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Turismo brasileiro tem o desafio de seduzir os estrangeiros

Apesar da diversidade de atrativos, Brasil ainda não se mostra à altura de seu potencial. Mas número de visitantes cresce

Carlos Macapuna/Getty Images

Mesmo com natureza exuberante, a Ilha de Marajó é um destino pouco lembrado por brasileiros e estrangeiros

Com as belas praias, a natureza deslumbrante, as culturas de raiz e, sobretudo, um povo acolhedor e comunicativo, sem contar a gastronomia de personalidade, o Brasil é um país de grande potencial turístico. Isso é o que todos sabem ou ouvem falar desde os tempos em que a visão de que aqui seria o país do futuro transformou-se em epíteto nacional, graças ao livro Brasil, País do Futuro (1941), do judeu-austríaco Stefan Zweig.

Fugindo do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, Zweig se fixou em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, e se encantou com o que viu por aqui, tecendo uma obra de caráter ufanista, alvo de críticas em razão desse aspecto, mas sem deixar de marcar a cultura de forma única, pois não se conhece outro caso de título de livro que tenha virado clichê de uma nação.

Mas apesar da propensão ao ufanismo, o que permite supor (erroneamente, diga-se) que o país saiba vender sua imagem lá fora, e de todas as qualidades culturais e geográficas, o turismo ainda não se tornou uma atividade que atraia o estrangeiro de modo favorável à atividade econômica. Um exemplo de potencial inexplorado é dado pelos turistas da China. De 100 milhões de chineses que viajaram pelo mundo em 2014, apenas 60 mil, ou seja, mero 0,06%, escolheram o Brasil como destino.

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Paisagens e recantos brasileiros, como esta praia na Ilha de Marajó, continuam pouco conhecidos e divulgados

Outro dado que aponta o turismo sem exercer maior atratividade para os estrangeiros é a balança comercial do setor. O déficit nessa balança, em 2014, foi de US$ 18,69 bilhões, incluindo as compras das famílias brasileiras lá fora. O fato é que o turista internacional deixou aqui, no ano da Copa, US$ 6,91 bilhões, enquanto os brasileiros mandaram US$ 25,6 bilhões para fora, ainda que neste ano o quadro tenda a mudar por conta da alta do dólar, repercutindo a retomada da economia norte-americana e o aprofundamento da crise brasileira.

No entanto, há também dados positivos na perspectiva de uma atividade estratégica que corresponde a 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Com o esforço em promoção do turismo desde que o ministério da área foi criado, em 2003, no primeiro governo Lula, o país subiu de 4,1 milhões de estrangeiros recebidos por ano para 6 milhões em 2014, com uma média de ganho anual de 200 mil turistas estrangeiros. Para os próximos anos, o setor deve crescer ao ritmo de 10% ao ano, avaliam representantes da área – por causa, em parte, do legado da Copa, que repercute pelos menos até a realização do próximo evento, e da realização das Olimpíadas no ano que vem, no Rio de Janeiro.

Muito lenta

Nesse contexto, o ministro do Turismo, Vinicius Lages, tem dito que rever a atuação e o papel do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) é fundamental para alavancar o setor e aumentar a atratividade para estrangeiros nos próximos anos. “A Embratur é hoje uma agência de promoção do Brasil, uma autarquia que está enferrujada na sua capacidade de cuidar da própria governança”, disse ele em janeiro, fazendo referência à falta de interação com o setor privado. “O esforço, o investimento feito, é incipiente.”

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Arrojo é preciso. Feira de turismo da Embratur: aumentar o foco e a presence

“Como a Embratur está hoje, uma autarquia, é uma instituição muito lenta para vender o Brasil lá fora, ela é muito amarrada pela legislação e isso impede uma maior articulação com os agentes econômicos”, acrescenta o ministro. Ele também considera que o crescimento experimentado pelo setor não tem sido suficiente para explorar o potencial do país como polo de turismo. “Nós temos um crescimento muito tímido ao longo dessa última década, 200 mil turistas a mais por ano é muito pouco, e temos que trabalhar também em outras frentes como a da facilitação das viagens.”

Lages deixa claro que há um pacote de iniciativas a serem tomadas para revigorar a promoção do país no exterior. A facilitação de viagens a que ele se refere é uma delas: significa desburocratizar o caminho de quem deseja vir ao Brasil, e ao mesmo tempo articular a oferta de destinos pelas companhias aéreas, que obviamente têm suas rotas de interesse em função da rentabilidade das passagens, e com isso muitas vezes não atentam para vários mercados turísticos. “Tanto as companhias brasileiras como as de outros países são parceiras fundamentais para que nós possamos ter uma aliança na estratégia de promoção. Nos interessa encher os voos, como também ter maior frequência de voos e diversificação dessa oferta”, diz.

Outra medida será resolver a contradição que se mostra pelo quadro funcional da autarquia, cujo papel principal é a promoção do país lá fora. São apenas 13 representantes no exterior, para um total de 300 funcionários – portanto, a maioria vivendo no Brasil.

“Quer dizer: a nossa presença (no exterior) é insignificante para um país continental que tem um potencial enorme e pode atingir números muito maiores”, diz o ministro. Indagado sobre como será equacionada essa questão, ele afirma considerar fundamental a “presença física” dos brasileiros com os agentes de mercado desses países emissores de turistas. “Precisamos requalificar a relação com esses mercados.”

Segundo o ministro, a definição dos agentes será feita segundo a estratégia mercadológica. “Nós vamos dimensionar, dependendo do mercado em questão. No norte-americano, podem caber dez e não dois, e no mercado europeu 20. São exemplos, assim como no mercado latino-americano ou no próprio mercado asiático. Então, esse dimensionamento nós vamos fazer combinado com as outras ferramentas.”

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Vencer o isolamento da promoção do turismo e pegar carona em outras frentes de negócios que também se esforçam pela promoção do mercado brasileiro será o centro da estratégia da Embratur no novo desenho de atuação que o ministro está buscando. “A Embratur existe para cuidar da promoção do turismo, enquanto a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), por exemplo, cuida de outros setores. Mas quando você promove a exportação de café, de automóveis, do audiovisual, da moda brasileira, e mesmo de alimentos, você está promovendo o Brasil; então, os esforços que os países fazem são muito claros nessa direção”, argumenta. “Eu tenho que aproveitar e pegar carona para poder vender o Brasil turístico, porque, na verdade, essa produção de alimentos é feita em um determinado idioma, ela representa a nossa diversidade de paisagens, e da riqueza cultural do Brasil. Creio que hoje esse isolamento da produção do turismo perde a possibilidade de sinergia de recursos.”

A combinação de ferramentas do ministro, voltadas à inteligência comercial, passa também pela requalificação da presença da Embratur em feiras. Mas nesse caso o ajuste fiscal promovido pelo governo já mostra repercussão e uma dificuldade a mais. “A gente já esteve presente no passado em quase 50 feiras por ano, mas este ano vamos só em 15. Tem uma questão orçamentária, claro, e nós fizemos um enxugamento em função da necessidade de rever o nosso orçamento. Por isso, vamos às 15 principais feiras do mundo”, afirma o ministro. Ele também diz que pretende resgatar a presença em feiras por meio do esforço combinado de recursos com outros setores. “Eu só conto com recursos públicos, então (neste ano) eu só posso estar presente em 15 feiras e, mesmo assim, com diminuição de áreas em feiras, diminuição do escopo de participação.”

Poucos visitantes

O presidente da seção nacional da Associação Brasileira de Agências de Viagem (Abav), Antonio Azevedo, que foi procurado, mas apenas se manifestou por nota de sua assessoria de imprensa, entende que a atuação da Embratur, dentro de um novo modelo organizacional, mais próximo do que seria uma agência de promoção turística, garantirá mais liberdade e agilidade às suas ações, devendo também ampliar a oferta de pacotes.

Segundo a nota, “há muito a ser trabalhado pela Embratur também no que se refere à composição e apresentação da oferta de turismo, hoje ainda muito concentrada no segmento de sol e praia”. Para a Abav, há um “imenso potencial competitivo em segmentos que contemplem nossa diversidade cultural e a pluralidade de nossos macrossistemas ambientais”, em referência à atratividade do ecoturismo.

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Só mar e praia. A diversidade cultural,como os maracatus, Brasil é pouco explorada

Esse imenso potencial a que a Abav se refere é o que hoje torna o turismo um tanto desanimador em destinos brasileiros que, por sua condição de recursos, deveriam atrair mais visitantes. João Lima Pinheiro, que dirige uma pousada em meio à natureza exuberante da Ilha de Marajó, no Pará, e conhece a política setorial na prática, pois já ocupou a secretaria de Turismo do município de Soure, um dos 16 abrigados pela maior ilha fluviomarinha do mundo, afirma que as taxas de ocupação que consegue alcançar em seu negócio são incipientes.

“O turismo aqui é sazonal. É mais intenso em dezembro e janeiro, e depois no carnaval, mas na sequência vem a baixa temporada até julho, que volta a ter movimento. Depois, até dezembro tem um pinga-pinga, mas o fato é que até hoje não conseguimos chegar a uma fase de pleno funcionamento. Aqui a baixa temporada é muito baixa e a alta não chega a ser tão alta; nossos maiores níveis de ocupação são de 50% da capacidade de leitos oferecida.”

Os dois principais pontos de hospedagem do turismo na ilha são os municípios de Soure e Salvaterra, que são as portas de ingresso do turista. Mas, ainda que o turismo seja incipiente, pois as estratégias no governo do estado do Pará na área de turismo até hoje não repercutiram em seu benefício, uma nova polêmica e ameaça ao turismo vêm tirando o sono dos profissionais que dependem dessa atividade. O governo estadual vem planejando construir um presídio em Salvaterra, o que pode afastar ainda mais o turista da ilha, acredita Pinheiro.

“Se o presídio vier para cá será uma catástrofe, é o que tenho constatado em conversa com os clientes da pousada”, afirma. Ele também reclama que a prefeitura de Salvaterra concedeu o terreno para o presídio sem autorização da Câmara Municipal e que o processo já está adiantado, com licitação realizada. Como ao mesmo tempo o turismo é uma das principais atividades da ilha, os segmentos que dependem do turismo estão se mobilizando contra o presídio, com o movimento ‘Acorda Marajó’.

Profissionais apoiam mudanças

Mesmo frente ao ajuste fiscal, que está submetendo todas as esferas do Executivo a revisões e cortes orçamentários, e à dificuldade de articulação histórica da Embratur para cumprir o seu papel, profissionais que atuam no mercado de turismo acham saudável a busca do ministro de repensar o papel da autarquia.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Turismólogos e Profissionais de Turismo (Abbtur), Elzário Pereira da Silva Junior, essa revisão da atuação institucional já foi tentada anteriormente, sem sucesso. Isso, no entanto, não invalida que o ministério busque tal objetivo. “A Embratur precisa mesmo passar por um choque de gestão. Não é o modelo institucional que vai melhorar sua atuação, mas sim a forma de atuação.”

Silva lembra que o ex-presidente da Embratur Flávio Dino “até tentou dar esse choque, atuando em outras vertentes que não somente a promoção internacional”. Segundo ele, a imagem que se passa é que a Embratur existe para fazer promoção internacional, esse é seu papel essencial, “mas quando se trata de turismo tem outras articulações que podem ser desenvolvidas, como a intersetorialidade”, afirma, fazendo eco às declarações do ministro Lages.

Para que esse objetivo seja alcançado, Silva entende que é preciso promover o país não apenas no âmbito do turismo. “Mas também dentro do mundo dos negócios, da agricultura, enfim, dos outros setores da economia”, destaca. “Toda vez que for algo do Brasil para fora, a Embratur teria que ir junto, aproveitar os eventos empresariais, pois embora seja evento de outro setor, é a imagem do Brasil, ou seja, a venda da imagem do destino que precisaria estar mais intersetorialmente defendida.”

Opinião semelhante tem o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), Enrico Fermi Torquato Fontes, para quem o atual modelo da entidade está esgotado. “É um modelo no qual ela não tem flexibilidade na busca de parceiros; o modelo faz com que se dependa somente de recursos públicos e isso em um país que está na ‘prateleira’ do mundo, com a Copa que realizou, enfim, você tem muitos outros interesses, que podem ajudar a alavancar o destino”, afirma. Fontes também acha que a Embratur não conta com um orçamento do porte do país, que tem dimensão continental. “Na realidade, o único objetivo da Embratur é divulgar o Brasil lá fora. O orçamento é ínfimo para o que é necessário, e com isso ela não pode buscar parcerias, porque o modelo inviabiliza sua atuação.”

Para que a intersetorialidade seja efetiva, Fontes acredita que dois ou três grandes parceiros ajudariam a colocar em prática o plano do ministério. “Você poderia ter também um cartão de crédito para o turista internacional aqui no país, enfim, tem vários interesses na formação de um destino turístico internacional, que não podem ser abordados em função do modelo atual da Embratur.”

O presidente da Abih avalia que também falta peso político para o turismo dentro da esfera do governo federal. “Na prática, o turismo não é prioridade”, afirma, referindo-se aos cortes orçamentários que recaem no setor. “Os orçamentos anuais são ínfimos para se chegar ao consumidor final”, diz.

Matthew Lloyd / Getty Imageschineses_foto_Matthew-LloydGetty-Images.jpg
Apenas 60 mil dos 100 milhões de chineses que viajaram pelo mundo em 2014 escolheram o Brasil como destino