Emir Sader

França, de esteio do socialismo a polo da direita europeia

Nas últimas décadas, um movimento geral – político e ideológico, sobretudo – levou o país a representar o polo mais conservador da Europa

www.marinelepen.fr

LEGADO Depois de Jean-Marie Le Pen, a França tem sua filha Marine à frente da extrema-direita

Entre as derrotas que a esquerda sofreu na Europa, aquela que tem dimensões históricas é a passagem da França de polo mais progressista a mais conservador do continente. Engels havia classificado o país como o “laboratório de experiências políticas”, onde os fenômenos históricos se davam de maneira mais radical e expressiva – de que 1789, 1848, a Comuna de 1789, eram exemplos –, que tiveram continuidade no século 20 com o governo de Frente Popular nos anos 1930 e com as barricadas de 1968.

Nas últimas décadas, houve um movimento geral – político e ideológico, sobretudo – conduzindo o país à condição de representar o polo mais conservador da Europa. Nesse processo, o aspecto mais revelador foi a transformação da classe trabalhadora francesa, anteriormente esteio da classificação de Engels.

Até algumas décadas atrás, os trabalhadores franceses eram, invariavelmente, ou socialistas ou comunistas. Desde já mais de duas décadas, a classe trabalhadora francesa vota majoritariamente pela extrema-direita francesa (no que ela é acompanhada por outro segmento expressivo da sociedade francesa – os jovens).

Além das transformações históricas gerais – em especial o fim da URSS, a conversão da social-democracia ao neoliberalismo, entre outros –, teve papel determinante a instrumentalização, pela direita francesa, do afluxo dos imigrantes ao país. Desde a alegação – falsa – de que colocariam em risco o emprego dos trabalhadores franceses até a de que ocupariam lugar nas escolas e nos serviços sociais deles, seu uso foi fulminante para acionar o potencial chauvinista existente em todas as sociedades francesas.

O resultado foi uma virada monstruosa de posições do setor que havia sido o lastro maior da força histórica da esquerda francesa. Essa guinada passou a sustentar a ascensão da Frente Nacional, dirigida pela milionária família Le Pen – primeiro Jean-Marie Le Pen, hoje aos 86 anos, cinco vezes candidato à presidência, sucedido por sua filha Marine, candidata em 2012. Um fenômeno de proporções gigantescas e catastróficas para a esquerda do país, que não soube encarar o tema da imigração e outros afins, do que se valeu a extrema-direita para promover essa transformação impressionante.

Hoje, a França encara de novo a possibilidade que já se havia dado em 2002, uma disputa presidencial em 2017 em que a esquerda pode estar ausente, colocando frente a frente a direita (então liderada por Jacques Chirac) e a extrema-direita (naquele ano com Jean-Marie Le Pen derrotado no segundo turno, agora com Marine em ascensão). Em comum, os dois momentos têm governos frustrantes dos socialistas – de Leonel Jospin naquele momento, de François Hollande agora – que levam o PS a uma nova crise profunda, depois de ter eleito uma grande maioria parlamentar há apenas dois anos.

Em 2002, a esquerda se viu na dura contingência de apoiar Jacques Chirac para impedir a vitória do pai de Marine Le Pen. Agora, pode ter de vir a apoiar Nicolas Sarkozy, para tentar impedir a vitória da sucessora. Triste circunstância para uma esquerda que tinha uma trajetória histórica formidável e hoje se vê reduzida a alternativas que podem de novo excluí-la do segundo turno das eleições presidenciais, após a confirmação, nas eleições regionais de março, de sua redução a terceira força política do país.