Política

Sétima eleição presidencial seguida é feito inédito na história

Democracia foi posta à prova e passou. Cabe aos políticos e à sociedade mostrar capacidade de conversar na divergência

Voto racional: Rua de Belágua, no Maranhão, onde a presidenta Dilma teve 94% dos votos <span>(fabio braga/folhapress)</span>Voto emotivo: foi em Miami que Aécio teve seu maior percentual de votos, 92% <span>(robert holland/getty images)</span>Sicsú: “O governo precisa se reorientar no discurso, porque isso causa um clima negativo” <span>(Valter Campanato/ABr)</span>

Uma frase batida, no meio esportivo, indica que não existe mais “bobo” no futebol. Assim é também na política, a despeito das tentativas de desqualificar parte dos eleitores por suas opções. Da mesma forma, não se sustenta a “tese” da divisão política do país, à medida que os votos para ambos os candidatos, no segundo turno, se distribuíram pelas regiões. Mas é verdade que será necessário um esforço dos dois lados para garantir um mínimo de civilidade na relação entre governo e oposição – e, especialmente, entre os eleitores, independentemente de suas preferências.

Frases publicadas no Twitter, logo depois do resultado da eleição, dão conta do clima. “A democracia saiu + arranhada q vaqueiro inexperiente em mata de jurema”, escreveu o jornalista e escritor Xico Sá. “Agora, gente, na boa: esse papo de impeachment é horrível. Isso é golpismo”, criticou a também jornalista e escritora Cora Rónai. “Essa eleição mostrou que o povo quer mudança sim, mas na linha de Lula-Dilma que vai na direção das demandas populares. Não adiantou o ódio”, disse o escritor Leonardo Boff.

Voto emotivo: foi em Miami que Aécio teve seu maior percentual de votos, 92%E muitos chamaram a atenção para os locais onde cada candidato obteve o seu melhor desempenho. Dilma Rousseff conseguiu 94% dos votos em Belágua, no Maranhão. Aécio Neves teve 92% em Miami, nos Estados Unidos. É sintomático que a presidenta reeleita tenha tido maior percentual em uma cidade ainda pobre, mas onde os indicadores melhoraram consideravelmente. E também desperta curiosidade o fato de o candidato da oposição ter conseguido maior vantagem em reduto de ricos e novos-ricos. São as contradições. brasileiras, em um país onde as transformações sociais têm provocado hostilidades. Talvez por isso, a presidenta, em seus primeiros pronunciamentos, tenha insistido na importância do diálogo e na construção de “pontes”.

“A política brasileira vai entrar em nova fase”, aposta o jornalista Rodrigo Vianna, em texto no seu blog Escrevinhador divulgado pouco antes da votação do segundo turno. “Não há mais espaço para consensos produzidos apenas nos bastidores. O ódio na rua e nas redes precisa ser barrado com debate, política, ação, disputa simbólica permanente”, reivindica.

Quatro anos atrás, o advogado Luiz Edson Fachin, professor titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), destacava que alguns limites haviam sido ultrapassados na eleição, podendo pôr a governabilidade em risco. Neste ano, ele destaca duas questões preocupantes. “Em todas as candidaturas, foi muito mais reputado um espetáculo do que discussão programática. Agora, o que se agravou é que a agressividade se tornou um espetáculo. Isso cria uma espécie de eleição plebiscitária em que toda a complexidade é reduzida a marcar um x”, analisa.

O segundo ponto, diz Fachin, é o que ele chama de banalização acusatória. “O índice de frases com dados incorretos de parte a parte tem consequências desastrosas. Meu grande receio é que onde caem os pactos civilizatórios emerge a barbárie.” Para ele, uma suposta divisão no eleitorado é um sinal “que se plantou mais bruma do que visibilidade”, embora para o advogado o desenho socioeconômico das candidaturas tenha sido claro: uma deu prioridade à macroeconomia, enquanto outra (que prevaleceu) reunia um conjunto de diretrizes com primazia ao desenvolvimento social.

Grandeza x surdez

Agora, sustenta, é o momento de todos mostrarem certa “grandeza”, sabendo de suas responsabilidades. “Com esse parlamentarismo atípico, que vem sendo chamado de governo de coalizão, não há como fazer isso sem uma espécie de pacto federativo em que se definam políticas de Estado”, afirma Fachin, pedindo uma espécie de “concertação” no Brasil, “sob pena de contribuir para o famoso quanto pior, melhor”. Por exemplo, uma discussão sobre reforma política não pode ser um “diálogo de surdos”, lembra Fachin, defensor de um novo modelo de financiamento de campanhas. “Em 2016, vai ter essa insanidade de novo, que chega a ser agressiva para a população, em razão das cifras que são apresentadas?”, questiona.

Ele espera que a vencedora estenda a mão aos opositores. E todos devem compreender que o presidente, ou presidenta, é do país, e não de um partido. Fachin pede ainda “humildade” para reconhecer o acerto de determinadas políticas públicas. “É dessa grandeza nacional que o Brasil está precisando neste momento.” Já a exacerbação do discurso representa um desfavor para a democracia. Da mesma forma que vozes pró-impeachment, como as que se levantaram mesmo antes do final da eleição – inclusive na mídia tradicional –, são uma “agressão à democracia”, no entendimento do advogado. Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política da USP, identifica, ainda, certa surdez para o diálogo.

“Tornaram-se duas narrativas muito diferentes no Brasil. As pessoas que foram mais marcadas pela discussão política estão muito afastadas entre si”, comenta Janine, dando um exemplo curioso, mostrando que uma simples expressão se torna fator de divergência e revelador de posições. “A divisão está tão grande que uma palavra que existe desde o século 19 – presidenta – é ridicularizada.”

Para ele, ainda cético quanto à possibilidade de uma distensão, mesmo na proposta de reforma política falta discussão com a sociedade, que não estaria devidamente informada sobre os temas principais. Mas Janine também identifica certo discernimento do eleitor. “Eles não estão tão interessados em saber se Ronaldo, Romário ou Luciano Huck apoia alguém, mas se a sua vida melhorou.”

Mesmo admitindo certo “romantismo político”, Fachin exalta o funcionamento da democracia e das instituições no Brasil, que ainda padecem de clientelismo, exclusão social, desigualdades regionais – mas avançou. “Nestes últimos governos, precisamos celebrar alguns ganhos. Eu me recordo que não votávamos. Ter eleições periódicas é um ganho imenso.”


Salário, inflação e investimento

Sicsú: “O governo precisa se reorientar no discurso, porque isso causa um clima negativo”Para o país voltar a crescer,o professor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identifica três questões importantes, independentemente de mudanças na equipe econômica. A primeira é a manutenção da política de valorização do salário mínimo, “um vetor distributivo de renda”, como define. “A explicação da emergência de um grande mercado de massas está muito relacionado ao salário mínimo e ao crescimento do emprego formal.”

Ele também espera que o poder público melhore sua comunicação sobre as causas da inflação, dando explicações sobre o que está acontecendo e mostrar que não há muitos instrumentos para combater uma alta de preços de alimentos que se origina, por exemplo, de choques climáticos.

“Elevar juros para combater uma inflação que vem dos alimentos não é muito adequado, cortar gastos também não. Temos de fazer esse discurso sem medo. Nossa inflação é moderada, abaixo da médias dos Brics. O governo está numa posição muito defensiva”, avalia Sicsú. ”O governo precisa se reorientar no discurso, porque isso causa um clima negativo na discussão sobre decisões econômicas.”

O terceiro item é a ativação do investimento, seja público ou privado. “É preciso recuperar a capacidade da União de investir, mas é preciso uma articulação maior com estados e prefeituras. É a partir daí que vamos retomar o crescimento da economia. É preciso uma força-tarefa para executar projMietos grandiosos de infraestrutura”, pede o professor, citando setores como o de mobilidade (transporte de pessoas e cargas) e comunicações (banda larga, internet). “A melhor forma de recuperar o incentivo ao investimento privado é realizar o investimento público. Não adianta conversa. Temos de fazer.” O economista prevê ainda, para os próximos anos, um boom no setor de petróleo, em termos de extração, refino e exportação.

Siscú enfatiza a importância dos bancos públicos, especialmente do BNDES, “exemplar em termos de financiamento de investimentos”. O banco, por sinal, esteve na mira de Armínio Fraga durante a campanha eleitoral. “Sorte dos empresários brasileiros que o PSDB não ganhou, senão eles não teriam essa alternativa de financiamento barato que o BNDES oferece. Acho que o radicalismo do neoliberalismo é pensar a economia brasileira sem ter bancos públicos. Durante os anos 90 os tucanos fizeram isso, enfraqueceram esses bancos e toda a economia brasileira. Sorte nossa, dos empresários, dos consumidores, dos agricultores, porque senão o crédito se tornaria muito escasso”, diz o professor.