Brasil

Impacto da política na vida real mais uma vez falou mais alto

Votação de Dilma no Sudeste e no Nordeste foi de 20 milhões em cada região. A primeira cedeu mais às pressões do mercado e da mídia; a segunda seguiu as constatações da vida

Encontro: Dilma faz comício em Nova Iguaçu (RJ) <span>(ichiro guerra/dilma13/fotos públicas)</span>Antônio de Almeida, de Sanharó (PE), perdeu cinco das nove vacas que tinha. Parte do sustento de nove filhos e dez netos também saiu do Bolsa Família <span>(Fábio Jammal/rba)</span>Aurides Raimundo, de Pesqueira (PE), nunca havia recorrido ao Bolsa Família por achar que outros precisavam mais do que ele. Mas este ano a seca devastou sua lavoura e não teve jeito: “Minha situação ficou péssima” <span>(Fábio Jammal/rba)</span>

O desempenho eleitoral de Dilma Rousseff no Nordeste, tido como “decisivo” para assegurar sua reeleição, requer uma análise para muito além de 2014. E mais profunda do que as teses simplistas ou mal intencionadas, como as que apregoam que o país estaria diante de uma “sociedade dividida” ou de confronto de “ricos contra pobres”. Os pontos de partida devem ser o extremo nível de desigualdade em que o Brasil entrou no século 21 e a evolução dos indicadores socioeconômicos nas regiões mais pobres, à medida que políticas públicas foram direcionadas a reduzir essas desigualdades de maneira mais acentuada.

Em termos proporcionais, o Nordeste de fato conferiu resultado expressivo. A presidenta Dilma Rousseff venceu nos nove estados da região, com votação média de 72%, ante 28% de seu adversário. Mas em números absolutos, foram 20,6 milhões os votos pela reeleição no Nordeste e 19,9 milhões no Sudeste, praticamente empatando. Outros 6,8 milhões de votos saíram da região Sul, mais 4,4 milhões do Norte e 3,2 milhões do Centro-Oeste.

Três edições atrás, uma reportagem na Revista do Brasil demonstrava o descompasso entre o noticiário negativo sobre a economia e a expectativa positiva das pessoas e o otimismo em relação a sua própria vida. “O que vai decidir o voto é a capacidade das candidaturas de entender os problemas reais que o eleitor enfrenta e de oferecer perspectivas de futuro”, dizia o publicitário Renato Meirelles, sócio-diretor do instituto Data Popular – empresa de pesquisa especializada no conhecimento das classes C e D.

Dois meses depois, a poucos dias da eleição, o instituto Datafolha ainda identificava esse contraste. No jornal Folha de S.Paulo de 22 de outubro, informava- -se: “O mercado financeiro, a maioria dos economistas e alguns organismos internacionais podem estar muito pessimistas com a economia do país em 2015. Mas os brasileiros em geral estão na contramão desse sentimento, o que ajuda a explicar o aumento da aprovação da presidenta Dilma Rousseff”.

Pode ter sido esse o “fenômeno” mais decisivo da votação que em todo o país conferiu a Dilma mais um mandato. E com mais ênfase no Nordeste, justamente por ser a região de desigualdades sociais mais graves, e que acabou dispondo, muito mais do que o mercado, de elementos da vida real para avalizar os efeitos da economia e das políticas sociais em suas vidas.

A classe C, sob o governo do PT, cresceu 20% na região e chegou a 42% da população local. Dos 20 milhões de empregos formais criados até 2013, cerca de 4 milhões foram no Nordeste. O crescimento da renda do trabalhador também teve impacto bem maior: aumento de 72,8% de 2003 a 2014, ante 33% da média nacional. Além do emprego e da renda, a escolaridade dos nordestinos também aumentou mais do que a média nacional. Enquanto o número de matrículas no ensino superior praticamente duplicou no Brasil, de 2001 a 2011, no Nordeste esse volume triplicou, segundo dados do Censo da Educação Superior de 2012. Das 208 escolas técnicas construídas a partir de 2011, o estados do Nordeste receberam 77.

Transformações

Em 2002, quando Lula venceu sua primeira eleição, apenas 24% dos votos do PT foram do Nordeste. Pouco depois de tomar posse, em 10 de janeiro de 2003, o presidente fez sua primeira viagem oficial com todo seu ministério. O local escolhido: Brasília Teimosa, bairro pobre de Recife, nascido de uma ocupação em 1947. “Não havia saneamento, nem ruas, eram só um amontoado de palafitas”, conta a secretária Rosilene Batista de Souza, de 58 anos, moradora da Brasília Teimosa há 30 anos.

O nome do local, diz Rosilene, veio da teimosia dos primeiros moradores, que eram constantemente expulsos da área pela prefeitura e passavam a noite reconstruindo casas derrubadas durante o dia. “Foi assim até o final dos anos 90. A polícia vivia ocupando o bairro para despejar a gente. Me lembro até da música de resistência que a gente cantava quando a polícia chegava: ‘Mas onde é que eu vou morar/ se derrubam meu barraco é de lascar/ tenho muitos filhos pra criar’…”

No início de 2001, o petista João Paulo assumiu a prefeitura de Recife e continuou derrubando palafitas, mas construía no lugar conjuntos habitacionais regularizados. Urbanizou o bairro, levou serviços básicos e abriu um canal de diálogo com a associação da Brasília Teimosa. Dois anos depois, os governos federal e municipal fizeram parcerias que transformaram a Brasília Teimosa. Em 2004, uma grande intervenção urbana abriu uma avenida à beira-mar, que fomentou o surgimento de restaurantes típicos e uma rede de comércio que fazem do bairro um local agradável. “Sou muito grata. Eles só fizeram coisas boas por Brasília Teimosa”, diz Rosilene.

Transformações sociais começaram a alcançar também o interior. Nem mesmo a maior seca dos últimos 50 anos, que atingiu o Nordeste em 2013, levou os nordestinos a migrar em massa para outros estados. No começo de abril do ano passado, o agricultor Aurides Raimundo da Silva decidiu plantar milho na sua pequena propriedade localizada na zona rural de Pesqueira, na divisa do sertão com o agreste de Pernambuco. Investiu os R$ 1.500 que tinha na compra de 30 quilos de semente e no preparo da terra.

Aurides Raimundo, de Pesqueira (PE), nunca havia recorrido ao Bolsa Família por achar que outros precisavam mais do que ele. Mas este ano a seca devastou sua lavoura e não teve jeito: “Minha situação ficou péssima”Um mês e meio depois, os planos de Aurides se transformaram em frustração por conta da seca. Em vez de se desesperar, recorreu ao auxílio do Bolsa Família. “Há anos a seca tem me prejudicado, mas eu nunca quis pedir o benefício porque pensava que tinha gente que precisava mais do que eu. Mas ali a minha situação ficou péssima”, lembra o agricultor de 67 anos, que trabalha na roça desde os 17.

O pequeno pecuarista Antônio de Almeida, morador de Sanharó, um dos municípios mais afetados pela seca em Pernambuco, perdeu cinco das nove vacas que tinha um ano e meio Antônio de Almeida, de Sanharó (PE), perdeu cinco das nove vacas que tinha. Parte do sustento de nove filhos e dez netos também saiu do Bolsa Famíliaatrás. Parte do sustento de nove filhos e dez netos também saiu do Bolsa Família. Além do benefício, o governo Dilma destinou R$ 7 bilhões, no ano passado, para incentivar a agropecuária com tecnologias de convivência com o semiárido e a estiagem, por meio do Plano Safra do Semiárido. Para amenizar os efeitos imediatos da estiagem, criou a Bolsa Estiagem mensal de R$ 80 para 1,5 milhão de sertanejos que temporariamente não têm como produzir. Segundo documento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), o Bolsa Estiagem evitou um grande êxodo rural como se viu nas secas dos anos 1980.

No dia em que o Datafolha constatou que a maioria dos brasileiros estava na “contramão” do que acredita o “mercado”, Lula e Dilma fizeram em Pernambuco um dos maiores atos políticos da campanha, acompanhado por 50 mil pessoas. A multidão tomou ruas em Petrolina, Goiana e Recife, por onde os dois passaram. Na ocasião, os petistas criticaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que havia dito em entrevista que o PT está “fincado nos menos informados”. Dilma disse na ocasião que seus adversários “vestiram pele de cordeiro” para esconder seus preconceitos com o Brasil.

Daquele ato saiu uma das cenas simbólicas da autoestima nordestina, quando o motorista desceu do ônibus, subiu no teto do veículo com uma bandeira e gritou: “Eu faço faculdade pelo Prouni”. Sua imagem correu as redes sociais. O encanador Manuel do Santos, também morador da capital pernambucana, explica o sentimento por outro viés: “No tempo do Fernando Henrique, a vida era muito difícil. Eu mesmo fiquei dois anos desempregado, sofri muito para cuidar de três filhos pequenos. Fiz muito bico, não quero nunca mais passar pelas dificuldades que vivi”, diz Manuel, que trabalha com carteira assinada desde 2003.