editorial

A gente não quer só Copa. O jogo da democracia também é decisivo

O Brasil ainda é injusto e não consertou todos os estragos – e se vai ter Copa, que ela ajude a reparar alguns

ARQUIVO/AE/1960

Crianças jogam futebol na recém-inaugurada BrasÌlia

Tem gente que adora futebol. Tem gente que não suporta. Tem os indiferentes ao jogo da bola, e também aqueles que só se ligam no assunto de quatro em quatro anos. Em tempo de Copa do Mundo, como agora. De uns tempos para cá, repetiu-se a expressão “não vai ter Copa”. Mas vai ter. De 12 de junho a 13 de julho, aqui no Brasil. Possivelmente com manifestações, que fazem parte do jogo. O jogo da democracia, que não começou em junho de 2013, nem terminará em outubro de 2014, quando o país escolherá seus novos governantes.

Porque, apesar dos desperdícios, da desorganização e da incômoda presença da Fifa, não é a Copa a pedra no caminho do desenvolvimento. A Copa vai passar, a seleção pode ser hexacampeã – ou não. Os movimentos sociais, os sindicatos, a população, todos querem um país melhor para viver, quer segurança, oportunidades, emprego, educação. Essa pauta está na mesa há muito tempo. O país teve avanços, mas com ou sem Copa continua sendo um dos mais desiguais do mundo.

Futebol se identifica com alegria, embora alguns só enxerguem o esporte como negócio – business, dirão outros. Para seus devotos, é uma arte encantadora e integradora como nenhum outro esporte, na maioria dos países em que é mais ou menos bem jogado. Na origem, no Brasil, embora de raiz europeia, o futebol logo se espalhou como opção popular de lazer. E também se mostrou como um espelho da sociedade em suas contradições e preconceitos, como deixaram claro alguns recentes episódios de racismo em estádios. Um problema que existia lá atrás, como demonstrava, por exemplo, o livro O Negro no FutebolBrasileiro, escrito por Mário Filho em 1947. Era jogo de bacana.

Aliás, o país foi modelado durante muito tempo para ser dos bacanas. O cinquentenário do golpe, motivo para reflexão (e reedição farsesca de certas marchas), lembra também que o projeto de país forjado naquele momento excluiu a maioria e suprimiu liberdades que gradualmente foram reconquistadas nas três últimas décadas. O Brasil ainda é injusto e não consertou todos os estragos – e se vai ter Copa, que ela ajude a consertar alguns. Mas hoje pode gritar, apontar suas mazelas e fazer – como escreveu, também 50 anos atrás, o poeta Thiago de Mello – com que a liberdade seja “algo vivo e transparente, como um fogo ou um rio”.