulmanos reprovam) e pedir para assá-lo nos restaurantes ao lado.

Maremagnum/Getty Imagescenários de Guerra nas Estrelas
Em Nefta, um dos cenários de Guerra nas Estrelas

A tapeçaria é um dos pontos altos da região, de origem bérbere ou nômade, com motivos estilizados a partir da natureza regional. É sofisticada e de beleza impressionante.

Em torno do mercado há restaurantes populares muito simpáticos. A comida ali é boa e barata, mas padece das limitações da região: não há muita variedade. O forte são as variedades de cuscuz, com legumes e saladas de acompanhamento. Não espere encontrar bebidas alcoólicas. Em toda a cidade só encontramos um restaurante que as servia.

Como toda cidade da região e do mundo árabe, Tozeur tem seu centro histórico, a Medina. Mas na maioria das cidades – Túnis inclusive – as Medinas se transformaram em centros quase que exclusivamente comerciais, para turistas. Em Tozeur, não. A Medina ainda guarda sua característica basicamente residencial, e seu perfil tradicional, com os tijolos de adobe castanho, suas fachadas tradicionais, suas mesquitas de origem árabe ou otomana e traços da presença romana e dos judeus.

Estar no entorno de Tozeur significa abrir-se para o deserto. As paisagens do deserto são muito variadas. Há constante alternância entre rochas, dunas, colinas, montanhas muito altas e os extraordinários oásis de tamareiras, sempre às margens de olhos d’água ou rios. Os chotts, planícies de terreno salgado, que durante as poucas chuvas do ano viram lagos que depois ressecam, são um dos pontos altos desses passeios. O mais famoso é o Chott El Jerid, enorme, onde se pode fotografar até miragens. Outros pontos de atração são as cidades em ruínas (Chebika e Tamerza), destruídas por chuvas torrenciais de 22 dias em 1969. As construções de adobe seco derreteram, e hoje são atrações fantasmas.

Robert Harding World Imagery/Alamy/LatinstockChott El Jerid
Chott El Jerid, uma planície de terreno salgado

Ali ainda se avistam cenarios de filmes famosos. O cânion e as dunas (em Meza) de O Paciente Inglês, desfiladeiros de Em Busca da Arca Perdida (primeiro de Indiana Jones) e da cidade no deserto de Guerra nas Estrelas, que ficou para trás (em Nefta) depois da filmagem e hoje pode ser visitada como se fosse algo de tradição secular. Pode-se testemunhar a paixão bérbere pelos cavalos ricamente ajaezados, e passear encarapitado num dromedário.

No verão local, a temperatura pode beirar os 50 graus centígrados durante o dia. Então, a melhor época para visitar Tozeur é no outono ou no inverno, entre novembro e março, mesmo sabendo que faz muito frio, apesar de o sol brilhar o tempo todo. À noite, a temperatura cai para 5 graus ou menos, e durante o dia não passa dos 15 na sombra.

Álcool em lugar público é coisa rara. Comprar vinho e cerveja, só num cubículo escondido atrás do supermercado da cidade. Há um bairro de hotéis de luxo na cidade. E hotéis mais modestos no centro. O proprietário do Mondher Ben Soltane, nos proporcionou um passeio pela Medina, guiado por uma verdadeira comissão de professores universitários – uma aula sobre a história da região. Conhecemos o sincretismo muçulmano, que na região conta com santos e o culto dos Marabouts (lugares onde viviam homens sábios). É possível passear de carro alugado ou com os jipões 4×4 das agências. Mas quem tiver a oportunidade de fazer amizade com um chofer de táxi, e tratar os preços individualmente com ele, pode gastar menos. E, com sorte, encontrar um que conheça bem a região e chegue onde os jipões não vão.