Editorial

As contradições entre o discurso e as medidas anunciadas

Palavras de Dilma têm sido fiéis ao projeto que a reelegeu. Mas os primeiros gestos do governo, a pretexto de acalmar mercados, deixam a esquerda perplexa, e as forças derrotadas aos risos

Adonis Guerra/SMABC

Com greve que impediu demissões na Volks, metalúrgicos do ABC demonstraram que decisões nocivas são reversíveis nas ruas

Da reeleição aos primeiros dias de governo, os discursos da presidenta Dilma Rousseff guardaram sintonia com as expectativas de quem trabalhou duro por sua vitória suada em outubro. A começar pela defesa de investigações que identifiquem corruptos e corruptores “doa a quem doer”, e do papel da Petrobras nos investimentos, na estratégia de desenvolvimento e na soberania nacional. No campo econômico e social, veio a garantia de preservação de direitos, e de um novo ciclo de desenvolvimento sustentado nos pilares da redução das desigualdades, do fim da miséria e, agora, sob mote de uma nova era para a educação.

Na prática, porém, os primeiros gestos do governo foram dignos de, a pretexto de acalmar o mercado, deixar as forças progressistas que a elegeram perplexas, e as forças derrotadas aos risos. Mesmo entre as mais leais lideranças políticas e intelectuais de esquerda paira a sensação de que o programa aplicado na prática é o derrotado. Aquele que aproxima o país das teses de ajuste semelhantes às que levaram ao desemprego 60 milhões de pessoas no mundo nos últimos sete anos, período em que o Brasil, apostando na via alternativa das políticas anticíclicas, abriu 15 milhões de vagas.

Aumento de impostos e cortes orçamentários para melhorar o superávit, elevação de juros, restrição ao acesso a direitos como seguro-desemprego e auxílios previdenciários, intenção de abertura de capital da Caixa Federal (expondo-a ao risco de uma “sabespização”, ou colocar lucros e dividendos acima dos objetivos sociais centenários da instituição), entre outras decisões ortodoxas, deixaram os movimentos sociais em estado de alerta.

As centrais, por exemplo, terminam janeiro com uma jornada de protesto e já projetam nova marcha unificada contra o risco de retrocesso nos avanços conquistados nos últimos anos. Na disputa por espaço nas esferas de decisão, tanto do Executivo como do Legislativo, e por um diálogo em que de fato a agenda dos trabalhadores seja levada em conta, assim se compõe o ritmo deste início de 2015. Nos primeiros dias de janeiro, os metalúrgicos do ABC, com uma greve de dez dias que impediu centenas de demissões na Volkswagen, já demonstraram que decisões resolvidas mais nos gabinetes do que nas mesas de negociação, com participação da sociedade, são reversíveis nas ruas.