Viagem

Paraty: mar, pedras, letras, cachaça e riqueza histórica

O isolamento de tempos atrás ajudou a preservar a natureza e o charme de Paraty

Mar, terra e serra <span>(Rodrigo Soldon/Flickr CC)</span>Para apreciar com moderação <span>(Clarice Castro/Secom RJ)</span>Entre julho e agosto, letras <span>(Fernando Frazão/ABr)</span>Casario de Paraty e ruas de pedras <span>(Rodrigo Soldon/Flickr CC)</span>Serra, sombra e água fresca <span>(Vander Fornazieri)</span>Flores, cores e visão colonial <span>(Vander Fornazieri)</span>Pria dos Ranchos, em Trindade <span>(Vander Fornazieri)</span>

Pés demasiado urbanos podem estranhar o caminho das pedras no chão do centro histórico de Paraty, entre o litoral norte de São Paulo e o litoral sul do Rio de Janeiro, em uma antiga rota do ouro, que saía do Brasil colônia para Portugal. O calçamento, chamado “pé de moleque”, é irregular – contam que até os anos 1980 as pedras estavam alinhadas, antes de serem retiradas para instalação de rede de esgoto. Mas aquelas três dezenas de quarteirões contam histórias, entre seus sobrados, igrejas e praças. E tem mares e livros também.

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha comparou Paraty a Veneza, ao observar que as duas cidades foram construídas em terrenos inadequados por motivos comerciais: havia baías com águas calmas para fundear navios. “Como atingir o coração da Europa para expandir o comércio? Em Veneza. Como trazer escravos e levar ouro do Brasil? Por Paraty”, afirmou, durante a mais recente Festa Internacional Literária de Parati, a Flip, que há dez anos introduziu um novo roteiro, desta vez cultural, à região.

O evento surgiu em 2003, ainda com o nome “festival”. E era Parati com “i” mesmo, para enfatizar o convite ao visitante – “para você”. Durante cinco dias, entre julho e agosto, movimenta a região, invadida por escritores, leitores e curiosos, em lançamentos, saraus e debates. Este ano, foi feita homenagem ao escritor Millôr Fernandes, com exposição na Casa da Cultura, uma bela construção do século 18, perto da Matriz de Nossa Senhora dos Remédios e do cais. Fica ali na rua Dona Geralda, entre as ruas da Praia e da Matriz. Caminhos de pedras, por trechos que se alargam e se estreitam. À noite, uns mais iluminados, outros na penumbra.

Em uma dessas festas, o escritor Luis Fernando Verissimo cometeu uma gafe e chamou o evento de “Clip”. Anos depois, já em 2012, arrumou saídas engenhosas para consertar: o “c” poderia se justificar porque os organizadores “conspiravam” para deixar as pessoas mais inteligentes. Poderia ser ainda de cachoeiras, de conceitos, de conversa, de conhecimento ou mesmo do circo da Flipinha, a festa para crianças, voltada especialmente para os estudantes da rede pública da região.

Mas poderia ser “c” de cachaça também. O local já foi sinônimo da bebida. Basta lembrar de Camisa Listrada, uma das obras-primas de Assis Valente: “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/ Em vez de tomar chá com torrada ele tomou Paraty”.

A região, que já chegou a ter 200 engenhos, ainda atrai também por seus alambiques, que formam parte do roteiro turístico. Para quem gosta, o centro histórico tem algumas lojas especializadas. Ou “c” de cachoeiras. Como a do Tobogã ou da Penha, na estrada Paraty-Cunha. Ou, ali pertinho, o Poço do Tarzã, uma piscina natural. Tem também a cachoeira do Melancia, do Iriri, do Taquari… Ou a vila de Trindade, em área de proteção ambiental. A estrada que leva até lá fica a 17 quilômetros do trevo de Paraty. Ou a praia Vermelha, ou a da Lula, ou a do Sono. Ou a Ilha do Araújo.

A mata e o mar

Situada na quarta maior baía do país (a de Ilha Grande), a cidade é um convite lógico ao passeio marítimo, por escunas, lanchas, veleiros. Só o município tem mais de 50 ilhas. O viajante pode optar por escunas oferecidas por agências locais – em geral, de cinco horas, com quatro paradas e serviço de bordo – ou pequenos pacotes fechados, com paradas em praias e mergulhos.

É difícil imaginar que alguém possa ir a Paraty e não conhecer uma das mais bonitas baías brasileiras, onde a Mata Atlântica encontra o mar. Há também barcos a motor oferecidos ao visitante que caminhar pelo cais. Todos pagos, claro. Fretar um barco para um grupo menor pode, inclusive, proporcionar um passeio mais em conta e com roteiro mais flexível. Mas o ideal, por questão de segurança, é ter a indicação de alguém de confiança para essa via mais alternativa.

Opções não faltam. Depende da disposição e do grau aventureiro do visitante, que pode escolher mais tranquilos ou mais puxados. Por terra (longas trilhas) ou pela água (lancha), se chega, por exemplo, ao Saco do Mamanguá, uma das belas vistas da região, um braço de mar avançando no continente – o chamado fiorde. O caminho mais rápido para lá se dá por barco, a partir da praia de Paraty-Mirim.

No século 17, a região virou rota para o transporte de ouro vindo de Minas Gerais, para o Rio de Janeiro e posteriormente para Lisboa. A estratégica rota do ouro – a estrada pela mata foi preservada – também se tornou área de produção de aguardente. Veio o plantio do café. Depois, um período de decadência econômica, com o esgotamento de riquezas e a descoberta ou criação de novos caminhos, até que a cidade descobrisse o seu futuro no turismo. Por terra e pelo mar.

No final do século 19, Paraty – que conseguiu a emancipação em 1667 – era cidade isolada. Até não muito tempo atrás, o acesso à cidade só era possível pelo mar, vindo de Angra dos Reis. Já nos anos 1950, o caminho por terra se dava via Cunha, por uma estrada que, para transitar, era preciso torcer para que não caísse chuva.

Burburinho ou sossego?

O isolamento de tempos atrás ajudou a preservar a natureza e o charme de Paraty. As estradas hoje estão em boas condições, mas a viagem ainda é longa: de ônibus, são seis horas saindo de São Paulo e quatro horas e meia se a partida é do Rio de Janeiro. A partir de Ubatuba (SP) leva-se pouco mais de uma hora. De Angra dos Reis (RJ), uma hora e meia.

Para desfrutar das belezas naturais com mais sossego, o ideal é ir entre depois do carnaval e o mês de maio, quando o verão ainda está firme e os preços, bem mais baixos que nas férias e feriados. Depois de agosto, a temperatura volta a esquentar e chove menos.

Quem procura os burburinhos das festas, como a Flip ou o Festival da Cachaça (geralmente em fins de agosto), precisa se antecipar nas reservas e se preparar para gastar mais. Nessas ocasiões, a população de 40 mil habitantes praticamente dobra, assim como os preços de pousadas, passeios e cardápios.